segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Um “sim” de cinquenta anos


(Estar ao lado dos meus pais no dia em que comemoraram Bodas de Ouro inspirou-me... Verdadeiramente, é uma bênção divina testemunhar uma vida de companheirismo e cumplicidade. Cinquenta anos não são cinquenta dias!)


Eles disseram “sim”, um para o outro, há cinquenta anos.
Há cinquenta anos moram sob o mesmo teto. Eles são meus pais.
Num sábado como o de hoje, às dezoito horas, na Matriz de São Sebastião, em Niterói, uniram-se em matrimônio. Prometeram amor e fidelidade eternos, em qualquer circunstância de suas vidas...
Saíram da Igreja casados, felizes. A lua-de-mel foi em São Paulo, no Hotel Ipiranga (esquina da Avenida Ipiranga com São João). Fotos lindas, de um luxo marcante, tendo em vista a pobreza com a qual se vivia... Meus pais sempre foram elegantes, apesar das condições financeiras precárias. Quando completaram um ano de casados voltaram ao mesmo hotel, para comemorar... Coisa mais nobre!
A contagem do tempo deu-se pela vigília dos calendários (como somos tolos: ansiosos por controlarmos o tempo, aceleramos sua passagem...): as contas a pagar, os aniversários de toda a gente da família, o fim do mês, a primeira gravidez...
Katia chegou primeiro. Quarto com móveis feitos pelo meu pai, e com cortinas feitas pela minha mãe. Talvez não haja quem acredite, mas no quarto da menina que chegaria havia, nas janelas, cortinas de plástico rosa, com motivos da Disney. Lindo quarto! Simples e lindo!
Depois, folhas de calendários arrancadas, chegou a vez da segunda gravidez. A espera por um menino foi derrubada pela segunda menina, eu. Daí, o corte nas trompas e a certeza de que estava bom por ali mesmo. O medo de receber nos braços a terceira garotinha foi maior do que o de arriscar o “Carlos Henrique”...
Assim, Deus formou-nos a família abençoada. Pobres, muito pobres. Mas muito felizes. E as páginas dos calendários voaram da geladeira vermelha que sustentava o pinguim na mesma velocidade como Antônio quebra o protocolo e cresce bem na minha frente, e nem me espera permitir.
Pai e mãe. A referência nos foi garantida. Caras feias na hora das broncas, educação à base da promessa do cinto (já contei esta história), beliscões seguidos da ameaça “não chora!” quando os ensaios de pirraça aconteciam na rua. E entre uma e outra distância física, um carinho, um zelo enorme! E a preocupação em prover escola boa – e era a pública! – e acompanhar nossa vida lá dentro. Eles nos disseram quando chegamos à quarta série: “Agora vocês vão. Nós as acompanhamos até aqui. Não fizemos a quinta série, não sabemos a matéria. Agora, é com vocês”. E ingressamos no ginásio confiantes e responsabilizadas por manter o nível de excelência que tínhamos adquirido na nossa escolinha paroquial onde cursamos o primário...
Muitos meses rabiscados nos calendários sobre o buffet de fórmica cinza da cozinha. Meus pais trabalharam pesado, e conseguimos terminar o segundo grau. Neste entremeio, um pai mecânico e uma mãe que fazia frete escolar – num fusquinha 66! – conquistaram a casa própria e o segundo carro da família. Ah, e também um telefone residencial que, naquela época – e quem é dela irá recordar-se – custava caríssimo!
Os fins de semana passávamos sempre juntos. A noite dos sábados eram destinadas às voltinhas de carro. O roteiro, previsível e maravilhoso: seguir a orla das praias de Icaraí e São Francisco. E com o objetivo divertido de escolher o prédio onde se iria morar qualquer dia...  Papai esticava sempre até o prédio onde hoje está instalado o “Velho Armazém”, contava a história de como meu avô perdeu terrenos ali nos arredores por conta do vício no jogo. Olhávamos a Igrejinha de São Francisco e retornávamos. Quando passávamos por Niterói, a parada certa: saltávamos do carro e andávamos pela calçada da Mesbla para ver as vitrines e sonhar com as roupas e móveis da moda. Papai comprava churros e vínhamos embora para casa. Umas conversas sobre a alegria do passeio e... cama.
Dormimos algumas noites, o tempo foi passando, compraram uma casa maior, e num instante moravam na nossa casa quatro adultos. Eu não me lembro bem quando foi exatamente que isto aconteceu. Sei que, quando dei por mim, estava trabalhando pela manhã e à tarde e estudando à noite, na mesma época em que Katia se preparava para casar. Só ali me dei conta dos cabelos brancos deles: no meu pai, já poucos, porque poucos eram, mesmo. Na minha mãe, mechas alternadas num grisalho de parar o trânsito!
Passaram juntos o susto e o sufoco da separação da minha irmã, primeira na família, na geração dos sobrinhos deles. Uma vergonha, eles jamais negaram-se a revelar. Foi difícil, eu me lembro bem. Uma separação é difícil para todos os envolvidos. Mas estavam juntos, e foi juntos que suportaram a dor de ver uma filha sofrer.
O tempo se arrastou mais um pouco e meus pais me levaram ao altar. E foi diante deles que, anos mais tarde, eu noticiava o fim do meu casamento, também. Contei aos dois que, juntos, ouviram minhas dores e se compadeceram de mim, embora tenham sofrido tanto, também.
Mas o tempo não para e, embora o casal não estivesse preparado para ver a segunda união de sua filha, Katia casou-se novamente. E o dia mais feliz da vida da minha irmã foi compartilhado com papai e mamãe: Miguel estava a caminho! Uma gravidez tão desejada, uma notícia tão inesperadamente boa, um verdadeiro rebuliço numa casa onde já não se imaginava ver correndo uma criança. Meus pais foram testemunhas da alegria do casal.
Miguel chegou, abençoado e abençoando. E, enquanto contavam os “tempos” de Miguel, eu os apresentei Antônio, no meu exame de resultado POSITIVO... Não hesitei em sair de Iguaba em direção a São Gonçalo só para contar a novidade. E foi para o casal que contei (mas esta história também já foi contada...), num sábado à tarde, na sala de estar.
Hoje a família é completa. Tiveram duas filhas, e os meninos, Deus deixou para presenteá-los com os netos Miguel e Antônio. Obra perfeita, obviamente, inquestionável!
E, justamente por isto, hoje é dia de festa. Porque há cinquenta anos esta história começou a ser contada naquele livro dourado onde eu imagino que Deus dispõe-se a escrever as que lhe são mais especiais.
Sem o “sim” de Walter e Vanda não haveria Katia e Karla, tampouco Miguel e Antônio. Isto é bênção, e por isto devo agradecer a Deus, em todos os minutos da minha vida. O que passa disto, é julgamento, coisa de homem, de mundo, de inferno.
Quisera desejar aos meus pais outros cinquenta anos lado a lado. Isto fica a cargo de Deus. Por ora agradeço pelo dia em que decidiram viver sob o mesmo teto. Aquele dia destinou-me vida. Cinquenta vezes obrigada, Senhor!


2 comentários:

  1. Karla, compartilho o seu sentimento pois eu também participei de momentos inesquecíveis na vida dos Meus Pais. Ficaram casados por 62 anos...Um casamento maravilhoso, eram cúmplices, amigos, amantes, enfim, verdadeiramente casados...Parabéns para toda a família, um belo exemplo a ser seguido, desde que haja AMOR que é a base deste sucesso.

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    1. Sim, Amor. O Amor é a base de tudo nesta vida! Obrigada, Cleuza!!!

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