(Temo que o advento da depilação masculina tenha deixado pra trás um valor da minha época de infância: O valor do fio de um bigode.)
Quando minha mãe engravidou pela segunda vez, desejava que fosse de um menino. É por isso que me chamo Karla: eu sou o Carlos Henrique que não nasceu. Minha mãe nunca me privou de conhecer essa verdade, e durante algum tempo ela doeu no meu coração de criança.
Quando minha mãe engravidou pela segunda vez, desejava que fosse de um menino. É por isso que me chamo Karla: eu sou o Carlos Henrique que não nasceu. Minha mãe nunca me privou de conhecer essa verdade, e durante algum tempo ela doeu no meu coração de criança.
Mas eu já deixei de ser criança há uns anos. E desde adolescente assumi, com o peso da lida nas costas, responsabilidades maiores do que eu. Meus pais me educaram para ser gente. E, no meu tempo – eu fui criada como se vivesse no tempo deles – ser gente significava, entre muitos outros valores, ter palavra. Meu pai sempre utilizava a expressão “fio de bigode” para referir-se às situações em que precisamos dar nossa palavra para assegurar alguma coisa. Ou então, quando queria dizer-me que um homem é suficiente para sustentar a si mesmo.
Então, eu passei a “ter bigodes”, embora estivesse longe de ser Carlos Henrique. E cresci, e tornei-me mulher, e usei por muitas vezes a garantia pura e simples do valor do fio do meu bigode para conquistar credibilidades por aí. Trabalhei desde cedo. Meu primeiro emprego depois de formada professora foi em troca do vale-transporte, em vez do salário. E eu não recebia os vales para o mês, não. Recebia o vale-transporte (aquele ticket azul e rosa, quem se lembra?) referente à volta pra casa e à ida no dia seguinte para a escola. A garantia dada à Diretora de que eu estaria lá para trabalhar com meus aluninhos era o fio do meu bigode.
Foi assim também numa época em que ainda não havia cartões de crédito na cidade. Tampouco eu tinha carteira assinada: o fio do meu bigode permitiu-me comprar apetrechos e enfeites em lojas prometendo pagar ao final do mês.
Hoje homens andam se depilando, e eu ando procurando pelos fios de bigode... Hoje vejo homens precisarem de força física, de coação, de companheiros para atingir a objetivos inescrupulosos em suas vidas. O advento da depilação masculina mexeu nos valores. Os fios depilados deixaram alguns homens sem bigodes, sem sustentação, sem caráter. E isto vem acontecendo com algumas mulheres, também.
O texto de hoje é um desabafo, porque já tomei quantidade de torsilax suficiente para a semana. E o sol lá fora anuncia que o dia promete, sem deixar de me lembrar de que Deus está comigo. Obrigada, Senhor!
Só quis dizer que sou do tempo em que bastava a palavra do meu pai para as coisas acontecerem: o pão era comprado na padaria, a carne no açougue, o jornal na banca, independentemente de haver o dinheiro para tal. Todos sabiam que papai pagaria quando pudesse.
Quis dizer que quando comecei a trabalhar, minhas experiências ficaram sob minha responsabilidade. E que só cabia a mim responder pelas minhas incompetências, a mais ninguém (o trecho ficou parecendo redundante, mas é isto mesmo!): todas as vezes em que não me senti capaz de exercer uma função fui a única a me defender. Não houve pai, mãe, ninguém intercedendo por mim.
Meu pai resolveu todos os problemas de sua vida sozinho. Magro, franzino, sem estudos, pobre, sem compromissos políticos, valia-se do orgulho que carregava visível no rosto: um bigode vasto, que lhe dava o crédito necessário para ser um homem de verdade.
A família ficou sem o Carlos Henrique. Meu pai ainda cultiva o bigode. Os pelos branquinhos de hoje não diminuem o valor do meu pai. Muito pelo contrário! São testemunhas e contam a história de um homem do qual me orgulho de ser filha. Olhando Antônio de perfil, contra a luz, já percebo com alegria uns pelinhos ensaiando o que será um bigode daqui a alguns anos. Fico feliz, aliviada.
Resta-me educar Antônio para ser gente, mesmo que em sua adolescência a moda ainda seja a depilação. Antônio precisa ser informado, desde já, que os pelos deixados no caminho não abaterão a sua dignidade de homem. Dignidade é ser inteiro, sustentar as próprias palavras e ações. Reconhecer falhas, inabilidades e corrigi-las, ao invés de sobrepujar-se com elas.
Por tudo isto, dou Graças a Deus. Pela família de onde nasci, por ter sido uma intenção de Carlos Henrique, pelas experiências profissionais – sofridas e felizes – que me permitem hoje dizer que sou competente.
Competência requer dignidade. Não há como viver, melhor diria sobreviver, sem a comunhão dessas duas virtudes. E eu continuo vivendo meus dias pedindo a Deus que me abençoe, com competência e dignidade em abundância. Porque quero dizer que sou gente, sem ter vergonha desta confissão.
Agora, tenho certeza, você entendeu minha dificuldade em estar ao lado de vocês.Bjs. Gui
ResponderExcluirAgora, tenho certeza, sei quanto é importante ter você ao lado!
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