terça-feira, 31 de julho de 2012

Feliz aniversário!

(Hoje, 31 de julho, é aniversário de um grande amigo meu: O pai de Antônio! O dia é dele, a felicidade é minha.)

Eu era uma antes de conhecer você. Sou outra, agora. Tolo quem pensa que depois dos trinta anos não se muda mais. Veio para Iguaba uma Karla e, no entanto, apesar de ter chegado por aqui já com meus trinta e dois anos, mudei aos poucos – porém completamente! – depois de ter sido apresentada a você.
Quem me apresentou a você foi a vida, sussurrando em meus ouvidos: viva! E ela disse-me isto através de um sorriso largo, pouco escondido por baixo de um farto bigode...
Você foi-me, desde sempre, companhia constante. Solução para os meus problemas, presença confortável nas tardes de solidão, palavra certa que se quer ouvir na hora certa. Foi força, amizade, e preencheu os espaços vazios (os muitos espaços vazios!) que eu tinha na vida.
Olhando pra trás nossa história está bem à minha frente: sentado no sofá, Antônio assiste atentamente à TV. É filho nosso, fusão inocente da nossa energia, da nossa adrenalina... Nem perguntamos a ele e já tão pequeno assume a responsabilidade de carregar nosso DNA.
No entanto, está aí, vivendo. E desta forma convivo com parte de você comigo, noite, dia... É impressionante como Deus desenhou – literalmente! – o resultado do encontro de nossas vidas: Antônio parece ter sido feito a pincel, traços perfeitamente decorados no rosto. Nosso filho, lindo, lindo, abençoada criança!
Hoje é seu aniversário. Há onze anos envelhecemos um perto do outro. Há onze anos agradeço a Deus por sua vida. Porque ela mudou a minha. Ontem eu não tinha nada. Não tinha perspectiva, não tinha sequer visão de mim mesma, e agora sei quem sou.
Meus valores, meus pais ajudaram a compor. Ensinaram-me o certo, o errado. Depois que cresci me disseram: segue! Eu segui, tropecei, levantei-me, caí novamente uma, duas, muitas vezes. Até que de tropeço em tropeço conheci você: feliz encontro, do qual devo graças ao Senhor!
O dia é seu, a felicidade é minha. Porque sei onde vou, olho pra frente e vejo você lá, comigo também. Segurando minha mão, como foi todas as vezes em que precisei.
Deus abençoe você. Que viva muitos anos, com muita saúde. Antônio precisará ainda de alguns anos ao seu lado, referência sempre presente de pai, de amigo, de homem. Eu precisarei ainda mais, esquecida que estou de como é viver a vida sem a sua companhia.
Obrigada por viver, por cruzar um dia o meu caminho. Obrigada pelo filho maravilhoso que só tenho hoje porque um dia você sonhou.
Feliz aniversário, meu amigo!

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Sobre os dias sem você

(Seis dias sem Antônio: férias na casa da vovó e do vovô, como combinado. E um arremedo de mãe, inquieta, piegas, idiota, resolveu compartilhar o que é sentir saudade.)


Deixei você em São Gonçalo, aos cuidados da vovó e do vovô, faz seis dias. Chegando em casa, o primeiro sentimento foi o de paz. Pude ver os cômodos da maneira como deixei no dia em que saí para ter você, há seis anos...
Nenhuma bagunça. Nenhum barulho. Tudo em... paz.
Confesso a você, meu filho, que esse sentimento durou alguns poucos minutos.
Eu voltei de São Gonçalo à noite. Estava cansada da viagem e, por isso, dormi logo que me deitei. Espalhei-me na cama, sensação confortável de quem teria a noite inteira para se mexer sem machucar ninguém...
Já quando acordei senti sua ausência: faltou o “bom dia!” daqueles olhinhos de jabuticaba, arregalados, prontos para viverem o domingo. Olhei a cama, o quarto, a casa vazia. Percebi que tudo estava no mesmo lugar. Vi que as janelas ainda estavam fechadas, sinal de que você não havia “feito o seu trabalho” de abri-las nos fins de semana. E meu coração ficou apertado quando me dei conta de que estávamos bem distantes um do outro...
Antônio, eu amo você. Seis dias se passaram e nada aqui preencheu seu espaço. Estou agora a contar as horas para pegar a estrada e ir ao seu encontro, segurar você, conferir você, beijar, abraçar e trazê-lo de volta para dentro do meu abraço.
Cada ligação é uma emoção diferente. Uma vozinha de menino, uma conversa esticada, um sussurro pra contar um segredo, uma alegria, uma saudade. Se eu estou confusa entre tantos sentimentos, que pensar de você, que só agora os experimenta? Quer que eu vá buscá-lo, mas quer ficar. Quer me ver, mas quer que eu fique mais uns dias por aqui. Difícil, não é, meu menino?
Então resolvi deixar aqui neste nosso “diário” o registro de uma mãe boba que ainda não sabe o que fazer para conter esse sentimento chamado saudade.
Ando aprofundando suas raízes para que, quando chegar a hora certa – será que saberei, quando ela chegar? – as asas lhe sejam dadas com a consciência tranquila de quem fez o melhor que pôde. Mas aprofundar raízes dói. É egoísmo, eu sei, mas dói.
Sinto falta dos brinquedos espalhados (“já vou guardar!”), dos pés descalços (“já vou calçar!”), da luz acesa (“já vou lá!”)... Sinto falta do volume alto da televisão na hora da música de entrada do desenho preferido... Sinto falta de você.
Para minha alegria, amanhã isto tudo termina. Quando eu buzinar na esquina da rua da casa da vovó verei você correndo, e agradecerei a Deus por ser ao meu encontro, como na praia, como na vida... Erguerei você em meus braços e nos uniremos num abraço forte daqueles que só nós dois sabemos. Sentarei na calçadinha da varanda e ouvirei de você todas as histórias, que virão conosco numa narrativa infinita que durará até chegarmos em Iguaba, finalmente.
E aqui terei meu Antônio de volta: mais crescido, certamente, com band-aids pelo corpo comprovando o quanto foi feliz ao lado de vovó, vovô, dindinha, dindinho e seu parceiro-primo-amigo-irmão Miguel.
De volta à casa que é sua, tomará seu espaço. Em pouco tempo tudo estará pelo avesso por aqui. Terei iniciado os sermões, as broncas, os cansaços. E, no entanto, serei a pessoa mais feliz do mundo!
Deus abençoe você, meu filho querido. Que eu possa estar sempre por perto, velando seu sono, cuidando para que nada de mal lhe aconteça. Que seus voos para a liberdade de ser você mesmo aconteçam muitas e muitas vezes ainda que, por ora, se limitem a São Gonçalo. E eu louvo ao Senhor, porque é lá que estão minhas raízes, minha vida, minha família. Lá está a sua referência do que é ser sangue do seu sangue. É lá que você recebe e dá o amor mais verdadeiro. E enquanto este encontro de gerações puder acontecer farei com que você o viva, porque é assim que se aprende a ser um homem de verdade.
Agora, resta-me olhar, olhar e olhar o relógio. Daqui a pouco vou me deitar, pra ver se as horas passam mais rápido. Amanhã, quando me levantar, irei em sua direção, na direção da minha real felicidade: ter você na minha vida. Até amanhã, meu amor!

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Letra, palavra, texto, entrega...

(Hoje - Dia do Escritor - escrevi sobre o prazer de arrumar as palavras que saltam do notebook cada vez que o abro...) 

Olhando o teclado do notebook vejo letras em espaço definido. Ainda não desenvolvi o hábito de digitar sem olhá-las, mas acho que sei o motivo...
Gosto de ver a perfilação das letras, dos sinais de pontuação...
Observando atentamente, já vejo as palavras se formando. Saltam imaginariamente, uma a uma, trazendo-me ao texto. É assim que a inspiração me chega. Pra mim, é como se cada vez que abrisse o note houvesse um texto esperando por ser escrito...
Eu olho a disposição das letras, brinco com as palavras e, aos pouquinhos, vou tecendo a teia dos meus pensamentos, com esses meus dedinhos que felizmente me acompanham.
Foi sempre assim, comigo: meu primeiro amor eu datilografei numa Remmington 22. Meus primeiros desamores ficaram registrados nas folhas de um diário que não existe mais, posto que com a mesma intensidade que amei, sofri, rasgando o caderno na mesma proporção em que se rasgava meu coração. Depois algumas manobras num Word 93, e cá estou eu.
Aqui me transformo em letras, é aqui que sou mais eu. Isto porque registro, provo, testemunho quem sou. Quando falo – e isto faço muito! – as palavras me levam embora, vão para vários lugares diferentes, nas interpretações pessoais de quem as ouve e passa adiante, e adiante, e adiante, com suas impressões pessoais positivas ou negativas de mim. A palavra – aquela que era minha – vai-se embora e, quando vejo, não há mais como alcançá-la. E às vezes sofro por vê-la tão distorcida, tão usurpada...
Aqui não. Meus dedos me indicam o melhor vernáculo, me avisam quando sou redundante, me alertam dos erros. E compõem, junto comigo, o tecido do texto. Falam demasiadamente sobre meu amor por lecionar, sobre meu amor por viver, por ter/ser Antônio,...
Hoje é o Dia do Escritor e, por felicidade, recebi algumas homenagens de amigos. Palavras doces, de admiração e carinho. Fiquei bastante emocionada, porque sei que essas pessoas leem tanta gente importante e, mesmo assim, lembraram-se de mim. E estou agradecida, de coração.
A intenção ao escrever é esta: compartilhar com gente de todo tipo as coisas das quais me acumulo (não é, Claudia Brito?) pensando...
A máquina, a tecnologia, vem no auxílio: hoje com a caneta não consigo. Minha letra já não dá conta da rapidez com que engendro o pensamento. E basta que o teclado se me apresente, lá estão as letras, as palavras, os textos diante dos meus olhos e do meu coração.
É minha arma, sigo escrevendo. Por aqui vou documentando o crescimento inexplicavelmente acelerado de Antônio. Vou dizendo do meu amor pelos meus pais, do meu orgulho por estar fazendo pelo meu filho muito do que eles fizeram por mim. Por aqui vou compartilhando ideias a respeito da educação que se faz para os meninos e meninas de amanhã. Por aqui divido com vocês meus reencontros, confesso meu passado, planejo meu futuro...
Todos aqueles que me conhecem há algum tempo já sabem que sou assim mesmo, do jeito que escrevo. Então, as palavras que se põem sob meus dedos – às vezes acho que elas é que se elegem – só vêm até a tela para divulgar a Karla que sou.
Agradeço a Deus pela oportunidade de deixar meus recados. Se é dom, vem dEle, e devo usá-lo para o bem, para a edificação das pessoas. É o que pretendo estar fazendo. Agradeço por ter tido a Remmington, que guardou tantos segredos de uma jovem menina de treze anos apaixonada e não correspondida. Agradeço pelo caderno/diário que, embora dilacerado, foi companheiro e armazenador de muitas, muitas lágrimas salgadas derramadas por muitos, muitos amores não correspondidos, também. Eu não dei muita sorte. E a solidão me levou ao papel, às letras, às palavras, ao texto, à entrega.
Foi assim, comigo. Hoje preparo o que espero ser um tesouro para Antônio: um baú virtual de lembranças, histórias, preciosidades...
O desejo é o de mudar pensamentos, mexer com conceitos enraizados, desacomodar os leitores de suas cadeiras, ser movida a mudar de opinião, também. Desejo emocionar, confundir, provocar reações. Por enquanto, tenho conseguido, e sou feliz por isto.
Aos escritores de plantão, os da máquina de escrever, do caderno ou do computador, meu orgulho por fazer parte da nação. Vou atrás, no fim da fila, aprendendo, melhorando. Mas sem nunca, de modo algum, desistir de sonhar e deixar o sonho registrado. Senão, não valeria a pena. Seria ignorar o balé das teclas implorando a vez. E ignorar o texto seria deixar o sonho à margem. “Bora” sonhar?

domingo, 22 de julho de 2012

Perdão

(Depois de uma abençoada noite de reencontro, vim aqui para pedir perdão a vocês, meus queridos alunos...)


Passei o dia ansiosa pelo reencontro. Viajei acompanhada por uma lua sorridente, que me parecia tão emocionada quanto eu. Luas crescentes são sempre simpáticas. A natureza é extremamente acolhedora, e Deus, infinitamente bom!
Demorei a chegar. A viagem durou mais tempo que o previsto. Mas, ainda que atrasada em quase uma hora, pude vê-los lá, à minha espera...
Sentados à mesa, jovens com uma alegria que o corpo todo revelava. E fui decifrando cada olhar e traduzindo em nomes: Mariana, Lucas, Matheus, Ianê, Victor...
Dentro de cada abraço recuperei o tempo perdido, matei um bocado da saudade. Fui apresentada a outros dois jovens, Luiza e Bruno, pares românticos daqueles que se dispuseram a deixar de namorar um pouquinho para ir me ver.
E, acomodando-me numa cadeira, comecei a saber deles, dos meus queridos... Ouvindo suas histórias imaginei por uns minutos estar em 1998, 1999... Depois que a gente fica velho vê os jovens como crianças. E foi difícil transportar corpos tão pequenininhos para aquelas alturas, principalmente a dos meninos, que passavam de mim!
Mas seus olhares – estes sim! – estavam lá, do mesmo jeito. E, relembrando acontecimentos da época em que estivemos juntos, fui confirmando minha tese de que não haviam, mesmo, se esquecido de mim. Foi aí que resolvi pedir perdão a eles... e quero registrar o meu pedido, oficialmente, aqui.
Eu peço perdão a vocês, alunos que passaram por mim, por todos os erros que cometi. Deixei Lucas em recuperação em julho, só para que completasse as tarefas do livro de Matemática, que ele nunca fazia em casa. “Seria um bom exemplo para os outros alunos”, a diretora argumentou, convencendo-me. Lucas sempre foi excelente aluno e, certamente, fazer ou não o dever de casa jamais interferiria em seu aproveitamento. Quanto à Matemática, pouco lhe serviu para ser, hoje, o que já anunciava lá atrás: Lucas é instrutor em cursos de meditação, respiração, relaxamento...
Lucas é só um exemplo. Fiz mal a muitos, ainda que com a melhor das intenções! E cinco deles iam me dizendo isto, entre uma e outra fatia de pizza, pois se tornaram homens e mulheres, são responsáveis, batalhadores, estão correndo atrás das oportunidades para que a vida lhes seja um pouco melhor, e nem sabem a tabuada de cor.
Minimizada, arrependida, mas feliz demais pela parte que me cabe, pedi-lhes perdão uma, duas, três, várias vezes... Eles riam. São alegres como é alegre a juventude...
Perdão, meus amores. Perdão pela ausência depois da festa de encerramento. Um Papai Noel (Tio Rubens,não?) entregou-lhes os presentes de Natal, os microfones anunciaram a chegada das férias, vocês se foram, eu também, e nem os vi crescerem...
Não estive ao seu lado quando os hormônios da adolescência romperam suas vísceras e os fizeram chorar, sofrer, odiar o espelho... Não estive ao seu lado quando brigaram com o melhor amigo e, por orgulho, deixaram tanto tempo passar na distância... Não fui eu quem afagou-lhes os cabelos na primeira dor de amar sem ser correspondido... Não lhes expliquei as dúvidas que surgiram ao longo da escola, depois que me deixaram... Não mais os vi, os segui. Nenhuma piada para alegrar uma tarde cansativa e sem graça. Nenhuma brincadeira (pique-se-esconde?) no recreio...
Quero lhes dizer que desde que comecei a ter de volta o melhor do meu passado reencontrando vocês pela internet sou uma pessoa diferente. Aposto no que faço, confio no que sou. Porque o amor de vocês me prova que vale a pena tentar.
Bruno, o novo “agregado”, estuda Física e quer ser professor. Por “coincidência” sentou-se bem à minha frente no restaurante, o que nos permitiu conversar bastante sobre o terror da Matemática. Bruno quer ensinar uma Matemática melhor para as crianças. Tem esperança nisto. E por ser tão jovem encheu meu coração de alegria. Disse a eles que ainda espero retornar aos bancos da Faculdade e formar-me professora de Matemática. Eu vou com Bruno. Na certeza de que tem mais por aí.
Olhando as fotos de ontem, vejo que meus olhos brilham. E vejo brilho nos olhos deles, também. Acho que estou perdoada. E por sentir um perdão tão reconfortante, agradeço pela noite de ontem: obrigada, Senhor!

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Está proibido faltar

(A Lei impôs a obrigação da presença dos alunos nas salas de aula. Não precisaria ser assim, se amor e responsabilidade estivessem impregnados na prática de alguns professores...)

 
Há algum tempo é lei: é proibido faltar às aulas na escola.
Antes, os alunos conseguiam aprovação se, ainda que tivessem menos de setenta e cinco por cento de frequência, obtivessem bom aproveitamento nas aulas. Hoje não funciona assim: a infrequência reprova até mesmo os alunos com notas máximas!
O óbvio, pouca gente percebeu: a incapacidade da escola de manter um aluno do lado de dentro dos seus portões levou os catedráticos das leis a proibirem-no de faltar às aulas... Agora as famílias recebem até benefícios se seus meninos comprovarem presença na sala de aula.
Teria sido bem diferente, imagino, se a opção fosse deles, dos meninos. Ir para a escola ou ficar em casa? TV ou sala de aula? O super-herói favorito ou o professor estressado? As cores da rua ou o verde e branco (agora branco e azul) do quadro-negro? As músicas ou a repetição cansativa do blá, blá, blá da “tia”? A vida ou a morte? Bem diferente! Eles, certamente, negariam a ida a escola, não duvido.
Diante da disseminação da praga da preguiça, da falta de compromisso, da irresponsabilidade que abateu inúmeros dos nossos professores ao longo das décadas, os alunos foram descobrindo novas formas de encarar a vida, resolver seus problemas, sem precisar da escola. E perceberam que bastava estarem presentes nos dias de prova para garantirem uma nota razoável e assegurarem a aprovação ao fim do ano. E começamos a nos deparar com estatísticas revelando notas excelentes para alunos com frequência mínima.
Certa vez ouvi, num dia de conselho de classe, um professor queixar-se de um aluno. Tratava-se de Roberto, menino do sexto ano de escolaridade, que havia quebrado a perna num acidente. Estava ausente da escola por conta de um atestado médico que lhe recomendara repouso. O professor, muito exaltado, acusava Roberto de ser um “espertinho”, pois durante suas aulas sempre o via passear de bicicleta nos arredores da escola.
Ora, bolas, cheguei a discutir com o professor: “se Roberto prefere passear de bicicleta em frente à sua janela a entrar para assistir às suas aulas, quem deve rever a prática é o senhor, professor.
Cansados de tantos Robertos – espertos, sim, inteligentes, muito! – os pensadores criaram a Lei: Está proibido faltar! Seria uma vergonha constatar, cada vez em menos tempo, que alunos são felizes fora dos muros da escola. Que aprendem apesar da escola, e não por causa dela (esta frase, uma de minhas preferidas, é de Victor Paro). Um escândalo, embora tão lógico de se concluir, com o material humano (humano?) que temos hoje...
Ninguém se atreve a questionar sobre a relação frequência X bom aproveitamento? Não seria mais correto indagar ao professor como é possível dar boas notas a um aluno que não comparece em suas aulas? Por que é que até hoje nos defrontamos com professores – profissionais da educação! – que optam por lançar nos seus diários de classe faltas e presenças para seus alunos, aleatoriamente, clandestinamente, como se pingos e efes fossem mais responsáveis por um resultado no final do ano letivo do que sua própria avaliação acerca do seu real desenvolvimento?
Fico triste por pensar que ainda é assim na maioria das escolas. O sinal da saída toca e aquela gritaria saudável da infância, da juventude, era tudo o que se deveria ouvir quando bate o sinal da entrada. No entanto, este último é ouvido com murmúrios por uma geração obrigada a frequentar, no mínimo, setenta e cinco por cento de, no mínimo, duzentos dias de sufoco, sacrifico, horror, pesadelo. Senão, é reprovada, ou deixa de compor a renda familiar no final do mês.
Boas aulas trariam os alunos para dentro das escolas, sem obrigações. Amor os traria. Amizade, zelo, afeto, atenção, respeito os trariam. Tão fácil! E não precisaríamos de leis que nos tirassem do vermelho em que a educação encontra-se hoje em dia.
Uma pena que não seja assim com todo mundo. Tiro o chapéu, curvo-me diante daquele ou daquela que ainda honra o diploma e conquista a classe. Daquele ou daquela que com segurança é capaz de avaliar, de lançar uma nota no seu diário de classe para seu aluno sem depender do que lhe viu registrar na prova agendada no calendário... Orgulho-me do colega que garante a presença em massa da turma pelo simples fato de estar lá, com seu sorriso acolhedor, sua palavra de confiança, seu domínio de conhecimento, seu carisma, seu AMOR pela profissão! Por esses não precisaria ser mudada a legislação. Porque o simples fato de conduzirem com responsabilidade o ofício convenceria o menino e a menina de que é preciso estudar para “ser alguém na vida”.
Ainda acredito. Hoje estou às vésperas de reencontrar meus ex-alunos, depois de vinte anos. E sempre que puxo pela memória e recordo do tempo em que estive com eles, lembro de sorrisos, de carinho, de afeto, de amor. Lembro-me dos olhos deles, das piadas, das histórias... Lembro-me de que muitos passavam seus minutos de recreio sentados à minha volta, conversando... Lembro que não havia correria quando a aula terminava, não havia sinal... Lembro-me que batia palmas chamando-os para a sala. Lembro de compromisso. E o que ficou disto tudo foi uma raiz tão profunda e sólida – porque bem alimentada – que me permitiu dar-lhes asas e tê-los agora, ainda que virtualmente, tão perto de mim!
Orgulho-me de ser professora! De nunca ter dependido de resultados exatos numa calculadora para definir destinos... De nunca ter precisado buscar um aluno ausente... De não ter sido motivo para a ordem da lei. Meus alunos foram às minhas aulas porque quiseram ir, enquanto quiseram ir. Quando o aluno começa a faltar, troca a aula por outro motivo qualquer, evade, sinaliza ao professor que algo não está bom ali, naquele espaço. Feliz de quem se dá conta disto e refaz, recomeça o caminho, muda para que o aluno volte. Este sim, é professor. O resto, é obra do acaso.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Desprezo metades

(Amo a vida, e ando procurando por ela nos corpos de pessoas que vivem pelo meio. Pessoas que, pra mim, só não estão mortas porque ainda não se deitaram...)


Não gosto de metades. Vivo na intensidade do inteiro, nada pelo meio. Sofro as consequências, decerto. E disto, muito me orgulho. Pago o preço por ser eu mesma. Meu nome é autenticidade.
É muito mais fácil ser deste jeito, embora tanta gente insista em ser do outro: ando tropeçando em gente que só posso dizer que está viva porque anda não se deitou. Gente inexpressiva. Gente sem palavra. Gente indigna do dom da Vida concedido por Deus.
Deus também não gosta da dúvida, da mentira, da indecisão. O texto é bíblico, está em Mateus: “Dizei somente ‘sim’, se é sim; ‘não’, se é não. Tudo o que passa além disto, vem do Maligno”. E nada do que é morno, também, agrada a Deus.
Sou fria, sou quente. Sou sim, sou não. O preço, como já disse, alto demais, algumas vezes. Mas nada que não se possa pagar. Porque é fácil ser um só, onde quer que se esteja.
A verdade é bonita. Gosto desta frase, que é uma máxima entre os povos ciganos. Feio é lidar com a mentira e seus parentes próximos: a falsidade, a inveja, a dúvida, a falta de caráter. Quando se diz a verdade se vai com ela para todos os lugares, com a segurança de que não há o que ruir... A verdade anda junto com a salvação.
As pessoas morrem aos poucos quando vivem na indecisão. Não sabem tomar atitudes e, quando as tomam, não conseguem sustentá-las por muito tempo. Ora estão num lugar, ora em outro. Ora com algumas companhias, ora com outras. Ora pregam uma “verdade”, ora outra.
A mentira não caminha muitos passos. Perde-se, envolta num emaranhado de frases confusas, numa confusão de movimentos contraditórios. Uma dança oscilante que me causa enjoo. Deve ser este mesmo sentimento com que descreve a Bíblia como vômito de Deus diante do morno, atrevo-me a concluir.
E viver os dias é tão maravilhoso! Tão divino viver a vida! Somos entregues à luz quando deixamos o ventre de nossas mães. Saímos da escuridão confortável para mostrar do que somos capazes aqui fora, para mostrar como podemos multiplicar os talentos com que o Senhor nos presenteia no primeiro choro...
Fico imaginando a expectativa dos anjos lá no céu quando veem uma criança nascendo: “Mais um para melhorar o mundo!”, eles devem pensar. “Deus não desistiu da humanidade!”, devem cantar e dançar em louvor à vida... E, no entanto, tanta gente parte-se ao meio, vivendo a dúvida do dia-a-dia: Vou, não vou. Dou, não dou. Fico, não fico. Faço, não faço. E, tomando decisões das quais se arrependem segundos, minutos, anos, décadas depois, jogam por terra a oportunidade de serem sinceras, verdadeiras, conscientes e fazerem jus aos louvores dos anjos no céu.
Vivo a vida. Acordo, agradeço a Deus por mais um dia concedido, e sigo em frente: rotina imutável para sair de casa para o trabalho, rota definida, relógio cronometrando cada passo. Tudo imprevisível, porém, porque estou à disposição do que Deus quer para mim. Uma certeza, no entanto: a de defender meus ideais, a de dizer sempre a verdade.
Não gosto de metades. Falo, e faço. Simples assim, como dizem nos meios virtuais de comunicação. E me entristece – quase me constrange! – ver gente sem atitude diante das situações que envolvem a responsabilidade do que é viver. Ninguém está aqui por acaso. Todo mundo é um plano de Deus. E é para melhorar o mundo, não para piorá-lo. Fosse assim, e Ele já teria desistido, não foi quem o criou? Teria desistido e acabado com tudo, e nem precisaria de sete dias desta vez. Essa gente que ainda não se deitou para assumir a morte tem adiantado o serviço.
Todos os dias em que acordo e vejo Antônio me sorrir, ouço Deus me dizer que ainda há chance. As crianças são perfeitas para entendermos isto: são verdadeiras, são intensas, são inteiras. Criança não duvida, não fraqueja. E são presença garantida no céu, Ele já nos declarou. Justamente porque são sim, não, quente, frio.
Crianças não são pequenas. Pequenos são os do meio. Os que vivem pelo meio, sentem pelo meio, sabem pelo meio, entregam-se pelo meio. E por estes, Deus – e aí me incluo, num ousado atrevimento com redundância proposital – só tem um sentimento: desprezo pelo tempo perdido na criação.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Re-conhecer pelo olhar

(Quando às vezes acontece de eu atender às tentações do mundo em duvidar se estou no caminho certo, Deus me olha, e me arrebata. E Ele olha pra mim com os olhos de meus ex-alunos, precioso resgate virtual.)


Só um louco pensaria diferente: tudo acontece da maneira como Deus quer que aconteça.
A presença de Deus na minha vida é constante, é viva, é fervorosa. Obrigada, Senhor!
Não foi só no texto anterior a este que confessei procurar pelos meus ex-alunos observando as crianças nos lugares por onde passo. Daquela vez foi em Niterói, mas onde quer que eu vá olho ansiosa os rostinhos dos pequenos nos arredores das escolas onde lecionei à procura dos meus amados, que um dia estiveram ao meu redor numa sala de aula...
Talvez esta seja a centésima vez que eu diga, mas vou repetir, orgulhosa: eu sou muito feliz! Tive uma vida feliz. Fui uma professora feliz. Não há do que reclamar.
Hoje estou aqui, página aberta diante de vocês, para compartilhar minha emoção por mais um reencontro. Pois bem:
Há mais ou menos três meses estive diante dos olhos de Neydson, ex-aluno de 1992, num abraço do qual duvido ter saído até agora. Tendo me informado que Iguaba Grande constava em seu roteiro de viagem, sugeriu-me um encontro. Combinamos um local próximo à lagoa para nos vermos. Vinte anos haviam se passado. Eu, nervosa, emocionada desde a noite anterior, cheguei bem mais cedo ao local do encontro e, ainda que Neydson tivesse me avisado que passaria pela estrada dirigindo, procurei pelo menino nos volantes de todos os carros que passaram por mim...
Depois de alguns minutos de uma espera difícil (quantos minutos cabem em vinte anos?) um toque no meu ombro trouxe-me meu aluninho de volta: era ele, Neydson, meu passado feliz, de volta aos meus braços, segurando minhas mãos como no primeiro dia de aula no Colégio Daflon Ferraz. Trazia-me flores, e um sorriso inconfundível. Ele estava de óculos escuros, e eu pedi, abobalhada, que os tirasse do rosto: eu queria ver os olhos de Neydson.
Então o reconheci, verdadeiramente. Ali estava o meu sorriso. Meu aluno querido, meu passado de que me orgulho tanto! Guardei na memória por todo este tempo os olhos de Neydson, o seu olhar. E os encontrei naquele homem. Ele deve achar que cresceu. Eu o vi com seus oito anos de idade...
Reencontrei Bruno, outro ex-aluno, encontrando seu olhar, também, apesar de quinze anos depois. Olhos grandes, expressivos, contornados pela alegria que se tem aos nove anos e, contudo, com uma doçura incomum. Jamais me esqueceria. E onde quer que fosse, por onde quer que tivesse caminhado eu o reconheceria, bastaria que me olhasse nos olhos...
Hoje  estou aqui, perplexa diante dos olhos de Matheus. Fui surpreendida com uma solicitação de amizade no facebook e, ainda que a foto me revelasse um homem, pude estar com meu menino, aluno da terceira série, em 1999, correndo pelos pátios do recreio, a brincar de pique, a esperar pelas minhas “palmas” para retornar à sala...
Vem tudo muito rapidamente à lembrança. E são recordações, felizmente, agradáveis para mim e para eles, também.
Agradeço a Deus pela vida que tracei. Pelos rastros que deixei, por tudo o que fiz. Hoje a evolução virtual aproximou-me de mim mesma. E quando o cansaço tenta vencer-me com um cotidiano que às vezes me parece óbvio e previsível, recebo uma rasteira divina: recebo os olhos do meu passado de presente (passado de presente, curiosa combinação de palavras).
Meu amor está aqui, no meu coração. O amor que senti por cada aluno, em suas diferenças tão especiais... Ele solidificou-se e, a cada reencontro, renasce ainda maior. Rezo pelo destino de cada rapaz e moça, homem e mulher que está aí, na lida, vencendo suas batalhas, começando a viver o que será o futuro de Antônio.
Emocionada diante do que vejo todos os dias quando abro o notebook e percebo minhas turmas assinando presença sigo vivendo, trabalhando, tentando incansavelmente mostrar para o povo que duvida – ainda há gente que duvide! – que ser Professor é tudo de bom!
Se uma passagem por Iguaba Grande interrompe um silêncio de vinte anos é porque valeu a pena. No dia em que postei o texto “Feliz reencontro” recebi uma mensagem de Bruno, dizendo que o havia lido e que sentia saudades do tempo em que esteve comigo. Bruno enviou a mensagem pelo celular, estava a caminho da Faculdade, num ônibus... Hoje Matheus me revelou ter pensado em mim dentro de um ônibus, em Niterói, a caminho do ensaio da peça “A gaivota”. Ao procurar-me no “google”, encontrou meu blog. Ao ler o último texto postado,  “Uma viagem a Niterói”, emocionou-se com as circunstâncias em comum: viagem, ônibus, Niterói, gaivota...
Laços. Foi o que tentei estabelecer com eles, desde o primeiro dia em que os vi. Hoje sei que são para sempre. Todos os dias leio uma palavra de carinho vinda de algum deles e me animo para viver o dia. E só por isso vivo.
Talvez um dia eu consiga alcançar o meu objetivo único: fazer com que professores e professoras tomem para si a consciência da responsabilidade do papel que exercem cada vez que dão seus passos em direção à escola. Eu queria estar viva para ver isto acontecer. Enquanto espero, Deus ratifica meu desejo, meu pensamento, meu discurso. Porque se alguém passasse pela experiência que tenho passado nestes tempos, perceberia que vale a pena todo sacrifício quando se consegue conhecer e reconhecer, só pelo olhar.

domingo, 8 de julho de 2012

Uma viagem a Niterói


Ontem fui a Niterói, e optei por fazer a viagem de ônibus. Há um bom tempo não fazia isto.
Curto muito essa viagem. Escolhi uma poltrona onde houvesse sinal de Sol, ajeitei-me e comecei a viajar, quando o motorista deu a partida no motor...
Segui observando a natureza, os diversos tons de cores que lápis nenhum consegue imitar. Quando olhei para a mata, todos os verdes estavam lá, e não na caixa de trinta e seis cores de lápis de cor de Antônio. Eu vi o céu, também, e os tons de azul que se perdem em sua imensidão. E, deslumbrada por ser digna de um Deus maravilhoso, observei que uma gaivota acompanhou o ônibus onde eu estava por alguns instantes. Eu ri, parece que ela me olhava. Depois, muito mais livre do que eu, tomou impulso e foi-se, ao encontro, quem sabe, de um novo tom de azul...
Eu estava ainda em Araruama, e já agradecia a Deus por me reservar aquela viagem bonita, por ter olhos para enxergar as paisagens que estavam só começando...
Houve um trecho em que percebi casebres na beira das estradas. Como pode viver gente em lugares como aqueles? E vi tanta gente feliz! Vi quintais cercados de arames, e cheios de vida: crianças, cachorros, galinhas, porcos, roupas coloridas no varal. Todos sob o mesmo Sol que elegi companheiro de viagem. Todos sob o mesmo céu da gaivota. Todos sob os mesmos tons de azul. Aliás, essas casas, apesar de tão humildes, experimentavam os verdes e os azuis de Deus, porque estavam embrenhadas no meio das matas, também. Lá vi árvores frutíferas e diversas plantações. E, enquanto as crianças brincavam em plena comunhão com seus bichos, senhoras e senhores punham barracas próximas à estrada para vender aquilo que Deus lhes deu de presente. Era a junção do real objetivo da natureza com a inteligência natural do ser humano...
Umas cruzes de madeira afincadas próximo ao caminho do ônibus em que eu estava causou-me tristeza. Lembranças doloridas de alguém que se foi. Algumas traziam palavras escritas, não consegui ler. E fiquei pensando na dor que deve sentir alguém que enterra um amigo, um parente, um animal querido... Vida humilde, morte humilde. Pessoas passam por esta vida sem saber o que é tomar um ônibus para ir a Niterói, frequentar uma boa escola, trabalhar dignamente e receber um bom salário por isto. Usar o salário para ter conforto em casa, para poder enterrar um parente com dignidade...
Olhei para a natureza, outra vez. E vi montanhas me esperando... Elas estavam prontas para a passagem do ônibus, que havia deixado Saquarema... E a coisa mais linda foi ver aqueles gados pastando, aqueles filhotinhos, com suas mães zelosas. Branquinhos, amarelados, em tons de marrom... Ao fundo, a diversidade de cores que compunham as montanhas, desafiando qualquer fábrica de giz de cera...
Até que passei por aquele caminho – abençoado! – que anunciava a chegada em Maricá: os galhos das árvores que ficavam de um lado e de outro da estrada se cruzavam, se entrelaçavam quase como que se abraçando, cobrindo todo o trecho, peneirando raios de Sol, e os multiplicando pelo chão. A quantidade incontável de folhas, forro natural belíssimo, as curvas da serra, o movimento do ônibus, tudo misturado na composição da poesia que se chama vida. Portões de madeira anunciando que ali moravam pessoas sortudas de viver isto todos os dias... É a minha parte preferida da viagem. De ônibus, passo por ali exatamente depois de uma hora de partida. É marcar no relógio, e a natureza está lá, agradecendo por desfrutá-la, presente naquele túnel acolhedor que nenhum homem seria capaz de fazer igual.
Deixando Maricá e me aproximando de Santa Bárbara uma ansiedade me toma o corpo: é chegada a hora de eu ver o Novo México, bairro onde trabalhei por dois anos, numa escola municipal. Um fato curioso: sempre que passo pelos lugares onde trabalhei procuro pelas crianças (definitivamente, a memória afetiva fala mais alto do que o senso de temporalidade). Olhei o morro onde ficava a escola. O número de casas agora é bem maior! E quando o motorista parou no ponto do ônibus quis reconhecer alguém. Examinei cada rostinho. Não tendo sido reconhecida, desisti da ideia de que fosse algum aluno meu.
Durante aqueles anos paguei seguro de vida. Acontece que trabalhava na escola municipal pela manhã, e à tarde numa particular em Santa Rosa, Niterói. Portanto, ao meio-dia era comum me ver no meio da estrada, tentando atravessá-la. Eu tinha que pegar o ônibus “Baldeador” que saía ao meio-dia, senão, era atraso, na certa. O ônibus saía apinhado de gente, eu geralmente fazia o trajeto de pé, sonolenta do almoço feito às pressas e do cansaço do trabalho...Cheia de bolsas com os cadernos dos meninos, as provas para corrigir... Lembrando disto, sorri. Aconcheguei-me na poltrona do ônibus, tirei uma soneca, quase que me recompensando dos sonos de outrora...
Acordei na Alameda, no Fonseca. E tudo o que vi lá foi a lembrança deliciosa do tempo em que trabalhei numa escola particular dali. Insistente, procurei meninos e meninas, sem sucesso. A Alameda é a mesma: concreto, ônibus, carros, fumaça. Homens e mulheres apressados, vendedores ambulantes, pipas coloridas no ponto de venda. E eu enxerguei um verde implacável, resistindo à ação desgovernada do homem: plantinhas em meio às rachaduras nas calçadas e meios-fios falavam-me como um sussurro de Deus: “Nada me é impossível!”
Malabaristas mirins com seus limões dançarinos me avisaram que a viagem acabara. Espreguicei-me, olhei o céu. Ele me sorriu. Foi o mesmo com o qual iniciei a viagem. O Sol, este também, chegou junto comigo. E enquanto dava graças a Deus por ter chegado sã e salva, pude ver uma gaivota voando toda a sua liberdade... E ainda que tenha suspeitado – com esta minha cabeça sonhadora – de que fosse a mesma que vi em Araruama, agradeci ao Senhor, sobretudo, por ver todas as coisas bonitas num lugar e no outro, também.

domingo, 1 de julho de 2012

Orgulho é suicídio

(Uma casa com dois quartos, uma briga de casal. Batalha travada: Orgulho X Amor. Quem morre? Cada um, um pouquinho a cada dia.)


A casa deles tem dois quartos. Agora, cada um ocupa um.
Brigaram há quinze dias. Motivo fútil. Ao menos para mim, que estou de fora: ele chegou tarde demais do trabalho, e seus argumentos não a convenceram...
Acontece que para aquela noite ela havia preparado uma rotina diferente. Quis fazer-lhe uma surpresa... Comprou ingressos para o Teatro Municipal da Cidade, para assistirem à nova roupagem da peça que assistiram juntos quando eram namorados.
Hoje eles estão comemorando doze anos de casados.
Acontece que para aquela noite ele havia preparado uma rotina diferente. Quis fazer a ela uma surpresa... E tendo rodado quarteirões em busca do buquê mais lindo de flores que desejava encontrar, acabou por enfrentar um trânsito incomum na Rua Principal, por conta de um caminhão que tombara na pista. O vendedor de flores fechou a barraca. E ele chegou em casa com as palavras, mas sem as flores...
Não havendo mais tempo para a ida ao Teatro, ela trancou-se no quarto, chorosa. Ele foi para o outro, o que costumam usar como biblioteca. E está lá há quinze dias.
A primeira noite que passou sozinha depois de casada, ela achou estranha: muito espaço na cama, travesseiros demais, pouco sono, muito frio. E demorou a dormir. Enquanto secava as lágrimas no percal deu-se conta de que chorava à toa. Na verdade, acreditara na história contada pelo marido. Mas quis manter, orgulhosa, a postura da mulher que se julga enganada. Tinha estado com uma amiga há dias que lhe aconselhara a “abrir os olhos”...
A primeira noite de solidão dele também não foi diferente: ajeitou-se mal no sofá-cama: seus pés ficaram de fora. Tentou cobri-los, mas a manta era menor que seu tamanho. As almofadas não substituíram bem os travesseiros de costume. Leu alguns livros, assistiu à TV, pensou nela. Sentiu saudade. Ensaiou desculpar-se, novamente. Resistiu, orgulhoso (um de seus amigos falara na hora do expediente de trabalho, que com mulher o homem deve ser durão). E dormiu, na hora do seu programa preferido.
Eles nem sabem, mas estão bem de amor, mas mal de amigos.
Os dois sobreviveram após a primeira noite. E estão sobrevivendo, quinze dias depois. Seus corpos doloridos dos sonos agitados, nada relaxantes. Os corações doloridos do peso do orgulho insistente. As bocas secas, solitárias. E as duas criaturas endurecidas habitam na mesma casa sem saber por quanto tempo serão um só.
Orgulho é suicídio. Eles estão se matando e nem percebem... Todas as vezes que ela lhe vira as costas num movimento repetitivo do cotidiano da casa ele aproveita para observá-la: está cada dia mais bonita! Cortou um pouco os cabelos, o que lhe enfeitou ainda mais o rosto. E embora evite qualquer contato, é impossível não perceber o seu perfume...
Quando ele está distraído é ela quem o observa: a força dos músculos, o porte, o jeito de beber água com a porta da geladeira aberta... Ele está cada dia mais bonito! Fez a barba, e aquele tom azulado no rosto a faz suspirar. O cabelo molhado depois do banho...
Ela está triste. Ele também. Os amigos, felizes.
Observando o simultaneamente o calendário – ela num quarto, ele no outro – verificam que o distanciamento já completa o décimo sexto dia e que, justamente hoje, comemoram doze anos de casados. Sentam-se, ao mesmo tempo, pasmos, ela na beira da cama, ele no braço do sofá. Relembram a noite em que brigaram... Recordam os conselhos que ouviram dos amigos... E uma saudade sobressaltada no peito faz com que se deem conta da besteira que fizeram. Estão destruídos pelo orgulho que teimaram abrigar no coração por este tempo todo. E não querem mais saber deste sentimento que lhes esvaziou o peito.
Ele toma a iniciativa. Levanta-se, arruma-se, passa a mão no cabelo e gira a maçaneta da porta do quarto onde está, decidido a tomá-la nos braços. Nem caminha. Dá de cara com ela, do outro lado da porta, sorridente, linda! 
O amor é vida, e vence – sempre! – a batalha com o orgulho. Resta-nos permitir que lute.