quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Vida de Professor



Vida de Professor

Publicado em 25/07/2013 no site Educadores Online 
(Coluna Fique por Dentro "Miscelânea")

http://www.educadoresonline.com.br/


Cheguei da escola um pouco mais cedo, hoje.É engraçado como estranho minha casa em horas como essas. Uma luz diferente, raios de sol atravessando a janela, uma cor que não conheço... Preciso ficar mais tempo em casa. Preciso calcular o tempo de contribuição, para ver se já posso tentar me aposentar.

Eu sou professora. Completarei meus cinquenta anos de idade em setembro. Com mais de trinta de magistério, acho que meu destino é encerrar minha contribuição. Não sei se consigo, eu amo o que faço. E embora o cansaço me “atente”, me pedindo para parar, falta-me coragem de juntar os documentos e dar entrada no pedido de aposentadoria...

Quando iniciei, aos dezesseis anos, os alunos iam para a escola acompanhados de seus pais. Um ou outro chegava sozinho, ou transportado por vans. Depois de uns dez anos de trabalho, a frequência dos responsáveis pelos alunos foi diminuindo cada vez mais, e mais rapidamente. Hoje, com trinta e tantos anos na profissão, dos quarenta alunos que tenho, conheço os pais de seis.

Nas reuniões pedagógicas na escola, sempre que falamos sobre casos de alunos indisciplinados a polêmica surge: a ausência dos pais, a falta de acompanhamento na vida escolar de seus filhos é, na grande maioria das vezes, a vilã da história. Fico ouvindo o relato dos meus colegas, gosto de prestar maior atenção naquele mais antigo e naquela novata que acabou de chegar para trabalhar. Daí, vou tecendo minhas conclusões. Elas sempre mudam. Tenho vários casos diferentes na minha sala de aula, não poderia definir uma única causa para o comportamento dos meus meninos.

Três professores já foram agredidos por seus alunos. São agora mais comuns os relatos – os desabafos! – de colegas ofendidos por palavrões, de colegas ameaçados, de colegas furtados, e três ocorrências já foram registradas no livro preto da escola revelando agressões físicas a professores, num espaço de seis meses letivos.

Sou professora do primeiro segmento, trabalho com turmas de segundo ano de escolaridade. Nas reuniões em que estão presentes os professores do segundo segmento, a unissonância: os alunos estão vindo para a escola por pura obrigação. Não se interessam pelas aulas, e só frequentam a escola porque seus pais recebem o “Bolsa Família”. Então, fazem bagunça o tempo inteiro, não deixam os alunos mais quietos aprenderem os conteúdos simplesmente porque não deixam o professor trabalhar.

Entre uma fala e outra, entristeço. Eu tenho uma grande dúvida no meu coração, que ninguém consegue tirar: quem é o responsável, quando o aluno caminha para a escola sem o menor interesse? E enquanto eles – os professores – concordam entre si, acenando, balançando afirmativamente a cabeça diante do depoimento acalorado daquele que afirma o desânimo dos seus meninos, eu me preocupo.

Nossas escolas não convidam seus alunos a caminharem para ela com alegria. Tampouco os convidam para que permaneçam nela. Professores fazem o possível e o impossível para darem conta de uma grade curricular muito pouco discutida, porque não há equipe técnica, composta por pedagogos em número suficiente para uma verdadeira orientação àquele professor que leciona determinada disciplina, e não sabe ou não consegue lançar mão de recursos diferenciados para atingir aos alunos que não aprendem. Não há unidade entre o trabalho realizado, cada professor luta sozinho quando quer experimentar uma nova forma de ensinar. Não há integração com as famílias, as escolas não dispõem de calendários que prevejam atividades com os pais dos alunos em dias e horários em que estes possam estar presentes. As aulas são repetitivas e a escola é chata, salvo algumas exceções que ultrapassam seus próprios limites e fazem o que se pode chamar de “milagre”!

Mas, “espera aí!”, penso eu, comigo mesma. Há salas de aula convidativas, ainda. E numa grade de oito disciplinas, às vezes há frequência nas aulas de História quando não há nas de Química. É que professores do tipo “maluquinhos” andam rompendo as barreiras e levando seus alunos aos Museus, enquanto aquele outro obriga a decorar a fórmula enquanto ameaça o teste na semana que vem.

Precisamos ir às ruas e bater panelas para exigir dignidade para trabalhar. Nossa profissão forma quase todas as outras. É cada vez mais imprescindível ter-se passado pela escola para se conseguir sucesso no trabalho. Então, se a escola exclui, há controvérsias nisto.

A tarde está linda e vermelha lá fora. E olhando para este céu multicolorido, penso que está bem mais feliz agora quem tem a oportunidade de sentar-se, ainda que à beira da rua, e acompanhar o pôr do sol. Será que se algum aluno pedisse ao professor para ir lá fora, ver o entardecer...




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