terça-feira, 15 de novembro de 2011

Roseléa

(Hoje na despedida a Roseléa fiquei pensando que poderia ter sido cada um de nós...)
Ela tinha a idade da gente, quarenta e poucos anos... Estava há pouco tempo preocupada em saber como ficaria sua situação na escola no ano que vem: se dobraria ou não...
Algumas pessoas conseguiram ver seu rosto hoje, bem machucado. Eu não vi, porque estive lá com Antônio. (Bem que ele insistiu!) Mas com certeza a imagem que guardaremos dela (mesmo quem a viu hoje) é um sorriso largo e bonito, o olhar meio de lado, a expressão engraçada, quase debochada. Roseléa.
Roseléa me remete à chegada em Iguaba. E foi, por um lado, bom estar hoje lá, com ela. Lá estavam também pessoas que conheci quando aqui cheguei. É pena que o tempo deste mundo nos tome tanto que mal conseguimos estar com quem realmente gostamos. Hoje, num evento tão triste, ousamos ter a felicidade (escondidinha, disfarçadinha) de reencontrar pessoas que amamos...
Este tempo que nos toma levou Roseléa de nós. Eu ouvi um homem dizendo: "a morte é covarde". E fiquei com aquilo tilintando na cabeça. A morte é covarde? A morte é covarde?
Diante deste espetáculo trágico em que você se despede de alguém que vai "ali" ao Rio de Janeiro sem saber que este alguém não vai voltar, eu tento descobrir onde está a covardia.
Todos nascemos com o tempo previsto, eu creio. Às vezes penso que talvez seja como um cronômetro de uma bomba. E o que fazemos com esses tantos dias que Deus dá pra gente?
Quanto tempo você acha que vai viver?
Roseléa devia ter muitos planos... eu tenho muitos planos... você deve ter muitos planos também. Mas não temos o prazo para alcançá-los, não sabemos.
Não acho a morte covarde. Pensar assim, pra mim, é egoísmo. Mas acho que nós que estivemos lá nos despedindo dela hoje deveríamos abraçar a missão de viver mais do que morrer. Eu vou ao RJ sempre acompanhada de Antônio. Estrada, sono, cansaço, ansiedade, pressa... faço a oração junto com ele, Deus nos leva e nos traz de volta, mas até quando? Às vezes estou a 100 km/h e aparece um indivíduo - do nada! - a 60 km/h na minha frente. Sabe que agora eu parei de reclamar? Agora eu penso: "é Deus me alertando para o velocímetro" e sigo atrás, reduzindo a marcha. Já aconteceu com você?
Eu estou meio sem inspiração, mas queria escrever e compartilhar este pensamento, e queria que fosse hoje. Não é covarde morrer. Covarde é a vida que se escolhe levar. Abrimos mão do tempo que temos para trabalhar, trabalhar, trabalhar... Roseléa preocupada com a dobra, como Madalena ficou quando a Secretaria de Educação resolveu aumentar a carga horária. Madá morreu, quem cobrou carga horária dela? Quantas pessoas iriam usufruir da ausência de Roseléa, mesmo que compensada por uma melhor condição financeira em casa? Que valor real há nessa troca, de se deixar de viver... e morrer?
Agradeço a Deus pela vida de Roseléa, pelo tempo em que ela esteve conosco. Eu convivi pouco, mas sei que nossa amizade era sincera, demos muitas gargalhadas juntas... E agradeço, principalmente, porque sei que ela está nas mãos dEle, agora.
Covardia é passar pelo mundo e não fazer por onde estar nos braços de Deus na hora da morte. Porque quando a gente nasce - e é querido - nasce na hora que Deus quer e ninguém acha covardia ou outra coisa. É uma vida que está chegando, pra viver não se sabe quanto tempo, até ir embora. Como eu digo pra Antônio: Deus entrega as pessoas pra gente depois vem buscar. 
A saudade vai ficar por toda a vida. A tristeza, Deus haverá de consolar. Vai curando corações até a gente (e os mais próximos) lembrar dela com alegria... E daí ninguém vai achar nada covarde.
Covarde é quem persegue os outros, faz questão de ninharia, serve-se do poder para humilhar... Gasta o tempo que Deus deu para aborrecer as pessoas ao invés de conquistá-las. O tempo tá previsto pra todo mundo, e a gente só se toca disto no dia que dá adeus pra alguém.
Quero ser feliz, por Roseléa. Porque podia ser cada um de nós ali, no lugar dela, hoje. E enquanto meu dia não chega, quero fazer por onde merecer o sorriso e o acalanto de Deus. Pra quem passa por essa vida e aprende a viver, a morte não é covardia, é presente de Deus.

8 comentários:

  1. Sem inspiração heim Karla? Vc me emocionou. Eu também convivi pouco com Rosilea, mas o bastante para perceber que era especial. Testemunhei isso quando estagiei na turma dela e vi o carinho com que seus alunos a tratavam.
    Não fui ao enterro lido muito mau com isso. E já estava abalada demais por outras duas mortes muito próximas no final de semana.
    Que Deus a guarde.
    Quanto a nós vamos continuar seu trabalho e tentando dar o nosso melhor a cada dia.
    Como diria nossa querida Anair:
    "Saudade sim, tristeza não".
    Nete.

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  2. Minha querida amiga! É um presente ler suas palavras, ainda que num momento difícil como este. Como sempre, esteve genial! Quero viver e quero que vivas o suficiente para ler suas crônicas em algum jornal, revista, ou quem sabe até em livros! É um verdadeiro deleite ler seustextos, sejam eles de quais assuntos forem. lembrei-me de nossas reuniões da isnpeção me que sempre iniciara ou terminara com um belo texto emocionando a todos os presentes!
    Saudades!!!

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  3. Não conheço vc, mas enfim, espero sinceramente que a família da Lea não tome conhecimento desse texto, pois para os que estão verdadeiramente sentindo sua perda, suas palavras magoam... fico triste, muito triste mesmo, de ouvir alguém falar de Deus e ao mesmo tempo se importar com o querer certo ou incerto de outrem.
    Desnecessário dizer seu estado, neste estado... algumas pessoas nem ao menos quiseram saber sua aparência ou vê-la pela última vez, para guardar apenas seu sorriso, assim como vc, então desnecessário mesmo dizer...
    Mas enfim, acho que realmente vc apenas não soube se expressar e como disse anteriormente, não conheço vc, às vezes temos boas intenções mas para passar para o "papel" realmente é difícil, é preciso ter as palavras CERTAS.

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  5. Oi Karla.
    Como você discorreu muito bem sobre a saudosa Léa.
    Nossa!!!! Emoção à flor da pele!!!
    Parabéns!!!!

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  6. Bom dia,

    Já fui católico, protestante e hoje apenas acredito em deus, sim, acredito em deus como uma forma de administração do universo mas conheço bem as doutrinas das quais frequentei e algumas outras das quais não frequento porém, leio bastante a respeito.

    O ponto é que o seu texto se contradiz. Você crê que todos nós nascemos com um tempo previsto, porém, muitos "crentes" tem medo da morte. Oras, se deus está no controle e as coisas acontecem em determinados momento porque ficar aflito? Porque pedir paz se existe um deus que administra o sistema, conhece os seus "seguidores" e tem o controle na palma da mão?

    Um exemplo interessante é a África, milhões de pessoas morrem de fome, morrem com doenças e tudo mais o que essa terra tem a oferecer, morrem pelas mãos de outros homens, pela ganância dos mesmos e mesmo assim deus está no controle. É isso mesmo?

    Acho que num momento como esse os parentes e familiares só podem lamentar a situação, a fatalidade. Para morrer basta estar vivo, o que aconteceu com ela poderia ter acontecido com qualquer um de nós! Isso se chama probabilidade.

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  7. O que é ter as palavras certas na hora da perda?
    Sugiro palavras que expressem carinho por quem partiu e esperança para quem fica. Para os que crêem na eternidade da vida que se completa no encontro com Deus, as palavras certas estarão na base de sua religião que sustentam seus ideais. Para os mais céticos, na naturalidade do ciclo vital, assim como tantas outras ideologias terão como defender suas teorias. Mas enfim, passo por aqui para manifestar, mesmo em meio a saudade, a alegria cristã que é ter a certeza na fé da ressurreição. Passo por aqui para registrar a alegria de ter participado da busca sincera pelas coisas de Deus que a Roseléa estava exercendo tão bem, com as crianças na catequese. É triste saber que ela não estará na próxima reunião para a festa que estamos preparando na Igreja. Que ao olharmos as crianças na pescaria, não a veremos com elas. Nem naquela fileira de bancos... Se ela tivesse escolha, talvez preferisse continuar aqui, com sua família, cuidando de suas filhas, exercendo seu magistério e seu ministério catequético. Mas não dominamos o tempo. Se compreendêssemos a maravilha do encontro com Deus, e pudêssemos ter a oportunidade experienciar isso para depois escolher, suponho que ficaríamos na esfera divina. A cada dia basta seu cuidado. Aos poucos o coração vai se acalmando e apesar da saudade, conseguiremos tirar lições belíssimas da dor.
    Nesse momento, peço à Deus, que cuide da dor dos que a amam e que a guarde na paz que só o Senhor pode dar.

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  8. Que bonito, a sua dor mostrou a sua verdade para ROSELEA, e o grande carinho e admiração que vc construiu para ela em sua vida. E com muita verdade vc refletiu com a dor a vida, momentos que só a dor, nos faz pensar....

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