domingo, 10 de junho de 2012

Olhos nos olhos

(Mais um pouquinho das minhas histórias de amor com Antônio... Ando tentando ensiná-lo a assumir as suas atitudes, de frente. Olhos nos olhos.)


Sempre foi este o nosso primeiro contato. Mesmo durante as noites escuras em que eu levantava sobressaltada para observá-lo no berço, foi sempre através da troca de olhares que nos comunicávamos. Eu procurava por aqueles olhinhos de jabuticaba para saber se estava acordado. E, constatando que estavam abertos, restava-me descobrir o motivo – fome, fralda cheia, frio, calor, medo, saudades de mim (essa parte eu gostava muito!) – e resolver o problema.
Nossos olhares acostumaram-se rapidamente – ou geneticamente – um com o outro. Sentado no carrinho, tomando banho de sol enquanto eu lhe preparava alguma refeição, era pelo olhar que dizia que me amava. E olhando pra ele eu retribuía a confissão. Dali surgiam uns ensaios de sorrisos, meu e dele. Sem palavras. Elas estavam todas ali, no espaço entre os seus olhinhos e os meus.
Antônio foi crescendo e, a natureza foi lhe definindo o olhar: aguçado, impressionante, atento, expressivo. Eu, no papel de mãe, orgulhosa de sua beleza, agradecendo a Deus pelo brilho dos seus olhos, desde que ouvi do seu pediatra que isto era sinal de saúde. Amém!
Nas fotos, seus olhos sempre dizem alguma coisa. Uma alegria inerente à infância, uma insatisfação por minha insistência...
Quando nos falamos, é olhando um nos olhos do outro. O combinado é este, aqui em casa. Na hora das palavras de afeto, olhos nos olhos. Na hora da bronca, também. Ninguém desvia o olhar. Tenho tentado ensinar a Antônio que um homem deve sempre assumir o que faz. E quando a gente assume o que faz – esteja certo ou errado – faz isto encarando a situação frente a frente. E por muitas vezes aqui em casa a expressão “olha pra mim enquanto falo com você” é dita.
Estabelecido este vínculo, Antônio e eu nos comunicamos pelo olhar. Quando acordo está me olhando, já, há algum tempo. Pisca. Sorri. Me diz “bom dia” e o dia começa. Só aí, começa. Meu dia sabe que, pra começar, preciso do sorriso dos olhos de Antônio...
Fora de casa ensaio os limites olhando pra ele, também. Antônio já entende o meu “não pode”. Nada preciso dizer. Ele já ouve meus olhos. Quando a situação é engraçada, basta que nos olhemos, para a gargalhada sair: acontece demais quando estamos juntos eu, ele e o seu pai. Rimos muito das expressões estressadas do pai dele. Trocamos pensamentos... Este é o nosso segredo, o pai dele nem sabe! E, às vezes, fica perguntando: “por que é que vocês estão se olhando, hein?”. Nada dizemos. E voltamos a rir, até chorar.
Treinei por três anos manter Antônio no berço. Por nenhum dia permiti que dormisse na minha cama. Levantei milhões de vezes – ele acordava de hora em hora para mamar! – e por nenhuma delas decidi deixá-lo ao meu lado. Tudo por medo de que se acostumasse a dormir comigo. Errei.
Hoje eu é que durmo com ele. Não me importa que esteja cometendo o equívoco. Resolvo isto depois. Mas não largo nada deste mundo para acordar pela manhã sem ver aqueles olhinhos escuros quase grudados nos meus. Estamos ligados, não há mais jeito. Nossa troca de olhares tem peso, o peso do amor que sentimos um pelo outro.
Hoje Antônio despede-se de mim no portão da escola, mas, mesmo que me exija ficar a uns metros de distância, ele o faz olhando-me nos olhos.
Enquanto ouço a queixa da Professora de Espanhol sobre seu comportamento “ruim” durante a aula, vejo um menino enrubescido, envergonhado, mas olhando-me profundamente nos olhos, assumindo a verdade dos fatos. Nada preciso dizer. Sabe que errou. Desculpa-se, ainda que eu não abra a boca para dizer uma só palavra.
Assim seguimos, eu e ele, travando esta luta diária, difícil, que é educar. Ele me entende, na maioria das vezes. Eu procuro desarmar-me do adulto que há em mim para entendê-lo, sempre que possível. Importa é que seguimos juntos, olhos nos olhos.
Tenho um homem de verdade, aqui em casa. Homem, no sentido mais íntegro da palavra. Porque aquele que fala sem olhar nos olhos do outro pra mim, não é homem. Aprendeu a esquivar-se, a corromper-se. Isto, eu não tenho aqui. Tenho, sim, um menino lindo que, enquanto cresce, experimenta o adulto que será. E eu, de posse da força que as palavras proferidas por uma mãe têm, rogo a Deus que encare a vida com seus olhos inteligentes, sempre de frente. E que eles estejam lá, jabuticabas ávidas, por muitas e muitas manhãs ainda, ao meu lado da cama, a desejar-me bom dia.

5 comentários:

  1. Bom dia!!! Texto lindo! Também ensino meus filhos a olhar nos olhos enquanto fala. O olhar diz tudo.
    Beijos,
    Ana Cláudia

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  2. Obrigada, Ana Cláudia! Fico feliz de que tenha gostado. Bjs.

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  3. Respostas
    1. Você conseguiu, minha linda!!!! Que saudade!!! Continue por aqui, vc é o meu termômetro!
      Bjs.

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  4. Amei!!!O meu Marcello também aprendeu que olhos nos olhos é fundamental em qualquer relação.
    Parabéns, chorei e ri com esse texto.Muito bom!!

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