quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Antônio (Parte III)

(Nesta terceira parte - e pretendo última - conto sobre as dores que acompanharam-me até em casa e por longos dias. E sobre o paradoxo que é sentir dor e alegria por um mesmo motivo...)


Em casa, eu e ele
Com o papel da alta nas mãos deixei a maternidade com Antônio nos braços e a barriga exatamente do mesmo tamanho.
Meu pai dirigindo o carro e eu sacolejando, inocente, achando que a sensação desconfortável era por causa dos desníveis das ruas...
Cheguei em casa numa sexta-feira. Meus pais e minha irmã ficaram comigo até o domingo. Mas tiveram que ir, porque precisavam trabalhar. Eu estava recebendo minha amiga Fernanda quando entardeceu e chegou a hora de eles irem embora. Lembro da minha irmã colocando Antônio em meus braços, já choroso, e se despedindo de nós...
Eles entraram no carro e se foram. Sumiram em perspectiva na rua como o pai de Antônio no corredor do hospital.
Quatro dias. Era o tempo que eu conhecia Antônio. E aquele era o primeiro dia em que eu via uma criança de quatro dias, que eu pegava, que eu sentia o cheiro... Eu nunca antes havia trocado uma fralda, eu nunca antes havia segurado um bebê tão novinho...
Fernanda testemunhou a primeira troca de fraldas. Até então quem estava fazendo isto era minha irmã ou minha mãe. E quando Fernanda foi embora – aflita, eu bem percebi – eu olhei pra Antônio e disse a ele: “agora somos nós dois”... Sentei-me no sofá para amamentá-lo. Preparei-me, respirei fundo. Era preciso.
Meus seios racharam, os dois, apesar de eu ter feito tudo o que determinavam as revistas e a enfermeira-obstetra: sol pela manhã, bucha no banho, etc. Lá mesmo no hospital eles começaram a sangrar. Mas o médico de plantão disse que passaria, e que o próprio leite era o remédio para cicatrizar as feridas.
A hora de amamentar Antônio era um sofrimento pra mim (com o agravante de que Antônio mamava de uma em uma hora). Eu colocava o pé contra o pé da mesinha da sala e apertava com força. Era um jeito de minimizar a dor. Quando tinha visita, eu sempre pedia para alguém forçar o pé contra o meu. Ajudava, também. Mas a verdade é que muitas vezes rezei para que não chegasse ninguém, pois a hora de amamentar me constrangia: eu enrolava um paninho em Antônio, porque sempre sangrava muito e sujava ele todo. A dor não me permitia fazer cara bonita. Antônio demorava a pegar firme no peito e quando soltava, o leite espirrava por todo o canto – inclusive nas pessoas que estavam por perto, se houvessem.
Uma hora é pouco tempo pro peito parar de sangrar. Antônio ficava quarenta e cinco minutos mamando. E eu tinha que alternar os seios, que enchiam incessantemente. Resultado: cada vez que eu começava a parar de sentir dor num seio, chegava a hora de dar o outro a ele. Meus seios ficaram pretos e em carne viva. E isso durou bastante tempo. Tem gente que diz que a dor a gente esquece. Esta jamais esquecerei. E é impressionante como o lado de mãe falava tão mais alto que não passou pela minha cabeça em nenhum momento deixar de amamentar Antônio. Nem mesmo de espaçar as mamadas. Ele choramingava e lá estava eu, a respirar fundo e abrir os botões da roupa...
Eu levava Antônio para o banho de sol e chegava em casa sempre no horário do programa da Ana Maria Braga. E assistia ao programa inteiro com Antônio mamando... O lugar do sofá já era diferente dos demais. E fiz até uma poesia, usando as letras do seu nome:
A vida preparou-me uma surpresa
Nada mais tem importância pra mim
Tá tudo revirado, e tudo uma beleza
O dia nasce e vai embora deste jeito, assim:
Na poltrona da sala com ele nos meus braços
Inexplicável milagre merecido sem certeza
O meu filho – tão amado! – companheiro, enfim!
Com sete dias fui ao posto retirar os pontos da cesárea. E deitar de barriga pra cima – aquela que continuava do mesmo tamanho – foi incômodo pra mim. Sentir a enfermeira retirar ponto por ponto, pacientemente, com a tesourinha causou-me nervoso. Ela percebeu que eu não estava bem e resolveu deixar metade dos pontos para depois. Ufa! Que alívio!
Alívio, que nada!
Dias depois, escolhendo feijão, senti a cadeira molhada. Quando levantei estranhei a almofada encharcada. De onde viera aquela água? Da minha barriga, da minha cicatriz agora totalmente inflamada!!! Pronto Socorro, atendimento médico, sala de expurgo, constrangimento, e muitas cartelas de Cefalexina para tomar.
Alívio, que nada!
Nenhum remédio faz muito efeito quando se está numa situação de estresse. Que dizer da hora do banho? Quarenta dias de “resguardo”, sem poder fazer movimentos do tipo abaixar-se e sem poder pegar peso. E tive que sobreviver à hora do banho. Nunca tantos sabonetes no chão! Precavida, deixava uns quatro ao alcance. Pois os quatro caíam. Até que aprendi a pegá-los. Eis a dica: arrastá-los com o pé até a parede e ir levantando o pé, dobrando o joelho vagarosa e equilibradamente, arrastando-o na parede até o alcance das mãos. Pronto! Não havia mais problema.
Todo o romantismo de se ter um bebê, aquelas cenas maravilhosas com edição de imagem quase em marca d’água que aparecem nos meios de comunicação são ilusórias. Não há florestas, nem pássaros cantando, nem flores enfeitando as cordas dos balanços onde se sentam as mães para sorrirem para os seus filhos que mamam. Desconheço este lado da história.
Com o tempo, eu e Antônio (mais ele do que eu) fomos descobrindo um jeito de doer menos, as feridas foram cicatrizando, fui reconhecendo aquilo que um dia chamara de seios. Foi quando Antônio começou com o refluxo.
Todo o leite era posto pra fora com a mesma intensidade com que ingeria. Antônio mamava e vomitava. Terminava a mamada, eu colocava ele nos ombros, e era certo: o leite disparava longe, depois de cobrir a mim e a ele. Nesta época, a maior das dificuldades: onde colocar Antônio para poder limpar tudo? Antônio sujo, eu suja, o chão e as paredes sujos... E à noite, quando sujava o berço? Deus, até hoje não sei como conseguia pôr água para ferver, encher a banheira, limpar tudo e dar banho em Antônio. Até hoje sinto o cheiro azedo nos meus ombros, nos meus cabelos, quase na minha alma...
No desespero liguei para o médico, que aconselhou-me deixar Antônio nos ombros (naquela posição tradicional para o “arrotinho”) por quarenta e cinco minutos após cada mamada. Depois de experimentar, vi que não seria possível. Pela matemática: “Antônio mama de uma em uma hora. Se eu ficar com ele quarenta e cinco minutos nos ombros, só me restarão quinze para pô-lo no berço e ele dormir até... a hora seguinte!” Ou seja, nem eu nem ele dormiríamos mais... Liguei novamente para o médico e expliquei-lhe a sentença matemática. Ele me respondeu: “É assim mesmo, mãezinha...”
O tempo passou e Antônio continuou com o refluxo mesmo depois de passar para a comidinha. Seu pediatra (outro, logicamente, porque por aquele eu nunca mais procurei) recomendou-me preparar dois pratos na hora das refeições. E era o que eu fazia: dava a comida a Antônio (com todas as brincadeirinhas de aviãozinho etc.) e esperava ele vomitar. Daí, lançava mão do segundo prato e começava tudo de novo...
Tudo de novo... Fiz tudo de novo muitas vezes. Faço muito tudo de novo ainda. Quase seis anos depois estamos aprendendo, eu e ele. Há quem tenha se assustado tendo lido as primeiras partes deste “diário de memórias”. Há quem tenha se solidarizado comigo. Pra todo tipo de gente, deixo a certeza de que olho pra Antônio todos os dias e agradeço a Deus pelo presente que é a vida dele na minha. Agradeço por ter sido eu a pessoa escolhida por Ele para dar luz a meu filho. E é só isso o que pretendo nesta vida: iluminar o mundo dele com meus sorrisos, minhas brincadeiras, minhas broncas, e meu amor incondicional! E enquanto for preciso farei tudo de novo, infinitas vezes. Porque me sinto abençoada por Deus cada vez que abro os olhos pela manhã e ouço Antônio me dizer “bom dia!

3 comentários:

  1. Lindo, nesse eu chorei (ri também) e lembrei de todas as mães que viveram os desesperos que você viveu. Quando você fecha seu texto e diz que "é só isso que você pretende:iluminar o mundo dele com sorrisos" você já contemploou a lei do retorno, Antonio chegou para iluminar a sua vida com seus sorrisos, suas dificuldades, sua vontade de descobrir o mundo, de descobrir o que é ECONOMIZAR (lembra?). Você não ensinou isso a ele mesmo, você sempre esbanjou amor na vida dele. Bjs

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    1. Espero, então, estar no caminho certo. O tempo nos dirá.
      Bjs.

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  2. Está no caminho certo,minha querida!!São nossas bençãos a nos ensinar do amor incondicional!!Amei!!

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