Ao aluno está proibido não sê-lo: estar na escola
é obrigatório.
Aos professores está permitido não sê-lo: podem
deixar o cargo, se isto lhes traz desconforto.
Não, não quero ser inconveniente. Estou apenas
tentando salvar almas – as menores, as mais novas, as inocentes – e, com isto,
ajudar àquele que não está feliz em sua profissão a repensar a sua vida...
Quem terá sido a primeira pessoa a levantar a
defesa de que “as famílias estão muito diferentes, e os pais não educam mais
seus filhos”? Quem terá sido o inventor da frase tão exaustivamente circulada
nas redes sociais que afirma que “escola ensina, pais educam”?
E daí?
Qual é o argumento do Professor, diante do mau
resultado de sua turma? A resposta, eu mesma dou, sem pestanejar. E ela aparece
em mais de uma opção:
1) A
família não ajuda.
2) É
uma turma indisciplinada.
3) A
turma não quis nada o ano inteiro.
4) Os
alunos não têm educação.
5) Os
alunos já chegaram sem saber os conteúdos.
É tudo tão previsível, infelizmente. Aos vinte e
nove anos de magistério, nada há que me surpreenda. As frases são repetidas
incansavelmente por um e por outro Professor, enquanto os demais balançam a
cabeça, afirmativamente.
Nos corpos, o cansaço aparente: Professores chegam
às reuniões de Conselho de Classe exaustos, vencidos. Expressão de alegria no
rosto só é possível ver-se quando o assunto é férias. Trazem seus cadernos,
seus Diários de Classe, suas bolsas, pastas cheias das provas e testes dos
alunos. Há os que se submetem a corrigir aquele material durante a própria
reunião. Atrasam-se, “cantam” nomes equivocados, trocam sobrenomes, perdem-se.
Conversam entre si, ou afastam-se, procurando uma maneira de isolarem-se para
fechar as notas finais. Balançam as pernas, batem com as canetas nas mesas,
riem-se sozinhos, transpiram. O corpo fala que não quer mais aquilo. Os
Professores desobedecem, em nome de um mês que vem pela frente para descansar:
janeiro.
Muitas vezes o corpo do menino fala, também. Quer
sair dali, parar de ouvir aquilo tudo, sumir. Quer sair da escola, daquela
escola chata, daquele sermão, daqueles castigos que não acabam, daquelas cópias
de textos de livros na sala da coordenação. Mas ao menino é dada a ordem, e ela
é constitucional: “Você TEM que estar na escola”!
Muitas vezes o corpo do Professor fala. Quer sair
dali, parar de ouvir aquilo tudo, aquelas vozes, aquele arrastar de cadeiras e
mesas, aqueles toques de celular, aqueles funks. Quer sumir. Quer sair da
escola, daquela escola chata, daquele sermão da supervisora, ou da diretora. No
entanto, não há Constituição que lhe obrigue a ficar. Não há papel que lhe
diga: “Você TEM que estar na escola”! Por que estão?
Andam se arrastando pelos corredores da escola.
Blasfemam, contam os dias para a aposentadoria, apresentam atestados médicos
regularmente. Quando chegam ao extremo agridem seus alunos verbalmente e
fisicamente. Dão aulas monótonas e
descontextualizadas. Repetem as aulas quando trabalham com um mesmo ano de
escolaridade. Desprezam diferenças individuais. Escrevem mal, falam mal,
cometem verdadeiros abusos no uso da Língua Portuguesa. Não sabem se comunicar,
perdem-se entre linguagem culta e coloquial. Não convencem, definitivamente, e
acho que nem a si mesmos.
Enganam-se. E eu fico aqui pensando na
infelicidade de se viver uma vida assim: contando horas para que um sinal
toque, para que se recomece a contagem, para que se saia de uma sala de aula
para outra, de uma escola para outra, de um turno para outro, de um dia para
outro, de uma semana para outra, da vida para a morte, como se não se
percebesse que, enquanto o horror acontece, nossos dias se vão, e eles não
voltam!
Desculpem-me pelo desabafo, mas o recado vai para
quem precisa recebê-lo.
As crianças não andam recebendo a educação que seu
tataravô deu ao seu trisavô, e isto é uma verdade. Porque não atravessamos o
mesmo rio duas vezes. As crianças estão violentas na escola, estão xingando
seus colegas e Professores. As crianças estão crescendo e se tornando
adolescentes intoleráveis. E tudo isso
virou modelo pronto de argumento para defesa do Professor, junto aos Conselhos
de Classe.
As crianças e os jovens (até seus 17 anos) são
alunos por obrigação. Você é Professor por opção.
Sonhar com salários melhores só é possível se se
faz um trabalho que o justifique ao final do mês. Não consegui ainda,
infelizmente, perceber eficácia no trabalho de certo tipo de Professores depois
de aumentos salariais concedidos.
A opção pelo magistério é pessoal. Como todas as
outras profissões, deve ser por se perceber um dom, e este dom é o de ensinar.
É o dom de fazer o seu melhor trabalho, sobretudo em prol daquele aluno mais
difícil, mais carente.
Se não foram envidados todos os esforços para que
a aprendizagem acontecesse nas suas aulas, você não é um bom Professor. Se
diante do primeiro confronto com seu aluno você o excluiu do grupo, você não é
um bom Professor. Se você segue adiante com seus conteúdos, sem se preocupar em
avaliar se houve compreensão por parte da turma, você não é um bom Professor.
Se você não olha nos olhos de seu aluno quando fala com ele, você não é um bom
Professor. Se você não se alegra com as conquistas dos alunos que têm maior
dificuldade, se você não se entristece com notas baixas na turma, você não é um
bom Professor. Se você acha que o aluno está reprovado porque “a família...”,
você não é um bom Professor. Se você não ama o que faz, se você é triste, se
conta as horas para a sua própria aula chegar ao fim, você não é um bom
Professor. Se você procura motivos para retirar de si a responsabilidade por médias
baixíssimas e reprovações de alunos, você não é um bom Professor. Se você não
tem cuidados ao escrever, não corrige erros, não tenta minimizá-los, não
estuda, não se aperfeiçoa, você não é um bom Professor.
E, se é assim, você está na profissão errada.
Era isto, o que eu queria escrever. Queria lembrar
que Professores que são infelizes fazendo o que fazem, têm liberdade para
tentar outro emprego. Já os nossos meninos e meninas estão condenados a ficarem
na escola por mais de dez anos, por obrigação, sendo – cada vez mais – vítimas
daquele que escolheu no dia errado e na hora errada, a profissão errada,
também.