quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Ser aluno é obrigação. Ser Professor, opção.


Ao aluno está proibido não sê-lo: estar na escola é obrigatório.

Aos professores está permitido não sê-lo: podem deixar o cargo, se isto lhes traz desconforto.

Não, não quero ser inconveniente. Estou apenas tentando salvar almas – as menores, as mais novas, as inocentes – e, com isto, ajudar àquele que não está feliz em sua profissão a repensar a sua vida...

Quem terá sido a primeira pessoa a levantar a defesa de que “as famílias estão muito diferentes, e os pais não educam mais seus filhos”? Quem terá sido o inventor da frase tão exaustivamente circulada nas redes sociais que afirma que “escola ensina, pais educam”?

E daí?

Qual é o argumento do Professor, diante do mau resultado de sua turma? A resposta, eu mesma dou, sem pestanejar. E ela aparece em mais de uma opção:

1) A família não ajuda.
2) É uma turma indisciplinada.
3) A turma não quis nada o ano inteiro.
4) Os alunos não têm educação.
5) Os alunos já chegaram sem saber os conteúdos.

É tudo tão previsível, infelizmente. Aos vinte e nove anos de magistério, nada há que me surpreenda. As frases são repetidas incansavelmente por um e por outro Professor, enquanto os demais balançam a cabeça, afirmativamente.

Nos corpos, o cansaço aparente: Professores chegam às reuniões de Conselho de Classe exaustos, vencidos. Expressão de alegria no rosto só é possível ver-se quando o assunto é férias. Trazem seus cadernos, seus Diários de Classe, suas bolsas, pastas cheias das provas e testes dos alunos. Há os que se submetem a corrigir aquele material durante a própria reunião. Atrasam-se, “cantam” nomes equivocados, trocam sobrenomes, perdem-se. Conversam entre si, ou afastam-se, procurando uma maneira de isolarem-se para fechar as notas finais. Balançam as pernas, batem com as canetas nas mesas, riem-se sozinhos, transpiram. O corpo fala que não quer mais aquilo. Os Professores desobedecem, em nome de um mês que vem pela frente para descansar: janeiro.

Muitas vezes o corpo do menino fala, também. Quer sair dali, parar de ouvir aquilo tudo, sumir. Quer sair da escola, daquela escola chata, daquele sermão, daqueles castigos que não acabam, daquelas cópias de textos de livros na sala da coordenação. Mas ao menino é dada a ordem, e ela é constitucional: “Você TEM que estar na escola”!

Muitas vezes o corpo do Professor fala. Quer sair dali, parar de ouvir aquilo tudo, aquelas vozes, aquele arrastar de cadeiras e mesas, aqueles toques de celular, aqueles funks. Quer sumir. Quer sair da escola, daquela escola chata, daquele sermão da supervisora, ou da diretora. No entanto, não há Constituição que lhe obrigue a ficar. Não há papel que lhe diga: “Você TEM que estar na escola”! Por que estão?

Andam se arrastando pelos corredores da escola. Blasfemam, contam os dias para a aposentadoria, apresentam atestados médicos regularmente. Quando chegam ao extremo agridem seus alunos verbalmente e fisicamente.  Dão aulas monótonas e descontextualizadas. Repetem as aulas quando trabalham com um mesmo ano de escolaridade. Desprezam diferenças individuais. Escrevem mal, falam mal, cometem verdadeiros abusos no uso da Língua Portuguesa. Não sabem se comunicar, perdem-se entre linguagem culta e coloquial. Não convencem, definitivamente, e acho que nem a si mesmos.

Enganam-se. E eu fico aqui pensando na infelicidade de se viver uma vida assim: contando horas para que um sinal toque, para que se recomece a contagem, para que se saia de uma sala de aula para outra, de uma escola para outra, de um turno para outro, de um dia para outro, de uma semana para outra, da vida para a morte, como se não se percebesse que, enquanto o horror acontece, nossos dias se vão, e eles não voltam!

Desculpem-me pelo desabafo, mas o recado vai para quem precisa recebê-lo.

As crianças não andam recebendo a educação que seu tataravô deu ao seu trisavô, e isto é uma verdade. Porque não atravessamos o mesmo rio duas vezes. As crianças estão violentas na escola, estão xingando seus colegas e Professores. As crianças estão crescendo e se tornando adolescentes intoleráveis.  E tudo isso virou modelo pronto de argumento para defesa do Professor, junto aos Conselhos de Classe.

As crianças e os jovens (até seus 17 anos) são alunos por obrigação. Você é Professor por opção.

Sonhar com salários melhores só é possível se se faz um trabalho que o justifique ao final do mês. Não consegui ainda, infelizmente, perceber eficácia no trabalho de certo tipo de Professores depois de aumentos salariais concedidos.

A opção pelo magistério é pessoal. Como todas as outras profissões, deve ser por se perceber um dom, e este dom é o de ensinar. É o dom de fazer o seu melhor trabalho, sobretudo em prol daquele aluno mais difícil, mais carente.

Se não foram envidados todos os esforços para que a aprendizagem acontecesse nas suas aulas, você não é um bom Professor. Se diante do primeiro confronto com seu aluno você o excluiu do grupo, você não é um bom Professor. Se você segue adiante com seus conteúdos, sem se preocupar em avaliar se houve compreensão por parte da turma, você não é um bom Professor. Se você não olha nos olhos de seu aluno quando fala com ele, você não é um bom Professor. Se você não se alegra com as conquistas dos alunos que têm maior dificuldade, se você não se entristece com notas baixas na turma, você não é um bom Professor. Se você acha que o aluno está reprovado porque “a família...”, você não é um bom Professor. Se você não ama o que faz, se você é triste, se conta as horas para a sua própria aula chegar ao fim, você não é um bom Professor. Se você procura motivos para retirar de si a responsabilidade por médias baixíssimas e reprovações de alunos, você não é um bom Professor. Se você não tem cuidados ao escrever, não corrige erros, não tenta minimizá-los, não estuda, não se aperfeiçoa, você não é um bom Professor.

E, se é assim, você está na profissão errada.

Era isto, o que eu queria escrever. Queria lembrar que Professores que são infelizes fazendo o que fazem, têm liberdade para tentar outro emprego. Já os nossos meninos e meninas estão condenados a ficarem na escola por mais de dez anos, por obrigação, sendo – cada vez mais – vítimas daquele que escolheu no dia errado e na hora errada, a profissão errada, também.

8 comentários:

  1. Nossa! Amei! Diz tudo esse texto e irei usar no meu conselho de classe.temos e precisamos acabar com a inércia de alguns professores.
    parabéns! A elaboração desse texto é bem uma realidade vivida hoje.

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  2. Só entrei aqui para dizer que lhe fiz uma visita. Eu venho "lendo-lhe" a cada suspiro dado e desse, a cada vírgula, ponto linear, ponto e vírgula, a cada reticência, que, segundo o Michaelis é a " omissão daquilo que se devia ou podia dizer; silêncio voluntário(...)". Leio-lhe muito mais nas entrelinhas, pois sei que gostaria de dizer mais. Beijos!

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    1. Tanto mais, meu amigo!!!...
      Muito obrigada! Na verdade, às vezes acho que "sou" uma entrelinha... Bjs.

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  3. PERFEITO, TUDO O QUE EU JÁ DISSE À ALGUNS PROFESSORES, TUDO QUE JÁ ESCREVI EM ALGUNS TEXTOS, E MUITO MAIS QUE ESTÁ DENTRO DE MIM E EU AINDA NÃO SOLTEI. VOCÊ FALOU POR MIM, PELOS BONS PEDAGOGOS, DIRETORES E PROFESSORES. VOCÊ FALOU PELO ALUNO QUE PAGA COM UM ENSINO DE MÁ QUALIDADE, COM UMA APRENDIZAGEM SEM SABOR O PREÇO DE OUTRA PESSOA, O DO PROFESSOR QUE NÃO MERECE ESTAR NA PROFISSÃO ESCOLHIDA, SABE-SE LÁ POR QUAIS MOTIVOS, AMOR SEI QUE NÃO FOI. PARABÉNS. K ENTRE NÓS VOCÊ É 1000

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  4. AO “MESTRE COM CARINHO”

    Com a permissão da autora do blog lançarei aqui uma provocação madura. Gostaria de deixar aqui registrado a minha opinião e visão sobre os reais fatos sobre o DOCENTE brasileiro na conjuntura atual. Meu nome é Zélia Pimenta, sou Arte Educadora - musicista - e ministro aula no ensino fundamental II. Sou administradora de um grupo e o interesse por essa criação nasceu do envolvimento com um projeto MOTIVACIONAL em que o FOCO é exclusivamente o PROFESSOR. Isso, depois da percepção dos sérios problemas de saúde apresentados pela classe docente ao longo desses anos, entre elas a “Síndrome de Bornout” - esgotamento físico e mental do PROFISSIONAL - mesmo AMANDO LECIONAR.

    É fato que a JUSTIÇA com a docência brasileira, mesmo que tardia, ainda virá. É uma questão de tempo, pois a tragédia da educação já está entre nós e as consequências idem. Essa enorme dívida deverá ser ressarcida durante muitos e muitos anos pelos abusos cometidos contra a CLASSE DOCENTE no Brasil. E será. Pois, a imoralidade e a desfaçatez é o que guia assustadoramente as ações no Brasil do passado e do presente. As instituições públicas, mídias e tudo o mais, quando se trata de EDUCAÇÃO, constantemente "advogam" numa rapidez incrível em "prol dos alunos" - sem legitimidade - e sempre com uma "retórica humanista" carregada de uma "seriedade" que convence unicamente aos desinformados.

    Na verdade, isso nada mais é do que a velha e ardilosa tática para desmoralizar os PROFISSIONAIS da EDUCAÇÃO. O educador, nada mais é do que a maior vítima dessa farsa educacional brasileira, pois assiste de “camarote e de mãos atadas" a tragédia que a EDUCAÇÃO se tornou. Algo inenarrável. A reflexão é: Por que o DOCENTE tem que a mudar de profissão? “Apenas” porque ele está sendo “esmurrado” em sala de aula? “Apenas por que ele está sendo desacatado com expressões impronunciáveis em sala de aula?” É? É “só mudar de profissão”, SIMPLES ASSIM. Quanto aos alunos, o “sistema programou” e assim está determinado. No mais, o ciclo da vida precisa acontecer, queira ou não para todos, com uma educação falida, que é o caso, inclusive, o próprio DOCENTE um dia foi discente.

    Continua...

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  5. Esqueçam a remuneração INDECENTE do DOCENTE. Analisemos por outro PRISMA: você já esteve dentro de uma sala de aula de escola pública brasileira - pelo menos por seis meses - convivendo com a periculosidade e a insalubridade do ambiente de trabalho: como superlotação - 40 alunos em sala - por exemplo? Não? Então sem chances, pois fica complicado entender, opinar, debater. Sim? Então bem-vindo Mestre, pois vivestes - ‘’ou vive na “pele” - o que a maioria apenas supõe e insiste em discorrer com uma “propriedade” que assombra pelo menosprezo à inteligência alheia.

    Portanto, se é para REFLETIR e CONSCIENTIZAR: Querem mesmo SABER a estarrecedora VERDADE sobre as reais RAZÕES da TRAGÉDIA EDUCACIONAL em nosso país? Procurem se informar sobre “o Projeto Educacional do Banco Mundial para os países subdesenvolvidos” e como seus governos são coniventes com “sua cartilha”, por razões que nem carecem menções aos realmente LETRADOS. Leia com atenção e sem se “perder” em ideologias de “esquerda, direita, marxismo, neoliberalismo” e tantos outros “ismos” que fazem a maioria, propositalmente, se “desvirtuar do CERNE da questão”. Se informe e compreenda a COERÊNCIA “assustadora” sobre as CAUSAS de tudo que vivemos nesse “falido” sistema EDUCACIONAL brasileiro!

    Que seja aberta - o que denominei emblematicamente - a “Caixa de Pandora” da EDUCAÇÃO brasileira para "libertar" os EDUCADORES da culpa que a eles querem imprimir! Essa culpa não nos PERTENCE! Aliás, o PROFESSOR nada mais é do que a maior vítima dessa farsa educacional em que o país está envolto, pois ele assiste de “camarote e de mãos atadas" a tragédia que a EDUCAÇÃO se tornou e ainda com a séria eminência de imergir muito mais. Enfim! Que a mobilização do PROFESSOR não cesse jamais, pois, a CLASSE DOCENTE é a única que NÃO pode parar de PENSAR, muito menos AGIR, porque diante de tanto CAOS, somos o maior "ALVO" por sermos, ao mesmo tempo, a SOLUÇÃO.

    A propósito, sou uma excelente profissional, meus alunos aprendem, não apenas os conteúdos de ARTE, mas também a refletirem - e muito - desde a tenra idade para que não caiam nas “falácias” que os esperam e que muitos adultos estão nelas “atolados”. Enfim, meu profundo respeito pelas crianças - inocentes - que enxergo com profunda compaixão - que o AMOR que trago de berço me ensinou - advém de todo o meu conhecimento e cultura que transpassa uma simples retórica de INSATISFAÇÃO e de que o DOCENTE é o VILÃO. Quando escolhi o DOCENTE para PROTEGER, minha INTUIÇÃO NÃO falhou! Proteger o PROFESSOR é PROTEGER, tanto quanto, as nossas CRIANÇAS! Inocentes, alheios às podridões desse “desse sistema educacional hipócrita” que os cerca.

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