sexta-feira, 5 de julho de 2013

Saudades de Renato


Não era nenhum dia diferente. Deixei Antônio na casa da moça que toma conta dele, peguei a estrada cruzando o cinto de segurança no peito, e me ajeitando no banco. Troquei os óculos pelos de sol e, fazendo o sinal da cruz, pedi a Deus que me levasse e me trouxesse de volta pra casa.

É engraçado, porque sempre na hora em “me benzo” estou passando, justamente, pelo posto da Polícia Militar. Qualquer dia um policial mais atento vai me fazer parar o carro e me perguntar por que tenho tanto medo de passar em frente ao posto.

Depois que obedeci ao primeiro farol de 50 km acelerei, passei a quinta marcha e apertei o play: Legião Urbana 2, volume 35, batidinhas ritmadas no volante, abri as janelas do carro e Renato Russo me fez companhia até Cabo Frio. “A insegurança não me ataca quando erro”.

Eu segui cantando, voz alta, vento na garganta. Quando chega a sexta-feira já não me importo tanto com a cabeleira despenteada pelo vento na janela do carro. Meu cabelo já é despenteado por natureza, pouca diferença faz se fecho ou abro as janelas. Hoje fez uma manhã linda, impossível não sentir o dia! Sou “barco a motor” e nem sonho “insistir em usar os remos”... Vambora!

A vida é linda, e urge!

Eu fiz a viagem pensando em Renato. Que saudade! Que falta eu sinto dele! Como pôde ter isso embora assim, e ter-nos deixado aqui, órfãos das suas palavras, da sua poesia, da sua ode à juventude?! Quem canta, hoje, a felicidade do amor, de estar-se apaixonado melhor do que ele? Quem não sente o coração vibrando quando ouve, depois das batidas deliciosas das cordas do violão, o trecho “Tenho andado distraído, impaciente e indeciso. E ainda estou confuso, só que agora é diferente: estou tão tranquilo e tão contente!”? É como se sentíssemos o amor naquela hora, parece que nos apaixonamos de novo (e de novo, e de novo), cada vez que ouvimos a música. Aquela alegria da certeza após a dúvida: é amor! A sabedoria de dizer que “Já não sou mais tão criança a ponto de saber tudo”...  Ah, Renato, por que você fez isto com a gente?

Hoje os jovens estão lá nas ruas, com um movimento bonito, pacífico, pedindo justiça num país onde um símbolo de justiça cega confunde os interessados. Há uma gente lá fora levando tiros de borracha. Uma gente que nem lhe conheceu, Renato! Eu sinto tanto porque você não está ao lado deles, cantando suas canções! E, no entanto, viajo pasma, porque escuto você cantar (e que voz!) e sinto como se você tivesse acabado de compor a sua canção.

Na faixa três, “a” música: Acrilic on Canvas. E um pensamento nostálgico – uma saudade! – me toma o coração de assalto. Eu lembro como se fosse hoje que em 1986 fui testemunha de uma história de amor entre dois jovens que cursavam Belas Artes. Os dois, seus fãs. O menino, aprendendo a tocar violão, carregava para cima e para baixo as revistinhas com cifras das suas músicas. A menina, metida a cantora, combinava os acordes com o namorado. Foi assim, até que o namoro terminou. E a dor do fim foi gritada por você, Renato, no final da música feita para o entendimento de quem sabe de Artes. Acho que nem eu acreditaria na coincidência dos fatos, não tivesse eu mesma acompanhado aquilo tudo!

O céu azul de Cabo Frio, a despeito da cor que tem o céu de qualquer cidade vizinha traz a alegria: eu vivo! Eu respiro, eu sou perfeita, eu sou saudável, eu vejo, eu ouço! Dirijo no ritmo de Eduardo, atropelando os pensamentos, apaixonado por Mônica, sem saber o que fazer com aquele amor por aquela mulher tão poderosa, “nada a ver” com ele. E penso nos meus amores – cada tipo! – e concordo com você, mais uma vez: “Mesmo com tudo diferente, veio mesmo de repente, uma vontade de se ver”.

Aquela sensação de amar, maravilhosa, inexplicável, ganhou um defensor, um representante. E tudo aquilo que era difícil para os jovens dizerem foi dito nos discos, saiu da sua boca, foi cantado e dançado nos bares, clubes, festinhas...

Hoje, viajando, ouvindo você cantar, pensando nas cenas das manifestações no Brasil, alimentei-me de “Tempo Perdido”. E basta que balbuciemos suas palavras, basta que reflitemos um pouco sobre elas, e já nos dá vontade de viver mais, viver melhor, viver com força: “Somos tão jovens!” Ainda dá tempo de tanto! Impossível não lembrar de você dançando ao final da canção, num balé a que se podia chamar VIDA, num clamor para que prestássemos reverência ao dia que amanhece, e que observássemos “o sol da manhã tão cinza”... Por onde anda você, Renato?

A música que segue, a faixa sete, “Metrópole”, foi composta ontem, me parece. Não é possível que o descaso com a saúde pública esteja tão presente depois de tanto tempo.

O tom debochado – seu companheiro – na outra canção pede que se “faça do bom senso a nova ordem”. Eu ouço, contextualizo, rio. “Não deixe a guerra começar”. Será que você cantava para 2013, Renato? “Pense só um pouco, não há nada de novo. Você vive insatisfeito e não confia em ninguém. E não acredita em nada, e agora é só cansaço e falta de vontade, mas faça do bom senso a nova ordem”.

Um filme passa na minha cabeça, enquanto o violão o acompanha em “Música Urbana 2”. Estou já quase chegando à escola. Lá, as crianças também ainda aprendem a repetir a “música” que vomitam os PMs armados, as tropas de choque, os viciados, as antenas de TV, enquanto nascem mais algumas crianças. É 2013, faz mais de vinte anos que você compôs a música. Como pode ter sido assim?

Às vezes parecia que de tanto acreditar em tudo o que achávamos tão certo teríamos o mundo inteiro e até um pouco mais, faríamos florestas nos desertos e diamantes de pedaços de vidro... Até chegar o dia em que tentamos ter demais vendendo fácil o que não tinha preço”...

Nosso dia vai chegar, teremos nossa vez, não é pedir demais, quero justiça... Quero trabalho honesto em vez de escravidão... O céu já foi azul, mas agora é cinza, e o que era verde aqui já não existe mais”...

Quem me dera ao menos uma vez ter de volta todo o ouro que entreguei a quem conseguiu me convenceu que era prova de amizade se alguém levasse embora até o que eu não tinha”...

O que aconteceu ainda está por vir”.  Será que esta frase define sua aparição por aqui, Renato? Será que isto explica essa vida intensa que você levou, a ponto de mandar todos os recados às gerações futuras, às pessoas que não conviveriam mais com você?

Que mistério será este, Renato, de ouvir você cantar para a juventude de hoje?

Que falta sinto de você, Renato! Que pena, que perda foi, para nós, a sua partida daqui.

Cheguei bem à escola, graças a Deus. Renovada de uma esperança que você depositou em mim. Trabalhei bastante e, quando voltei para casa, na estrada, um sol quentinho batia no vidro dianteiro e aquecia o meu coração. Uma sensação que ainda não havia vivido! Você cantava outra vez, e desta vez parecia ainda melhor!

E eu pedi a Deus que o abençoe.


Saudades sempre! 

3 comentários:

  1. Ah!!! E eu tenho saudades de um Renato que eu nem conheci direito!
    AMEI seu texto, Tia Karla! E cantei todas os trechos que você postou enquanto lia!
    :*
    Lívia

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    1. Obrigada, minha querida! É uma saudade grande, e fico triste por pensar que a geração de vocês não pôde conhecê-lo... Emocionada pela visita! Bjs.

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    2. K entre nós,que texto...mais um dos ótimos e melhor quando me vejo compartilhando afetos com vc!Eu igualmente amo Renato,e tive o prazer de ver meu Marcello deliciando-se ao ouvi-lo e até me presenteando com um LP da Legião.Sim,eu gostava de ouvir meus LPs,qdo morava por aí...e como chorei ao saber de sua partida...valeu!!!

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