Na terça-feira passada, dia 27 de agosto, eu vi uma cena na
televisão. Era a presidente Dilma falando sobre a fuga do senador boliviano
Roger Pinto para o Brasil, rejeitando a comparação feita por Eduardo Saboia
entre a situação do senador e a de vítimas do DOI-Codi, órgão de repressão da
ditadura militar.
As palavras dela foram exatamente essas: “Não há nenhuma similaridade. E eu estive no DOI-Codi. Eu sei o que é o
DOI-Codi. E asseguro a vocês: é tão distante da embaixada brasileira lá em La
Paz, como é distante o céu do inferno. Literalmente, isso.”
Daí, depois de ouvir aquilo, e ficar “matutando” por dias,
cheguei até aqui. É que por alguns momentos meus “pensamentos visuais”
enxergaram Dilma em sessões de tortura e afins, no período da ditadura militar
no Brasil. E venho há uns dias tentando entender o que passa na cabeça de uma
pessoa que sofre atrocidades por um Brasil melhor, chega à presidência da
República e transforma o país num DOI-Codi.
Ela não concordou com a comparação do Eduardo Saboia, e eu não
concordo com a dela. Vou escrever, então, o que julgo poder se comparar a céu e
inferno:
Céu é mesa farta e família se alimentando.
Inferno é fome. É solidão.
Céu é escola pública de qualidade. É perspectiva de futuro, garantida
a escolarização.
Inferno é o estado em que se encontram as escolas públicas. É a
infrequência dos alunos, a evasão.
Céu é o cidadão empregado. É trabalho com salário digno.
Inferno é o desemprego. É a escravidão.
Céu é sorrir com todos os dentes na boca.
Inferno é ter a boca desdentada.
Céu é saber ler e escrever.
Inferno é ser analfabeto.
Céu é manifestar- se politicamente.
Inferno é apanhar de policiais.
Céu é ter representantes honestos eleitos.
Inferno é ver descobertos os roubos e desmandos daqueles em quem
votamos.
Céu é justiça.
Inferno é impunidade.
Céu é alegria.
Inferno é tristeza.
Céu é viver.
Inferno é sobreviver.
Eu poderia ficar aqui por longo tempo escrevendo as comparações
que ando fazendo desde o dia em que, aparentando uma tristeza, uma revolta, uma
certa irritação, nossa presidente Dilma abriu a boca para dizer aquelas
palavras.
É superficial – e cômodo! – para uma pessoa que viveu o terror
da ditadura dizer que tudo o que não é DOI-Codi é o céu.
Hoje eu vejo jovens nas ruas por um país menos corrupto, e tudo
o que faço é rezar para que não se transformem em Dilmas e tantos outros que, à
década de sessenta, deram o sangue para chegarem hoje onde estão e virarem as
costas para o povo brasileiro, o que vive – aí, sim – num inferno verdadeiro.
Todas as vezes em que saímos de casa com o dinheiro contado para
a volta, todas as vezes em que saímos à procura de emprego sob sol quente ou
chuva pesada, todas as vezes em que ao recebermos nosso salário concluímos ser
pouco para o mês inteiro, todas as vezes em que assistimos pela TV as propostas
de aumento do salário mínimo e as comparamos com os aprovados aumentos nos
salários de senadores, ministros e presidentes, todas as vezes em que a prática
politiqueira nos avilta com atitudes irresponsáveis e criminosas, sentimos
aquela dor, aquela mesma dor que se sentia ao “pau-de-arara’.
E isto, para mim, é fato.
Barriga vazia dói, verdadeiramente. Todas as doenças causadas
por falta de saneamento básico às portas das casas doem, e levam pais e filhos,
e morrer dói. Todos os tiros, estiletadas, facadas levados no momento dos
assaltos que acontecem por falta de segurança pública nas ruas doem. Como dói
sofrer um acidente numa estrada esburacada, como dói na alma ser um
desempregado, como dói ouvir um “não” da escola pública que se procura atrás de
um tempo que se perdeu por tantas razões!...
Tudo isso dói. E é o inferno.
E era isso o que eu queria desabafar.
Minha amiga karla Pontes...que texto maravilhoso.... Infelizmente a politiqueira que nos humilham (nos profissionais dignos da educação)por atitudes que somente nos trazem dor, e transforma o País em Doi-codi como escreveu, só nos resta pedir a Deus, que após a morte me deixe pelo menos entrar no Céu pq isso aqui é realmente um Inferno!
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