Vida de Professor
Publicado em 25/07/2013 no site Educadores Online
Cheguei da escola um pouco mais cedo, hoje.É engraçado como estranho minha casa
em horas como essas. Uma luz diferente, raios de sol atravessando a janela, uma
cor que não conheço... Preciso ficar mais tempo em casa. Preciso calcular o
tempo de contribuição, para ver se já posso tentar me aposentar.
Eu
sou professora. Completarei meus cinquenta anos de idade em setembro. Com mais
de trinta de magistério, acho que meu destino é encerrar minha contribuição.
Não sei se consigo, eu amo o que faço. E embora o cansaço me “atente”, me
pedindo para parar, falta-me coragem de juntar os documentos e dar entrada no
pedido de aposentadoria...
Quando
iniciei, aos dezesseis anos, os alunos iam para a escola acompanhados de seus
pais. Um ou outro chegava sozinho, ou transportado por vans. Depois de uns dez
anos de trabalho, a frequência dos responsáveis pelos alunos foi diminuindo
cada vez mais, e mais rapidamente. Hoje, com trinta e tantos anos na profissão,
dos quarenta alunos que tenho, conheço os pais de seis.
Nas
reuniões pedagógicas na escola, sempre que falamos sobre casos de alunos
indisciplinados a polêmica surge: a ausência dos pais, a falta de
acompanhamento na vida escolar de seus filhos é, na grande maioria das vezes, a
vilã da história. Fico ouvindo o relato dos meus colegas, gosto de prestar
maior atenção naquele mais antigo e naquela novata que acabou de chegar para
trabalhar. Daí, vou tecendo minhas conclusões. Elas sempre mudam. Tenho vários
casos diferentes na minha sala de aula, não poderia definir uma única causa
para o comportamento dos meus meninos.
Três
professores já foram agredidos por seus alunos. São agora mais comuns os
relatos – os desabafos! – de colegas ofendidos por palavrões, de colegas
ameaçados, de colegas furtados, e três ocorrências já foram registradas no
livro preto da escola revelando agressões físicas a professores, num espaço de
seis meses letivos.
Sou
professora do primeiro segmento, trabalho com turmas de segundo ano de
escolaridade. Nas reuniões em que estão presentes os professores do segundo
segmento, a unissonância: os alunos estão vindo para a escola por pura
obrigação. Não se interessam pelas aulas, e só frequentam a escola porque seus
pais recebem o “Bolsa Família”. Então, fazem bagunça o tempo inteiro, não
deixam os alunos mais quietos aprenderem os conteúdos simplesmente porque não
deixam o professor trabalhar.
Entre
uma fala e outra, entristeço. Eu tenho uma grande dúvida no meu coração, que
ninguém consegue tirar: quem é o responsável, quando o aluno caminha para a
escola sem o menor interesse? E enquanto eles – os professores – concordam
entre si, acenando, balançando afirmativamente a cabeça diante do depoimento
acalorado daquele que afirma o desânimo dos seus meninos, eu me preocupo.
Nossas
escolas não convidam seus alunos a caminharem para ela com alegria. Tampouco os
convidam para que permaneçam nela. Professores fazem o possível e o impossível
para darem conta de uma grade curricular muito pouco discutida, porque não há
equipe técnica, composta por pedagogos em número suficiente para uma verdadeira
orientação àquele professor que leciona determinada disciplina, e não sabe ou
não consegue lançar mão de recursos diferenciados para atingir aos alunos que
não aprendem. Não há unidade entre o trabalho realizado, cada professor luta
sozinho quando quer experimentar uma nova forma de ensinar. Não há integração
com as famílias, as escolas não dispõem de calendários que prevejam atividades
com os pais dos alunos em dias e horários em que estes possam estar presentes.
As aulas são repetitivas e a escola é chata, salvo algumas exceções que
ultrapassam seus próprios limites e fazem o que se pode chamar de “milagre”!
Mas,
“espera aí!”, penso eu, comigo mesma. Há salas de aula convidativas, ainda. E
numa grade de oito disciplinas, às vezes há frequência nas aulas de História
quando não há nas de Química. É que professores do tipo “maluquinhos” andam
rompendo as barreiras e levando seus alunos aos Museus, enquanto aquele outro
obriga a decorar a fórmula enquanto ameaça o teste na semana que vem.
Precisamos
ir às ruas e bater panelas para exigir dignidade para trabalhar. Nossa
profissão forma quase todas as outras. É cada vez mais imprescindível ter-se
passado pela escola para se conseguir sucesso no trabalho. Então, se a escola
exclui, há controvérsias nisto.
A
tarde está linda e vermelha lá fora. E olhando para este céu multicolorido,
penso que está bem mais feliz agora quem tem a oportunidade de sentar-se, ainda
que à beira da rua, e acompanhar o pôr do sol. Será que se algum aluno pedisse
ao professor para ir lá fora, ver o entardecer...
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