quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Vendem-se oportunidades

(O futuro já pode ser comprado: as bancas de jornal estão vendendo fascículos preparatórios para os exames do ENEM. Uma dúvida atingiu meu coração: quem será avaliado, agora, a Escola ou o Sr. Joel, o jornaleiro da minha rua?)

O sucesso do futuro das nossas crianças está nas bancas. Não perca esta oportunidade: vá a qualquer uma delas neste sábado e, se tiver um bocado de dinheiro, compre-o. Depois, faça isto pontualmente a cada sábado, não perca nenhum dos fascículos da coleção que levará aos melhores resultados do ENEM. Garantindo a frequência às bancas, a escola está dispensada de suas responsabilidades. Os tais dos fascículos prepararão os alunos para o exame. Está tudo combinado.
Aposto na correria em direção ao Sr. Joel da banca da esquina da minha rua. Não vejo tanta procura por um jornaleiro desde a época da coleção dos álbuns de figurinhas do Walt Disney, ou mesmo da manhã seguinte à da quarta-feira de cinzas quando aglomerados de adultos lutavam por conseguir a revista Manchete com as fotos dos famosos nos bailes e desfiles de carnaval. Uma época boa, em que a grande novidade era ver o maiô cavado da madrinha de bateria da escola de samba...
Não, desta vez, neste sábado, meninos e meninas que dispuserem de um trocado correrão em busca da apostila preparatória para o Exame Nacional do Ensino Médio. Disfarçadas entres eles também estarão as escolas, com seus professores e diretores ávidos para saberem o conteúdo dos folhetos...
Para mim, é o fim. Espanta-me saber que as oportunidades estão sendo vendidas. E, agora, nas bancas de jornal!
A primeira vez em que percebi o convite à compra, estava passando em frente a uma escola particular. Na calçada, um outdoor anunciava matrículas abertas para os cursinhos aos sábados: preparatórios para o ENEM. E havia vagas, inclusive – pasme! – para os alunos da própria escola!
Ao ver a propaganda, segui viagem incomodada (ah, eu não controlo este meu sentimento!...): como poderia ser isto? Se o famoso, temido exame avalia o desempenho da oferta do Ensino Médio pela escola, no dia da prova os alunos seriam avaliados, então, pelo cursinho que fizeram no sábado ou pelas aulas de segunda a sexta?
E quanto ao planejamento da escola em relação aos alunos que não podem comparecer aos sábados? Planejam que sejam aprovados? Como se dará a “bruxaria”?
Já faz um bom tempo que fico aguçada tentando entender o objetivo desse tipo de avaliação paraquedas...  Agora, estou quase concluindo minha linha de pensamento, multiplicando o preço dos segundos de comercial no horário mais nobre da TV pelo preço dos folhetos que serão produzidos por uma editora bem conhecida nacionalmente... O Ensino Médio das escolas – públicas ou particulares – pode ir muito mal sim, senhor, porque o seu bom resultado dependerá agora somente da coleção completa adquirida nas bancas.
Estou apoquentada, verdadeiramente. Preocupada, porque se a moda pega, logo, logo teremos à venda as apostilas preparatórias para a Prova Brasil e afins. Podemos fechar os portões das escolas.
Sinto pela parte – apesar de pequena, ao menos sob meus olhos – dos professores que ainda insistem na profissão por amor à causa. Essa parte é a que se preocupa em garantir segurança aos seus alunos quando diante do envelope pardo que lhes traz o exame.
Dispensados os suores na palma das mãos, trocamos o real significado da aplicação da prova – pelo menos, o que eu supunha ser – por uma boa quantia que circulará nas empresas de comunicação, aumentando ainda mais os respectivos lucros.
Eu quero descer, pare o mundo! Todos os dias da minha vida levo uns tapas na cara para acordar de um sonho que, insistente, teimo em acreditar. No meu sonho, a escola pública (porque é esta que defendo!) obedece fielmente à lei e oferece qualidade na educação de seus meninos e meninas. Obedece à lei, nada faz por caridade. E esta qualidade se reflete nos exames paraquedas. E eles não assustam os alunos, porque são instrumentos fundamentais para a avaliação minuciosa do sistema, a verificação das falhas em seu processo e revisão das práticas cotidianas. Este exame em que acredito é ponto de partida, não de chegada. E este exame não pode ser vendido nas bancas, porque cada esquina é uma, cada rua é uma, cada casa é uma, e dentro de cada lar há uma realidade diferente, uma constituição de família diferente, uma pregação de valores diferente, uma crença diferente. E um mesmo exame vendido nas bancas de jornal de todo o Brasil não traria a resposta que eu esperava que trouxesse o exame dos meus sonhos.
Diante deste desespero de ver terem visto lucro financeiro às custas das precárias condições em que a escola sobre-vive hoje, minha confusão mental me dá sono. E opto por ir dormir porque, sinceramente, do MEU sonho prefiro não acordar.

6 comentários:

  1. Como sempre,muito bom ,levantando sérias reflexões!!

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  2. Assino com você o texto! Isso sem falar nas cotas que, estrategicamente, servem para camuflar o que não se cumpre da Lei, e enganar, a quase todos nós, sobre o pagamento de dívidas históricas e sociais com uma massa, que ainda está muito distante de se tornar um povo.

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    1. É verdade, Rita, as cotas dariam um outro texto. Tenho arrumado a cabeça para conversar sobre isto...
      Que bom que gostou!!!

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  3. Já estou preparando conteúdos de PORTUGUÊS E MATEMÁTICA para o AVALIA REDE/2013.
    Ajudei na formação acadêmica de colegas no antigo 'pedagógico' da Rede Municipal de Ensino de Cabo Frio e logo a seguir na de muitos desses mesmos colegas e mais alguns nas Licenciaturas (LP/Literaturas, Biologia, Matemática e Geografia) na Ferlagos, de 1996 até 2006.Nesses cursos de formação de educadores neguei essas concepções tacanhas de educação e tentei mostrar aos meus alunos, hoje companheiro(a)s, a dimensão da dignidade da educação pública. Não à ideia de uma educação 'miúda' para gente 'miúda'. Não poderia fazer diferente; pois, produto da escola pública do 1º ano primário ao 3º ano do 2º grau* (antes disso, já aos 2 anos de idade, ia para a escola em que minha mãe trabalhava como funcionária de apoio e na hora do recreio ajudava na cozinha. Muitas vezes garantia ali o que possivelmente poderia não ter em casa), devo minha vida, os meus conhecimentos, as minhas amizades (até hoje cultivadas com muito orgulho!) à escola pública. Lá, posso, tranquilamente, afirmar que aprendi a amar "as gentes"¹, a ser amado por elas, a amar o conhecimento. Lá aprendi a CONSTRUIR CONHECIMENTOS, a me, tal qual o meu herói da época -Nacional Kid- transformar em protagonista da minha própria história... fiz e continuo fazendo história, graças à ESCOLA PÚBLICA. Tudo isso sem NOVAS ESCOLAS e fascículos nas bancas de jornal. Graças a Deus sou da época da Revista MANCHETE e como dito por você, ficava, também, com TPC (Tensão Pós Carnaval) para ver as nossas 'boazudas', 'popozudas' com aqueles biquinis de tirar o fôlego e de nos fazer ficar com medo de ter calos na mão ou de ficar com cabelo nas palmas das mesmas. Nessa época entendíamos que GLOBO era, simplesmente, um 'corpo esférico', 'o planeta em que habitamos' ou uma 'representação esférica do sistema planetário' e ABRIL não passava da designação dada ao (1) Quarto mês do ano gregoriano. (2) Idade da alegria e da inocência. (3) Juventude, mocidade, primavera².
    Enfim, tô precisando ganhar um qualquer. Natal tá chegando e os 'Antônios', 'Marcellos' e 'Myllenas' ficam irrequietos, pedindo presentes. Tá servida?
    * Designações aplicadas, na época, ao 1º segmento do Ensino Fundamental e ao Ensino Médio.
    ¹. Termo difundido por PAULO FREIRE ao falar de pessoas, do ser humano numa conotação profundamente afetiva.
    ². Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=abril

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    1. Passei pela mesma escola pública de qualidade que você, amigo Francisco. A Lei não retirou a palavra qualidade quando mudou, a obrigação continua a mesma, o que será que está havendo? Bem, a discussão é exatamente essa... Prepare suas apostilas com a consciência tranquila. O que é feito com responsabilidade tem sempre valor. Eu é que não entendo direito. Mas, vai que Antônio me pede um tênis mais caro amanhã...
      Obrigada pela presença! Bjs.

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