terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Antônio (Parte II)


Do Nascimento à Alta da Maternidade
Foi a primeira vez que estive internada num hospital. Sem saber o que me esperava, parti feliz e ansiosa.
O pai de Antônio ficou comigo nos primeiros momentos, na sala de espera. Até que uma enfermeira – ou alguma coisa assim – me chamou. Levantei-me do sofá e caminhamos juntos até ela, que sorriu, parecendo querer dizer que somente eu entraria.  Então, ele me sorriu, parecendo querer dizer a mesma coisa. Todos rindo, eu ri também. E caminhei um pouco mais, de mãos dadas com ele. Consegui evoluir até o elevador, mas não houve jeito: “Aqui, vocês se despedem”, disse ela, num português que não me permitiu mais nenhuma outra interpretação.
Entramos, eu e ela, no elevador, após ouvir um “boa sorte!” do pai de Antônio (?). Ainda hoje me lembro dele sumindo em perspectiva, entre as portas do corredor do hospital...
Segui os passos da enfermeira sem saber para onde ela ia. Total conformidade e obediência. E fui parar numa enfermaria de quatro leitos: quatro grávidas às vésperas do parto! Arrumei minhas coisas numa mesinha que ficava perto da cama, ajeitei o lençol e deitei-me para dormir.
Eu cheguei ao hospital numa segunda-feira à noite e não me lembro de muitas coisas, porque Antônio nasceu na quarta. Mas das companheiras de quarto não me esquecerei jamais: os lamentos, os berros, o sangue nos lençóis... Não me recordo de seus rostos, mas muito bem de seus gemidos... E a cada instante era uma diferente, porque toda hora era uma a ir para a sala de parto. Coisa estranha tomar banho no mesmo banheiro... Compartilhar a pia para escovar os dentes...
Solidão, frio, medo, desespero... Os pensamentos nunca são os melhores. Não me ajudaram muito no passar das noites.
E a hora da visita? Só o pai de Antônio me visitou. Coisa mais sem jeito: “E aí, como está? Tudo bem? Já sabe quando nascerá? Hum... Já vou. Fica com Deus... Qualquer coisa me liga...
Qualquer coisa ligar pra ele? O que ele queria dizer com isto?
Até que na quarta-feira pela manhã, depois de alguns muitos cansativos e incômodos exames de toque, um senhor – que eu jamais imaginaria ser médico – chamou-me em particular e disse: “Vamos ter que interromper a gestação hoje”.
Meu Deus, que desespero! O que significava interromper a gestação? Abortar? Não, eu quero meu filho! Eu quero ter Antônio!!!... Devo confessar que desconhecia a expressão “interromper a gestação” como sinônimo de “fazer o parto”.
O médico encaminhou-me para outro quarto. Dessa vez meu leito ficava pertinho da janela. Eu sabia que minha família chegaria naquele dia e fiquei esperando na janela, literalmente. Até que vi o pai de Antônio chegar. Que alegria é ver alguém que se conhece numa situação dessas! Pela janela falei com ele: “vai ser hoje!” Ele sorriu.
Uma enfermeira veio me buscar. Já era quase meio-dia. No caminho para a sala de parto perguntei a ela como ficaria a minha visita, porque eu sabia que meus pais chegariam. Ela respondeu-me que a visita seria às quinze horas. Até hoje me lembro que perguntei a ela se daria tempo de eles me verem, ao que ela respondeu: “o parto dura menos de quinze minutos! Quando eles chegarem, você já estará com seu filho”.
Meu Deus! Eles chegariam em menos de duas horas e eu já teria parido Antônio? Decididamente, eu não tinha noção do que aconteceria dali em diante.
E lá fui, conformada e obediente, seguindo os passos da enfermeira de plantão da vez: sala de pré-parto – onde o indescritível acontece! – e sala de cirurgia, para onde caminhei com meus próprios pés, segurando com uma mão a sonda e com outra o soro. Caminho inesquecível, sem roupa, exposta, chão frio, arrepios... No caminho pensei em correr dali. Pensei seriamente. Mas percebi que não seria boa ideia, não com aquela roupa. Além disso, Antônio nasceria a qualquer momento, e eu não queria ter meu filho embaixo de uma árvore. “Ele vai ter que sair, não vai ter jeito”, era o que eu pensava no momento mais solitário da minha vida.
Até que deitei na maca, muito desajeitada. Eu, não a maca. E apesar da frieza daquele material e da sala de cirurgia, Deus olhou pra mim: uma enfermeira que transportava a maca disse-me: “Oi!” Gente, aquilo foi uma bênção pra mim. Alguém ali percebera que eu existia. Eu não era mais um corpo, uma barriga, uma bunda de fora, eu era uma PESSOA deitada na maca. Ela me disse oi e tudo pra mim foi alegria e emoção. Perguntou meu nome e disse que quando eu saísse da sala iria para um quarto “vip”. (Tratava-se de uma enfermaria de dois leitos que havia desocupado...) Ela me sorriu, passou a mão na minha cabeça. Eu nem sei o nome dela... Deus abençoe aquela mulher.
Aí foi a ráqui e o corte. Pareceu-me um risco, somente. Até porque eu não prestei muita atenção nisto. Estava preocupada com a atenção do médico, uma vez que ele e sua auxiliar só falavam sobre a venda do seu carro... Fez meu parto todo cotando o carro... Eu ouvi falar nesse assunto até durante os pontos!
O pediatra colocou Antônio perto de mim, e a emoção deste momento é inenarrável! É estranho ver um serzinho pela primeira vez – ao vivo! – e amá-lo tão profundamente. Uma apresentação formal – eu a ele, ele a mim – e tão visceral ao mesmo tempo... Lá estava ele, o meu Antônio, todo enrugado, sofrido das dores de vir ao mundo, tão pequenino, frágil, querido, amado, abençoado... Inesquecível momento, o de vê-lo pela primeira vez...
Dali pro quarto “vip” foi rápido. Quinze minutos como previu (não previu, sabia!) a enfermeira. Meus pais chegaram. O pai de Antônio também. Eles haviam assistido pelo vídeo do hospital o nascimento, olha que legal! A enfermeira nos deixou sozinhos e avisou-me que à meia-noite viria alguém para ajudar-me no banho... no MEU banho...
À meia-noite em ponto chegou ela, a enfermeira de plantão. Era a hora do banho. Desta, também, jamais esquecerei. Aparelhos nos dentes, rabo-de-cavalo, e muita simpatia. O momento do banho foi horrível pra mim. Ela me pediu que olhasse nos seus olhos fixamente para sair da cama, sem baixar a cabeça, sem olhar para os lados, para evitar tonteira. Entrei no box, abri o chuveiro e foi estranha a sensação da água sobre meu corpo, foi estranho sentir meu corpo tão diferente, sentir a cicatriz... Precisei me sentar. Ali começaram as primeiras dores.
Depois da dor do banho, a dor de amamentar. E todas as dores que eu pensava sentir porque estava no hospital, fora do meu contexto, acompanharam-me após a alta.
E a chegada em casa foi uma outra história...

6 comentários:

  1. Lindo Texto Karla!Ao lê-lo me relembro da emoção que foi quando Diego chegou na minha vida. O primeiro olhar -aquele bebê bochechudo, lindo- que me trouxe um turbilhão de sentimentos-amor, medo-insegurança- pois nascia um ser que dependia totalmente de mim.Que responsabilidade!!
    Bjs.

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    1. Obrigada, Débora! E nossa responsabilidade está só começando...

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  2. Tô pensando seriamente em mandar seu texto para o Jorge Fernando (diretor da Globo), é uma mistura de emoção e humor que prendem a nossa atenção, trabalha com as nossas emoções de forma deliciosa. Parabéns!!! (ainda diz que não sabe amar, rs rs rs)

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    1. Estou aprendendo a amar. E devo este ensinamento a ele, Antônio...

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  3. Quanta sensibilidade!!Vou para a parte III

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  4. Sim livro..e parte III ANSIOSAAAAAAAAAAAA

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