sábado, 21 de janeiro de 2012

Provar o amor

(De que precisamos para conhecer o amor? Será preciso alguma coisa?)


Eu não fui criada ouvindo muitos “eu te amo”. Meus pais nunca foram de muitos carinhos. Lembro que algumas vezes escrevia a frase “Ninguém gosta de mim” nuns papeizinhos e jogava na sala enquanto a família assistia à TV. Numa dessas vezes meu pai veio ao quarto perguntar-me o porquê daquilo... Não me recordo do restante da conversa. Talvez tenha me dito que eles me amavam, sim, e que era hora de eu catar a lixarada do chão.
Abraços, beijos, toques, jamais. Qualquer proximidade era reprimida, quase como se fosse falta de respeito. Mas eu era esperta, e sempre que podia inventava uma “sensação de febre”: pronto, lá estava minha mãe a pôr a mão em minha testa. Curioso, depois de repetir a artimanha mais de uma vez, ela percebeu que o intuito era outro que não tomar o antitérmico. Mas, mesmo assim, manteve-se – sempre – afastada.
Tendo vivido assim, procurando por motivos que os fizessem chegar mais perto ou dizer que me amavam, cresci. E quando a adolescência chegou bagunçando tudo o que em mim havia de arrumado no que eu julgava ser sentimento, não me saí muito bem.
Eu me apaixonei por cada sorriso que encontrei pelo caminho, por cada palavra de amor que ouvi. Primeiro, as músicas. E não foram as minhas contemporâneas, não. Foram as de outrora, muito outrora: Orlando Silva, Dolores Duran, Elizete Cardoso (quem canta o amor melhor do que ela?), Antônio Maria, Nelson Gonçalves, e tantos cantores e cantoras de rádio que contavam pra mim que o amor existia de verdade, e que era possível transformá-lo em ações...
Depois, os meninos da escola, e do meu caminho. Os meninos da escola que escreviam bilhetinhos ou que apenas diziam para as minhas amigas que eu era bonitinha... Os do meu caminho, que tinham frases a dizer-me quando eu, estrategicamente, passava.
Comecei a trabalhar com quinze anos. Há alguns anos atrás quinze anos era pouca idade pra começar a namorar. Eu nunca namorei. Obedeci aos meus pais (Eu lembro que quando estava na sétima série um colega de classe pediu-me em namoro. Perguntei em casa se podia. Minha mãe disse que não. E eu disse não a ele. Funcionava assim, lá em casa. Funcionava assim, comigo).
Minha carência nunca foi a de ter namorados, mas sempre de sentir-me amada. Na época em que comecei a trabalhar, o percurso de casa ao trabalho era permeado por palavrinhas “de amor”. E tudo o que eu ouvia era o amor que eu supunha ser dito, todos os rapazes estavam apaixonados por mim. Minha inexperiência fez-me entender errado o que era amor.
Aí, foi minha vez de me apaixonar. E – imagine! – fiz tudo errado: sempre pelas pessoas erradas (logicamente, as que tinham as melhores frases...), sempre sofrendo demais, sempre me equivocando nas atitudes, me atrapalhando nos sentimentos. Eu tenho tristes histórias de amor – do meu amor – pra contar...
Talvez minha amiga Mariza Brum me diga que isto é meio óbvio: carente desde a infância... Não seria de se esperar coisa diferente. Eu, nada relutante, concordo com Mariza (até porque acho que meus pais não lerão este texto).
Findadas as procuras – uma vez que mal sucedidas – pelas físicas provas de amor, restou-me aos quarenta e três anos abraçar e beijar, incansavelmente, meu filho Antônio. E dizer a ele infinitas vezes que o amo, amo, amo, amo, enquanto rezo para que quando chegar a hora de ele escrever os bilhetinhos na escola ou de recebê-los saiba diferenciar o que é falso do que é verdadeiro.
O amor dos meus pais é verdadeiro, eu sei. Está retratado na preocupação que ainda hoje têm comigo, nos Natais que passamos juntos (quarenta e três Natais!), na certeza de se ter a quem recorrer no caso de qualquer necessidade. E eu estou conseguindo, muito lentamente, até por conta da distância que hoje me separa deles, uns abraços quando vou visitá-los.
Bom começo! Mas, sinceramente, olhando pra trás e vendo o rastro desordenado dos amores que vivi, temo por não ter sido este um começo tardio demais.

8 comentários:

  1. Lendo este texto tenho a impressão de estar frente ao espelho.A dificuldade que meus pais sempre tiveram em expressar o amor incondicional, que sei, sentem por mim, e que eu gostaria, não de saber, mas de ver materializado em gestos de carinho e afeto. Lindo texto. Amei.

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    1. Obrigada, Botão de Flor! Fico feliz por tê-la emocionado. Tratemos, pois, de materializar com carinho e afeto o amor que sentimos. Experiência a começar, inclusive, com nossos pais...

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  2. Nossa obrigada pela referência, vou aproveitar pra te dizer um pouco mais: o amor é doado de várias formas, as pessoas são diferentes e não são treinadas pra isso, seus pais, com certeza amam você e sempre a amaram. Quem sabe se tivessem um blog poderiam estar compartilhando das dúvidas e medos de se expor através desse amor. O grande barato é você hoje, mulher, madura e consciente estar dividindo e até expondo isso de forma tão bonita e delicada. Dizendo como está dando a volta por cima, sem divãs de analistas ou ansiolíticos que te façam dormir e deixar a vida passar através dos seus fantasmas. Você está vivendo, cada minuto da sua vida com muito competência no que diz respeito a amar. E se pensarmos bem, acredito que muitas de nós vivemos nossas histórias de amor também de forma confusa. Afinal quem não cantou "atrás da porta" de Elis Regina??!! (Ih! acho que encontrei um tema para um novo texto, pega esse, rs rs rs) Quero te dizer que EU TE AMO!!!! Bjs

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    1. Eu amo você também, Mariza. Até isto agora me é mais fácil dizer... Obrigada pela parceria!

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  3. Quando menciona "Minha carência nunca foi a de ter namorados, mas sempre de sentir-me amada", faz-me recordar do meu primeiro namorado. Primeiro mesmo. Minhas colegas de escola viviam me cobrando, porque eu não ficava com fulano ou ciclano? E o trecho que destaquei do seu texto, revela como eu me sentia à época. E foi assim, que "tardiamente" para aquele tempo, tive meu primeiro namorado. Bem mais tarde que minhas colegas de escola. Já estava para fazer 18 anos. E daí? Eu não queria listar namorados, eu queria era ser amada!

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    1. Que será cedo ou tarde, não é, amiga? Melhor falar em boas escolhas...

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  4. Sua história, nossa história.
    Lembro como se fosse hoje o primeiro abraço que dei no meu pai. Tinha uns dezesseis anos e o abracei pedindo para que trouxesse de volta para casa meu irmão mais velho que tinha saido de casa, provavelmente por não conseguir entender a forma de amar do meu pai. Sei que ele me amava, mas demonstrar com gestos era difícil. Nossos pais, foram criados assim fazendo uma imensa confusão entre respeito e demonstrações de amor . Como diz nosso poeta Dijavan "sabe lá o que é não ter e ter que ter pra dar". Eu mesma precisei chegar onde vc está agora e aprender com as minhas filhas a demonstrar através de gestos e palavras o imenso amor que sinto.
    Em compensação hoje eu consigo expressar tanto meu amor e admiração quanto outros sentimentos menos nobres quase com a mesma intensidade.
    Vou te contar um segredo. Quando vc for avó, vai descobrir que seu amor incondicional pelo Antônio é "fichinha". Bjs.

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    1. Que belo testemunho, Nete! Obrigada por partilhar aqui. O espaço é isto: mais de vocês do que meu.
      Confirmarei o segredo quando for avó... daqui a alguns anos...
      Bjs.

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