Escola vazia é espaço sem alegria.
Fiquei pensando nessa frase, tentando inventar um
poema. Não consegui. Corri para cá, para o meu diário virtual, para a minha
Remmington-22-revestida-de-notebook. Impressionante como é automática essa
vontade que me dá de chorar quando abro o note para escrever. Ouço aquele
estalo da tampa da minha Remmington. Rapidamente, escuto o murmúrio das letras
enfileiradas: “O que será que ela tem
para hoje?”
As letras do teclado me sorriem, como me sorriam
as da Remmington. Como me sorria o alfabeto inteiro quando o diário era de
papel. Letras e teclas gostam de sua funcionalidade. Não estão ali para serem
desprezadas. Querem dançar, querem gritar, querem sorrir e chorar junto com a
gente, expressar emoções. Ficam aflitas, às vezes, e é por isso que às vezes,
também, as palavras nos faltam na hora de escrever... Letras e palavras são
emoção pura, em nada diferem de nós.
Nada vale um sofá no canto da sala, sem uso. Como
tem pouco valor a roupa que não se usa, a jóia guardada na gaveta, a lingerie
que aguarda o momento que nunca chega. Funcionalidade é tudo!
Escola vazia é espaço sem alegria.
Hoje, ter visto o pátio da escola vazio
entristeceu meu coração. Eu senti saudade. A escola onde trabalho é enorme, bem
parecida com a escola onde estudei, em São Gonçalo. Hoje a escola estava ainda
maior, porque vazia. E por uns instantes eu me permiti ter dez anos e estar na
escola outra vez...
Daí, lembrei-me de uma porção de coisas!...
Lembrei-me da camisa do uniforme, com sua manga
dobrada. Sim, apenas uma das mangas, com duas dobrinhas para cima. Era a
“simpatia” infalível para que o professor faltasse.
Lembrei-me das brincadeiras na hora séria (séria?)
no hino nacional. Das ousadias em piscar o olho para o amigo ao lado, ou olhar
para o amigo de trás, ou fazer careta para a inspetora de alunos, assim que ela
me virasse as costas.
Lembrei-me dos dias de prova e da hora da cola. Eu
recebia em minha carteira muitas provas de colegas, depois que terminava de
fazer a minha. Fazia quatro, cinco provas, temerosa de ser pega em flagrante.
Lembrei-me do único dia em que a professora de
Língua Portuguesa me colocou para fora de sala, porque eu estava conversando
com uma amiga da carteira ao lado enquanto ela explicava o dever. Aquele foi um
dia inesquecível para mim, porque passeei pelo pátio da escola toda
praticamente sozinha. Nossa, que escola grande e bonita!
Lembrei-me dos amores que senti pelos meninos, das
brincadeiras da hora do recreio, da queimada... Cheguei mesmo a ouvir o sinal
tocar! Lembrei-me da quadra – enorme! – onde fazíamos Educação Física.
Lembrei-me do quanto eu odiava Educação Física!
Lembrei-me das festinhas de fim de ano, dos
longplays, das vitrolinhas, da dança e da tão esperada “música lenta”,
oportunidade única de colar o rosto no amado e sentir o coração bater mais
forte.
E basta que eu organize o pensamento para
alinhá-lo aqui no texto e meu coração já quer apertar novamente: é que naquela
sessão nostálgica de olhar o vazio, tudo o que se transformou em saudade no meu
peito compôs o currículo oculto da escola por onde passei.
Hoje é dia de greve. Ontem foi dia de conselho de
classe. Amanhã será dia de aula e, depois de amanhã, será o dia de se aprovar
ou reprovar os alunos. Tudo tem passado tão depressa!
Adultos convivem com crianças neste cotidiano
escolar, mas se esquecem de que já foram elas. Tudo o que lembrei em minutos
diante de um pátio vazio foi do bom que vivi, e nada me levou a lembranças de
sala de aula. Sabe por quê? Porque eu me lembrei da VIDA que vivi dentro daqueles
muros, nas quatro horas e meia que passava lá dentro.
Hoje as crianças entram nas salas e encontram seus
professores a manusear o celular a cada segundo, para ver se alguns minutos se
passaram.
Existe uma VIDA dentro de cada corpo que ocupa uma
carteira, um lugar na fila para o hino nacional. Uma VIDA que não está – e faz
parte da sua época não estar – lá muito interessada em aprender os conteúdos
insignificantes que a escola MORTA insiste em ensinar.
E, no entanto, a escola segue, MORTA, nada
funcional, desprezando corpos jovens que gritam: “eu quero VIVER!”
Seguimos MORTOS toda vez que subestimamos nossos
alunos, toda vez que os rotulamos, toda vez que declaramos conhecer-lhes os
limites. Seguimos MORTOS, arrastados, sempre que desistimos de um aluno, sempre
que excluímos, sempre que, com nossas aulas MORTAS, convidamos os alunos a
deixarem a sala de aula.
Assim segue a escola, MORTA, paradoxo com os
hormônios VIVOS da infância, da juventude e da adolescência.
Meu coração está em greve, esperando a outra greve
acabar. Não há música na hora do recreio, não há garfos batendo nos pratos na
hora da refeição. Não há o uniforme, o cabelo cheio de creme, as sombras
multicoloridas aplicadas nos olhos, os óculos sem armação adornando o rosto e
revelando: “eu curto a moda, eu sou jovem,
eu sou feliz!”
Tudo o que há é um silêncio horroroso e, no meu
caso, no meu coração, uma saudade – que só aumenta! – de tudo o que vivi na
escola.
Não existe a escola de ontem e a escola de hoje.
Somos todos uma coisa só, porque somos seres humanos, porque estamos vivos, e
porque fomos crianças, também. Tivemos aulas boas e ruins, sabíamos a quem
respeitar e a quem nos era permitido desrespeitar.
Tudo o que entra VIVO na escola e sai MORTO de lá,
carrega consigo a nossa marca. E meu pedido, meu desejo, minha súplica, minha
oração, minha utopia é de que um dia sejamos agentes do contrário: de trazer à
vida a alma destinada à morte, porque creio ser fundamentalmente esta a função
da escola.
Abaixo a greve dos corações!
Nem sei o que mais dizer diante do seu texto amiga. Sempre vi na escola o único lugar em que eu tinha lugar.
ResponderExcluirE agora que tentei mudar de lugar, que passei pro lado de cá da carteira vejo a nossa escola agonizante.
Não quero falar hoje. Hoje não.
Beijos.
É comum assistirmos na TV sobre a decadência do ensino no Brasil. Fala-se em desvio de verba, salário dos proferssores, criminalidade adentrando os limites físicos das escolas. Quando realmente isso vai mudar?
ResponderExcluirNo início dos anos 80 algo foi falado sobre melhoria de qualidade das escolas e do ensino. Por questões de rivalidades políticas o projeto foi sepultado. Claro que erros haviam. Na minha casa quando os galhos de uma árvore atingem a rede elétrica, podo os galhos e não os fios. No Estado do Rio de Janeiro "cortaram a árvore e demoliram a casa".
Fico deveras entristecido com o que vem acontecendo com as escolas em São Gonçalo. Exemplo: Escola Municipal Visconde de Sepetiba na rua Vicente de Lima Cleto está em obras a anos. Fechar escola é como fechar hospital.
Saudades de ser aluno, dos meus amigos, professores. Saudades da E.M. Dr. Antonio Rodrigues Teixeira e do Colégio Cenecista Iguaba. Vivi ali, indubitavelmente, os melhores dias de minha vida. Saudades, saudades...
ResponderExcluirMinha amiga Karla a escola continua VIVA infelizmente os personagens que mudaram. Lembra das novelas antigas, eram pequenos romances, narração de aventuras, e hoje as novelas são....... violência, sexo, drogas e etc...nada de bom. É assim que hoje vejo algumas escolas, sem enredo, sem romance, sem aventuras, sem AMOR pela formação dos alunos. Mas continuo acreditando na EDUCAÇÃO e lutando pelo aluno.Beijo grande. Nícia.
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