quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Filho teu não foge à luta

(Ontem uma faca foi cravada no meu coração. E, com ele ferido, acordei de um sonho! Escrevi este texto sangrando o amor que sinto pela cidade onde escolhi viver: minha pátria amada, Iguaba Grande! Não sei se ontem foi o fim ou o começo, só sei que Dona Aranha foi lançada ao chão, e estava fardada!)


Eu não escolhi ser professora por vocação. E, no entanto, nasci com a ingrata vocação de ser mentirosa. Mas como minha vida foi, desde sempre, guiada por Deus, Ele achou por bem trocar esses meus dois defeitos de fabricação e fez a Sua parte, o milagre: encaminhou-me para a mais nobre das profissões, e livrou-me do pecado da mentira.
Eu contei algumas, quando criança. Contei pra minha mãe que estava com febre, algumas vezes que senti falta do toque de suas mãos em mim. Era um carinho ligeiro na testa. Só o tempo de constatar que não havia febre alguma e tudo voltar à distância normal... Contei aos meus amigos de escola umas histórias irreais sobre minha casa, depois sobre minha vida: claro que, aos dez anos, eu já havia tido um namorado. Até mais que um, quando na verdade, meu primeiro beijo – naquele a quem chamei de namorado justamente por isto – experimentei aos dezesseis!
Mas uma mentira irresponsável me fez passar uma vergonha tão grande que tenho certeza – consultando meus arquivos – de que foi a última: Eu estava na sexta série e tinha uma amiga chamada Ana. Sua irmã, poucos anos mais velha, Vera, vendia Avon. E, tendo sido apresentada à revista, comprei algumas coisinhas, prometendo pagar quando a mercadoria chegasse: umas maquiagens e bijuterias...
O pouco dinheiro que papai nos dava, a mim e à minha irmã, para os gastos com a cantina da escola não foi suficiente. E quando a mercadoria chegou, eu não tive dinheiro para pagar. Aí, veio a mentira. Primeiro pra Ana: pago amanhã, e amanhã, e amanhã... Depois, para a irmã dela: vou pagar, sim; esqueci o dinheiro em casa...
Um belo dia, num fim de semana, estávamos nos aprontando para sair de casa, quando a campainha tocou.  E em poucos minutos a minha vida virava pelo avesso: Ana e sua irmã Vera, do outro lado da porta, cobrando o dinheiro ao meu pai, que as atendia. Meu Deus!
Bem, o final da história meus leitores já devem ter previsto: foi o mesmo que sentir uma faca cravada no coração ver meu pai – ainda lembro-me da cena – abrindo a carteira e contando o dinheiro para fazer o pagamento. Ralhou comigo ali mesmo, na frente delas, vergonha pela qual não quero nunca mais passar, enquanto viver. E a mentira riu de mim, com suas curtas perninhas, zombosa da minha atitude. Foi uma situação horrível, inesquecível. Todavia, foi a presença de Deus na minha vida, como que livrando-me deste mal terrível que abate tantas crianças, que é o hábito de mentir...
Liberta do pecado, tendo crescido, fui destinada, também por Deus, à profissão de professora. Sem saber o que fazer da vida quando terminei o primeiro ano básico do segundo grau, a opção foi o Curso de Formação de Professores por conta de um emprego que minha mãe me cobrara procurar desde que fiz treze anos de idade. Esta história já contei em mais de um texto daqui, não vou me alongar. Importa registrar a forma como, conduzida pelas mãos de Deus, tornei-me professora, deixando os “defeitos de fabricação” de lado e aprendendo a viver.
Aquela atitude do meu pai foi só mais uma, somada a tantas outras, que ao longo desta minha vida de quarenta e quatro anos, traçaram para mim a figura do que é ser honesto. Meu pai me ensinou a ser forte, e a não fugir da luta. Pagou a conta, sim, naquele dia, mas recebeu cada tostão de volta, depois, enquanto eu passei alguns dias sem lanchar na escola.
Alguns monstros atravessaram meu caminho. E foi preciso que passasse muito tempo para que eu descobrisse que eles estão ao meu lado, e não em cima do telhado esperando que eu dormisse lá no berço, enquanto minha mãe me cantava canções de ninar...
Hoje, às quatro horas da manhã, iluminada por esta tela fria tão minha companheira, sofro uma insônia diferente, com medo de um monstro que está a alguns quilômetros da minha casa e, provavelmente, dormindo, sem sequer pensar em mim...
O que todos poderiam chamar de “sacanagem” (com perdão pelo uso da palavra, eu não encontrei coisa melhor), eu chamo de “sol da liberdade em raios fúlgidos” que brilhou no céu da minha pátria, neste instante. Sabe aquela história de livramento de Deus? Foi o que aconteceu. Glórias e Glórias a ti, Senhor!
Ontem, no caminho para casa, eu e o pai de Antônio viemos cantando o Hino Nacional para ele. Ele gosta, fica querendo entender as palavras mais difíceis, a gente fica tentando explicar... Ontem, eu e o pai de Antônio, com o mesmo sentimento de “faca cravada no coração” – o pai do meu filho tem uma honestidade impressionante, também! – cantávamos o hino enquanto eu ia me certificando de que minha história estava lá nas letras, nas frases tão bonitas: “um sonho intenso, um raio vívido de amor à terra desce...”, “mas se ergues da justiça a clava forte, verás que um filho teu não foge à luta”, ...
Minha pátria amada é, antes de tudo, Iguaba Grande. E hoje uma megatsunami me acordou de um sonho. Agora refeita, depois de dormir poucas horas, mais pelo cansaço do dia do que por sono, vim aqui para dizer a Deus, pela internet, obrigada!
Por tudo lhe agradeço, Senhor! Pelos sonhos que sonhei, pelas coisas que fiz, pelas coisas que tentei fazer... Agradeço pelos amigos que conquistei, pelos inimigos que percebi, pelos males que enfrentei, pelas dores, pelas alegrias, pelas gargalhadas, pela festa que minha vida se tornou para algumas pessoas. Agradeço pela oportunidade, pelo aprendizado, pela experiência... E, mais feliz ainda, uma vez que me vi digna de estar onde estive por estes dias, agradeço porque o Senhor ainda olha para mim, e ainda quer me salvar. Obrigada, meu Deus!
Sou filha de Deus. E jamais estaria num lugar onde Ele não está. Pude explicar-me para o meu pai, quando da dívida. Talvez ele, tendo ouvido um emaranhado de argumentos de criança, tenha se compadecido de mim, e me perdoado, embora aquele bigode fechado – olha ele aí! – tenha me causado medo por alguns dias.
Mas o que eu falaria diante de Deus, aos quarenta e quatro anos, professora formada simplesmente porque Ele quis assim?
Só tenho a agradecer por mais esta lição de amor, de piedade. Eu vivo minha vida meio esquisita, meio atravessada, mas Ele sempre me acompanha. Obrigada, meu Deus, porque, mais do que de glórias no passado, quero viver minha vida para ter paz no meu futuro. Amo ser professora e orgulho-me de poder andar revestida de verdade.
Dona Aranha está pronta para a próxima.
Filho teu não foge à luta.
Amém!

3 comentários:

  1. Nem o fim nem o começo, mas o meio, meio de um caminho que ainda não foi trilhado, meio de uma estrada que está em construção, meio de uma escada que falta sempre outro degrau, meio de uma história que está sendo contada, meio de uma parte que, ao ser dividida, se reparte em outras partes. Meio que ainda não se uniu a outros meios, e por isso não formou o inteiro. E como não somos de meio, acredito que tudo isso seja só um meio de chegarmos ao fim.

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  2. "Um filho teu não foge à luta" Você é guerreira, esta experiência será mais uma aprendizagem, deixará saudade para muitos mas também foram trocas expressivas, que certamente lhe ajudarão nos projetos futuros. Nada é por acaso, a vitória virá! Espere com paciência...

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