quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Primeiro amor

(O texto de hoje é, neste momento, o meu preferido: Antônio está apaixonado, e descobriu que seu amor é correspondido! Há alguma coisa mais importante do que isto? Quem se arrisca a contestar?)

Ele já havia mandado algumas indiretas, em conversas no carro, na saída da escola. Mas eu não havia percebido...
Ontem, na hora em que fui buscá-lo, pela porta da sala de aula olhei a cena mais bonita da minha vida. Cenas podem ser, sim, as mais bonitas da nossa vida, porque cenas são pontuais: a vida passa, as coisas são substituídas em sua importância. Assim, a vida segue. E aquela cena de ontem foi, verdadeiramente, para mim, a mais bonita, até que a próxima aconteça: Antônio sentado, copiando o dever do quadro. Mão esquerda na testa, meio que apoiando a cabeça, um olho no quadro, outro nela, na Eduarda.
Antônio estava atrasado, coisa que há muito tempo não acontecia com ele. Essa fase passou, graças a Deus. Fases passam, graças a Deus! Mas ontem ele estava atrasado por uma justa causa: uma menina linda, com cabelos pretos, franjinha, e um arco vermelho com um laço aveludado, tirava todas as atenções do meu menino. E eu vi o amor. Aquele do qual mal nos lembramos quando chegamos aos quarenta e quatro anos...
A professora avisou-me do seu atraso. Nada fiz. Sorri. Eu e Antônio nos falamos pelo olhar, em certas horas não são necessárias palavras. Ela estava tão próxima dele, como seria possível ele dar conta de um dever no quadro com aquele doce de menina ao seu lado?
Sentei-me na mureta da escola e o esperei. E, tentando lembrar-me dos meus amores da infância, só consegui visualizar Renato, menino pelo qual me apaixonei quando estava na quarta série, mas que ninguém soube, porque ele tinha enormes orelhas de abano e, eu, vergonha de declarar...
Antônio segurava com as mãos o cabelo, que está crescido. O movimento de ir e vir caderno/quadro e, no meio do percurso, a olhadinha para Eduarda. O sorriso, quando eu lhe disse “estou aqui” e ele me respondeu “já vi”... O sorriso dele me apontou a menina. Estava lá, a escolhida para ter todo o amor do meu filho!
Dias atrás conversou com o pai: queria comprar uma caixa de bombons e uma rosa para dar à menina. Depois, foi comigo o desabafo: que ela chegara há pouco na escola. Que era linda, linda! E que estava namorando com ela. Quando eu perguntei se ela também estava namorando com ele, respondeu-me “não sei”, elevando os ombros numa atitude própria da inocência que eu queria tanto – embora isto seja um absurdo! – que meu filho não perdesse...
Pediu-me para ir com uma roupa diferente numa tarde dessas, quando lhe punha o uniforme... Estava me dando sinais e eu, pateta, não percebi.
Mas ontem, aquela cena... Ah, aquela cena! Deus a conserve em minha memória afetiva enquanto eu viver, não quero esquecer o que vi. Um corado diferente nas bochechas, um sorriso “entregador”... E o orgulho veio depois, a prova de que faço o certo com ele, embora eu – e todas as mães que existem, creio! – ache sempre que estou errada nas minhas ações de educadora: segurou firme minhas mãos quando deixou a sala e me disse que precisávamos conversar...
Eu já sabia e, enquanto nos aproximávamos do carro, já agradecia a Deus a bênção que Antônio é, para mim. Agradecia por estar vivendo aquilo, aqueles instantes tão importantes na vida que já é dele. Entrou no carro, ajeitou a mochila, aproximou-se de mim e disse-me: “Mãe, Eduarda gosta de mim, também. Ela quer ser minha namorada.”
“Como assim?”, eu lhe perguntei, improvisando uma expressão de alegria, surpresa, dúvida... E, ligando o carro, vim para casa escutando sua história: ele falou para Eduarda que todos os meninos da sala estavam gostando dela – inclusive ele! (corajoso, esse meu menino...) – e ela lhe confessou que é dele o seu coração. Simples assim, como se diz na linguagem virtual. Agora, resta ao pai (promessa feita) comprar, na ordem imutável, uma caixa de bombons, uma rosa e uma boneca Barbie sereia...
Coisa mais linda! O bom disso tudo não é ver um filho que nasceu ontem completar seis anos e revelar o homem que será. O bom é saber que todas as orações que fiz a Deus foram ouvidas e, no Seu tempo, vão sendo atendidas... Quando me lembro de Antônio no meu ombro, vomitando, vomitando, vomitando o leite que acabara de receber do meu peito, quando lembro que a orientação do médico era a de ficar com ele no ombro por quarenta e cinco minutos, quando me lembro do cansaço que sentia... As coisas pareciam que não iam avançar, muitas vezes chorei tanto minha solidão com ele, sofri tanto e, no entanto, era possível que me esquecesse de tudo, bastava que Antônio lançasse um sorriso pra mim. Uma boca banguela aberta, cheia de vida, e pronto: passava todo tipo de dor.
Ontem, quando chegamos em casa, ele me disse que era o dia mais feliz da sua vida, por conta de descobrir que seu amor por Eduarda é correspondido. Não fez o dever de casa, e eu nem insisti, percebendo a sua ansiedade! Optou por fazer o desenho, a carta de amor pra ela:


A alegria do desenho fala por si, revela o sentimento.
E eu, novamente, aprendendo com meu filho de seis anos. Desta vez, que o amor é mais importante do que tudo nesta vida. Que é prioridade, que é felicidade. Que merece atenção e respeito. Que deve ser declarado, confessado, compartilhado. E que nada nesta vida se compara à emoção de se viver o primeiro amor.

10 comentários:

  1. Simples assim!!!! Chorei! Lindo, lindo,lindo!!!! O texto, o sentimento de Antônio, a sensação que nos passa de que ainda há esperanças, e de que as coisas não mudaram tanto assim, pois o amor inocente e puro, ainda existe, e está no ar. Agradeço a Deus pela existência das crianças, da pureza, da simplicidade, da alegria de viver e descobrir que lhes é peculiar! Será assim quando chegar a época de Maria Alice também, as crianças existem graças a Deus!

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    1. Graças a Deus! As crianças nos garantem a sobrevivência do Amor! Que bom que gostou!...

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  2. Primeiro amor...lindo! Todos deveriam ser como criança. Amar sem pedir nada em troca, simplesmente AMAR!

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  3. Que coisa mais linda!
    Eu chorei de emoção.....muito lindo mesmo!

    Ordelina de Morais Simões

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  4. Me emocionei...como sempre mais só que dessa vez me fez remeter ao primeiro de Favo de mel, em que ele queria levar um lanche igual ao dele todo santo dia por 2 meses, era tudo em quantidade par,rsrsrsrsrsrs,Amor inocente,amor puro.viva o amor!

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  5. A emoção foi muita!"E eu, novamente, aprendendo com meu filho de trinta anos. Desta vez..., que é prioridade a felicidade"(ouso apropriar-me de sua fala,Karla).Voltei ao passado, voei ao futuro e agora choro de alegria, porque "realmente o amor é tudo nessa vida"e que eles a vivam pelo amor!!!PARABÉNSSS!!

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    1. Obrigada, Glorinha!!! Na verdade, o autor do texto foi Antônio... Rs.

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