segunda-feira, 1 de julho de 2013

Senhora Presidenta


Antes mesmo de começar a escrever já vou lhe pedir desculpas pelos erros de Português que a senhora encontrar nesta carta. Acontece que sou um velho mecânico aposentado, e não fiquei por muito tempo na escola. Na minha época, as palavras eram escritas de modo diferente, a gente colocava acento em flor (flôr) e amor (amôr). Hoje já não se usa mais isto. Foi difícil até pra eu conseguir escrever assim, aqui no computador.

Bem, eu sei que a senhora anda muito ocupada. Ora, uma Presidenta da República deve ter, mesmo, muitas coisas para fazer. Coisas bem melhores do que ler a carta de um homem como eu, que mal sei combinar as palavras, mas resolvi arriscar. Resta-me pouco tempo de vida, eu tenho visto umas estranhezas na televisão, gostaria de contar para a senhora um pedacinho da minha vida. Prometo não me alongar.

Meu sonho era ser médico. Mas a escola, com seus acentos circunflexos e tabuadas não me deixou ficar lá. As professoras, severas demais, me repetiram muito de ano (eu demorei a aprender a ler, trocava o “r” pelo “l”)! E meu pai, que tinha uma oficina de bicicletas, precisava de mais gente por lá para ajudá-lo. O Cicle do velho era uma tentação de bom, eu aprendi até a dirigir bem pequenino. Então, depois de me deixar tentar umas duas vezes na escola, papai decidiu que eu seria mesmo era “médico de carros”. Foi o que fui, até me aposentar.

Essa é uma história conhecida. Minha filha mais nova escreveu um texto uma vez, mostrou às amigas dela, depois colocou na internet, o negócio fez sucesso. Imagine, eu, fazendo sucesso, mesmo tendo sido tão reprovado na escola! Vai ver, se me tornasse médico, não seria tão famoso!...

É, minha filha adora escrever. Formei uma filha Professora, Presidenta! Que orgulho! A menina tinha dezesseis anos quando recebeu o Diploma! Isto foi em 1984 e, de lá pra cá, nunca mais largou o ofício. Tem o maior orgulho de dizer da profissão.

Eu vim até aqui, dona Presidenta, para ajudar a senhora a se lembrar da importância da profissão de PROFESSOR, porque eu acho que a senhora se esqueceu.

Eu nunca mais me esqueci de uma cena que assisti pela televisão: Era a posse de Lula, o ex-Presidente do Brasil. A primeira vez que tomou posse. Ele, no seu discurso empolgado e emocionado, falou que não havia precisado de diploma algum para chegar à Presidência. Eu fiquei pensando, caraminholando aqui...

Será que é por isso que ninguém dá valor ao Professor? Será que é porque não precisa ter estudado para sentar nessa cadeira macia de Presidente da República?

Olha, Presidenta, minha filha faz parte de uma legião de pessoas (palavra danada de bonita, esta: legião!) que estudou muito. Eu tenho na minha recordação as noites em que vi a menina ajoelhada aos pés da cama estudando para as provas, preparando aulas... Lembro bem de quando ela conseguiu o seu primeiro emprego, depois o outro e o outro... Lembro que ela resolveu fazer faculdade de Pedagogia e estudou bastante até conseguir passar para uma Universidade Federal. Mas passou, e se empenhou, e foi uma das melhores alunas da turma!

Naquela época, Presidenta, minha filha trabalhava dando aula pela manhã e à tarde, e estudava à noite. Eu a acordava às cinco horas da manhã, ela saía para trabalhar e só chegava em casa à meia-noite! Foi assim durante os quatro anos da faculdade.

Depois que se formou – outra alegria! – ela passou no concurso público e veio trabalhar numa escola municipal daqui da cidade, pertinho de casa. Foi um alívio! Mas o salário nunca dava para custear-lhe a vida, e ela prestou novo concurso, desta vez para o Estado, e passou. Voltou a trabalhar nos dois horários, mas já passava a noite em casa com a gente, graças a Deus.

Isso faz tanto tempo, Presidenta, e, no entanto, não consigo ver melhoras na vida dos Professores de hoje em dia. Contando no calendário, percebo que lá se vão vinte e nove anos que minha menina decidiu optar pela profissão mais nobre e, mesmo assim, continua tendo que trabalhar dobrado, porque senão o dinheiro não dá. E não é só o dinheiro, não. Eu a ouço reclamar das questões de segurança, de salubridade (taí outro nome bonito que aprendi com ela!)... Ela conta que na escola não tem ventilador, que os banheiros são quebrados, que tem quase quarenta alunos numa sala só! Tem dia que nem folha de papel tem, para dar prova para os meninos!

Talvez seus filhos, Presidenta, tenham estudado em escolas boas, caras, até fora do Brasil. Essas escolas pagam bem aos seus Professores, lá eles devem ter conforto, segurança... Mas, Presidenta, quem carrega o Brasil nas costas não são os seus filhos, não!

A senhora me desculpe a franqueza, mas eu sou um bom exemplo disso, um velho exemplo: se os carros importados estão por aí nas ruas, se os ônibus circulam levando toda a gente para o trabalho e para a escola, é porque os mecânicos existem. Se os pãezinhos chegam fresquinhos à sua mesa no café da manhã, é porque o padeiro existe. Se a sua casa está brilhando de limpa, é porque existem as empregadas domésticas. Se seu cachorrinho está alimentado, é porque alguém cuidou dele, e eu duvido de que tenha sido a senhora, com todo o respeito.

Todo mundo precisa de todo mundo, dona Presidenta. A coisa não é do jeito que a senhora está pensando! Já esteve na escola? Teve um PROFESSOR, então. Teve quantos, dona Presidenta? Seus filhos tiveram quantos? Quantos terão os seus netos?

Professor é uma profissão por demais importante, Presidenta! E eles estão lá nas ruas, agora, pedindo respeito! São rapazes, moças, homens e mulheres que batalharam muito para chegar às salas de aula. Gente que estudou de madrugada aos pés da cama, que passou em concurso para ter uma vida digna. Eles não querem mudar de profissão porque estão ganhando pouco, Presidenta, eles querem fazer o que gostam de fazer, que é ensinar, educar, formar os jovens que serão o futuro do nosso Brasil!

Custa tanto assim prestar atenção nisto? Quantos Presidentes e Presidentas sentarão na cadeira macia e fecharão os olhos para a profissão que forma tantos outros profissionais? Eu fui um bom mecânico, é verdade, e me orgulho muito disso. Mas teria sido um mecânico bem melhor, se a escola tivesse tido um pouco mais de paciência comigo. Hoje vejo engenheiros criando peças que quando eu era moleque já imaginava construir. Já pensou? Já pensou quantos meninos e meninas vivem por aí inventando coisas? Imagina essa garotada escolada, dona Presidenta! Imagina uns meninos desses dentro de escolas onde os Professores são valorizados, recebem salários de gente? Que baita investimento, hein? Ah, só de pensar, já me arrepio todo! Vontade de voltar ao passado e me matricular, ser aluno de minha filha, poder sonhar, fazer planos...

Hoje eu sou só um velho mecânico aposentado, senhora Presidenta. Mas não parei de sonhar. E peço a Deus que faça com que essa carta chegue às suas mãos, e que toque o seu coração profundamente. Não precisava nada disto que está acontecendo nas ruas hoje, dona Presidenta, se o povo brasileiro fosse tratado com mais respeito.

É respeito. É só isso o que essa gente quer. Quando falta respeito, Presidenta, falta tudo, vai-se embora tudo.

Muito obrigado pela sua atenção. Apesar do salário baixo (minha filha ganha quase o mesmo que eu!), a Professora aqui de casa ainda se orgulha do que faz. E faz bem feito, Presidenta, ela não mistura as coisas, não.

Na quinta-feira passada ela deu aula pela manhã e à tarde. No final do dia, pintou o rosto de verde e amarelo e foi para o Centro da Cidade. Meu coração ficou na mão, mas, a senhora quer saber? Eu senti o maior orgulho dela! (Hoje ela está com mais de quarenta anos, mas, para mim, ainda tem dezesseis.)


Fique com Deus. E me desculpe o incômodo.

2 comentários:

  1. Minha santa mãezinha (que Deus a tenha em lugar privilegiado!)dizia e deve dizer até hoje e dirá por toda a eternidade a mesma coisa 'daquele menino', que hoje já passa dos cinquenta.
    Mas, enquanto tivermos reprovados pela rigidez didático-pedagógica de professores e pela rigidez fria das paredes impermeáveis/intransponíveis das nossas escolas; enquanto os discursos e pensamentos e práticas pedagógicos continuarem a ser o engessamento do protagonismo dos nossos alunos; enquanto não se travestir de, salve-salve Paulo Freire, 'politicidade' as nossas ações profissionais e, antes disso, cidadãs; enquanto as formações acadêmicas de nossos professores não se desapegarem (cruz credo mangalô três vezes, sai de ré satanás!) dos anos 60, quando éramos regidos pelo Tecnicismo na Educação; enquanto não partirmos para a prática da formação política em toda a sua essência, que faça com que o cidadão comum entenda que o termo vandalismo não é uma palavrinha bonita criada pela "vênus prateada", pela maravilhosa e correta Tv Globo; enquanto tudo isso estiver acontecendo e a 'bola rolando' e, enquanto cultivarmos o pensamento de que não vou pro movimento '#VEMPRARUA#, pois seria SÓ mais um e não faria diferença e mais, enquanto acreditarmos que aquele(a) que aparece gritando, brigando, se manifestando, xingando (e não soubermos dimensionar até que ponto esta ação é real e não forjada para ser considerado o novo "SASSÁ MUTEMA", o salvador da pátria podre, o eleito para ser o novo prefeito, governador, presidente); enquanto acharmos que um próximo poderá ser melhor do que o que está no poder, não seremos nada! Nem cidadão/cidadã, nem professor(a), educador(a)não seremos. Enquanto não entendermos, decifrarmos que "a união das ovelhas, faz o leão se deitar com fome", não seremos ninguém!
    Belo texto (isso já está ficando redundante!).
    Beijos!!!

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    1. Triste conclusão, amigo! E isto não é um julgamento.
      Obrigada pela referência ao meu texto. Apesar de eu tê-lo escrito, tenho certeza de que meu pai - aquele insistente admirador de um duvidoso anjo chamado Getúlio Vargas - teria feito o mesmo.
      Meu pai ainda acredita no PROFESSOR, ainda acredita que a EDUCAÇÃO pode transformar a sociedade. E eu, composta pelo seu DNA, não consigo pensar de maneira diferente...
      Estava com saudades de você! Bjs.

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