sábado, 29 de setembro de 2012

Já passou

(Eu não sei se a vida está passando rápido demais, ou se aceleraram os ponteiros do meu relógio... Sei que quando procuro pelo tempo, ele já passou. E se a vida é um milagre, um presente de Deus, o que andamos fazendo com esse tempo que dá conta dela?)


Acordei com vontade de escrever sobre a vida. Viver, pra mim, significa respeitar o tempo... Entre lavar o rosto e começar este texto, um tempo passou, e esse tempo não existe mais.
Sempre que lavo o rosto pela manhã, depois de secá-lo com a toalha, confiro-lhe as mudanças. Minuciosamente estudo as rugas, a expressão, as acnes, que durante minha adolescência tanto me fizeram chorar quando apareciam soberanas nos dias de festa...
Não percebo graves diferenças. E, assim, seguimos durante anos, envelhecendo no melhor período de nossas vidas, porque envelhecemos todos os dias...
Mas basta que exercitemos uma ação para darmo-nos conta de que o tempo já passou: isto acontece quando abrimos um álbum de fotografias, ou constatamos que nossos filhos (ou sobrinhos, ou alunos, ou vizinhos) já saíram do nosso seio.
Antônio está vendo televisão, agora. Acordou maior. Eu não meço. Sei. Disse-me “bom dia!” esfregando os olhos, foi ao banheiro, voltou, ligou a TV, escolheu o canal preferido, ajeitou-se no sofá e gritou: “mãe, me traz um lanche!...”
Para mim foi ontem que a rotina era bem diferente, aqui em casa: troca de fraldas, banho, peito, carrinho para um banho de sol... Não havia palavras, só gemidos e, no entanto, a mesma comunicação. Se o tempo passou para meu menino, é sinal de que passou para mim, também, embora eu, às vezes, não queira ver os ponteiros do relógio quando me olho no espelho...
Preocupa-me estar chegando ao final essa minha passagem pela vida. Sim, é certo que muita gente dirá que aos quarenta e quatro anos ainda há muito o que viver. Mas quando olho para trás e vejo que quarenta e quatro anos já se passaram, temo pelo que foi feito até agora.
É um cálculo, lógica matemática, talvez: se há tão pouco tempo eu tinha vinte anos, em bem menos terei sessenta. E quando eu tiver meus sessenta anos, faltará menos ainda para chegar aos oitenta, porque a vida anda passando rápido demais, as pessoas andam se preocupando com coisas tão fúteis que os relógios aceleraram e pouca gente está se dando conta disto...
Não, eu não tenho mais trinta e sete anos. Porque foi com trinta e sete anos que dei à luz Antônio, e ele já está caminhando para os seus sete anos. Quem não teve filhos pode perceber o avançar de sua idade observando um sobrinho, ou um vizinho que viu nascer...
A verdade é que a bênção nos foi dada quando fomos gerados: na disputa dos espermatozóides, o milagre das mãos de Deus escolhendo-nos para sermos vitoriosos, já ao alcançarmos com bravura o óvulo! Fico aqui, louca, a imaginar o orgulho com que Deus nos concede a vida. E, um tanto sem graça, diante do que fazemos com a vida que recebemos dEle.
Hoje é sábado, e um sábado sempre nasce com esperanças boas. Há uma energia positiva em torno dele. Pessoas fazem planos para os sábados. Prometem, para si mesmas ou para outros, recomeços, mudanças de atitude... Hoje tem gente pensando no que vestir à noite, no que comer... Tem gente que vai se casar, que está pensando em como será feliz ao lado de quem ama... Tem gente fazendo prova, pensando no futuro... Tem gente trabalhando satisfeito da vida, e tem gente que, insatisfeito por trabalhar num sábado, pensa em mudar de emprego, visando a tão sonhada folga... Tem religiosos que hoje não fazem absolutamente nada, porque é sábado.
Bem, eu também tenho uma porção de coisas para fazer, porque é sábado para mim, também. Mas não conseguiria fazer nada se não viesse aqui, justamente hoje, para dizer que troquei as pilhas do relógio da cozinha e que os ponteiros estão lá, gritando que a vida está passando, que já passou.
O segredo é saber olhar o relógio. Porque se a gente ficar limitado a ouvir os toques, os minutos passam enquanto a gente os ouve. Se a gente ficar limitado a olhar as voltas que o ponteiro já deu, os minutos passam enquanto a gente os observa. Mas se a gente olhar para o relógio como ponto de partida para o que se quer fazer, ah!, ele se transforma em nosso cúmplice, nosso amigo, e nos reserva todo o tempo do mundo para vivermos bem...
Deus criou o maior dos relógios: o sol! E o astro-rei chega todos os dias em nossas janelas e nos faz o convite à vida. Importa-nos lembrar que Deus não nos convida para uma vida obscura. Se fosse assim, o sol teria um aspecto bem diferente... Deus nos convida a amar!
O tempo passa para que amemos! Não há presença de Deus em nada do que fazemos contrariando nossas vontades. Dá tempo de fazer milhões de coisas enquanto o ponteiro fica lá, mecanicamente trabalhando. Ele faz a parte dele, devemos fazer a nossa...
Enquanto eu escrevia uns parágrafos acima, Antônio entrou no quarto e cobriu-me de beijos... Eis a sua parceria na minha história de hoje. Ilustrou a mensagem que quero passar: quantos beijos é possível se dar em um minuto? Quanto tempo leva para pronunciarmos a palavra “perdão”? Quanto para pronunciarmos a palavra “perdoo”? Uma oração para aproximarmo-nos de Deus, quanto tempo leva? Uma ligação para alguém que está longe e de quem sentimos tanta saudade duraria muito? Um abraço, já foi cronometrado? E, no entanto, ações como essas ficariam guardadas em tantos corações por toda a eternidade...
Todas as vezes em que abro os olhos pela manhã e dou-me conta de que estou viva para mais um dia, agradeço a Deus. Olho pro lado, vejo Antônio, vida que ainda enxergo minha. E agradeço ao Senhor por ter-me dedicado esta responsabilidade: a de fazer com que meu filho respeite o tempo que é dele aprendendo, assim, a viver. Para ele falta muito ainda, o relógio-baú de Deus está cheio de gotinhas de tempo para derramar sobre sua cabecinha cheia de imaginação e cabelos pretos... Só espero saber ensiná-lo a aproveitar-se do tempo de maneira boa. Boa pra ele, boa para o seu próximo.
Meus minutos dedicados a esta conversa já se passaram. Espero que Deus esteja contente com o uso que fiz deles. E espero, sinceramente, ainda ter muitos, muitos outros minutos para viver, para escrever, para amar, para trabalhar, porque disto componho minha vida, é assim que respeito o milagre do meu tempo.

2 comentários:

  1. "Meus minutos dedicados a esta" leitura já se passaram.esteja certa,Karla, que foi um prazer ter usado uns poucos minutos de minha vida para deleitar-me com tão lindo texto.Eu igualmente amo a vida,e aos quase sessenta anos,também penso nos 80,para continuar ao lado de meu garoto...rsrsUm beijão e minha admiração!

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