Os jargões estão todos lá, nas páginas da rede social. E
são tantos, que às vezes penso não conseguir inventar frase alguma: elas já
existem, basta que acessemos o Google... Refiro-me àquelas frases que nos
alertam de que nem tudo o que reluz é ouro,de que as pessoas nem sempre são o
que parecem ser, etc.
Envelhecer – melhor diria, saber envelhecer – trouxe-me
alegrias incontáveis. Eu mesma me surpreendo, quando percebo ter “previsto”
acontecimentos, resolvido conflitos, aproximado corações (É, até isto ando
conseguindo ultimamente!)... Apenas uma
garotinha chamada Eduarda tem me dado algum trabalho neste aspecto, suspirando
por um tal de Gabriel, e esquecendo-se do meu Antônio...
Antônio é a alegria da minha vida. Deus, conhecedor do
meu calendário, previu que chegando perto dos quarenta anos minha
espontaneidade se findaria, e teceu meu filho. Ou melhor, desenhou a pincel –
como costuma dizer o pai – aquele rostinho que me confiaria. Obrigada, Senhor!
Para que eu soubesse educar meu filho e ver atingido meu
objetivo de que ele seja no futuro (que é todos os dias) um ser humano de
verdade, Deus apresentou-me as ovelhas e os lobos. E apresentou-me, também, as
ovelhas travestidas de lobos e, ainda pior, os lobos que se travestem de
ovelhas. Quando se é criança, ovelhas e lobos são companheiros das fantasias. Confundem-se,
com direito à troca rápida de personagens, e ao que é mais gostoso, inerente em
toda criança: têm seus direitos garantidos ao arrependimento. No fim das
histórias infantis, tudo é ovelha, e berra bonito, e pasta em um campo verde de
dar inveja!
Na adolescência, nos limitamos a julgar as ovelhas pelos
seus atos de lobo: quando nos tomam os namorados, quando colam da nossa prova,
quando põem na gente a culpa por algo que não fizemos. Ovelhas-lobos nos
oferecem o lado de fora da escola, e algumas mais ousadas um cigarrinho, “só pra experimentar”... Na adolescência,
a gente teme essas ovelhas. Há até quem se entregue a elas – por querer viver
vida de lobo! – mas ciente dos perigos, embora sejam eles mesmos que seduzam...
Mas quando você começa a passar dos quarenta anos,
qualquer lobo descoberto sob o manto de lã branquinha é uma surpresa, uma
decepção. E hoje, um lobo nojento, fedido e desdentado apareceu para mim. E
numa ovelhinha tão carinhosa eu descobri habitava o terceiro monstro.
Terceiro monstro é forma de expressão (achei bonito para
usar como título do texto), seria pretensão minha dizer a você que Deus
reservou para mim apenas três deles. Não, por muitos já passei, já revelei
vários! Mas acho que é a terceira vez que escrevo sobre isto aqui na minha
página-escape, daí a preferência pelo título.
Monstros não têm lugar no altar do Deus Todo Poderoso,
ainda que vivam com seus joelhos dobrados ao chão. Não. Eu creio num Deus fiel.
Vá procurar o significado da palavra fiel, vá:
“Que guarda fidelidade, que cumpre seus
contratos: fiel a suas promessas.
Constante, perseverante: amigo fiel.”
Constante, perseverante: amigo fiel.”
É possível até sentir o peso da
responsabilidade de tamanho adjetivo, não é?
Quanto pesa um lobo?
A espada atravessou meu coração
novamente, e creio que, no auge dos meus quarenta e quatro anos de idade, ainda
haja bastante espaço para perfurações no meu coração. Portanto, recebo a punhalada,
e entrego-a nas mãos do Deus fiel a quem amo. E louvo, e agradeço, porque sei o
quanto aprendo com essas descobertas. É menos um disfarçado, mais um de quem
devo manter-me afastada.
Meu ventre abençoado deu à luz
Antônio. Aquele menino doce, de olhos de jabuticabas; aquele menino esperto,
questionador, inteligente, saudável; aquele menino sorridente, de bochechas
coradas e sorriso inconfundível veio ao mundo porque Deus quis que ele viesse,
e mais: Deus quis que ele conhecesse a vida através de mim!
Sim, foi esta Karla atravessada que
gerou Antônio por nove meses, e foi no meu seio que ele se alimentou. Foi sob
meus cuidados que tomou forma de gente, foi sob meus abraços que sentiu-se
protegido. Foi no meu colo que chorou seus medos, suas dores... Suas madrugadas
com cólica foram compartilhadas comigo, e muitas vezes meu carinho em sua
barriga acalmou suas inquietações. Uma Karla atravessada foi-lhe companheira,
sustento, referência. Seus banhos de sol foram ao meu lado, seus primeiros
sustos na lagoa também. O encontro com a água salgada, com a areia no corpo...
Suas dores das vacinas foram controladas no meu peito, bastei-lhe fome, sede,
febre, solidão...
Assim, Antônio foi crescendo, e hoje
é o meu melhor amigo. Estamos juntos, na saúde e na doença, na alegria e na
tristeza, cada um com a sua responsabilidade de existir, para que o outro
sobreviva. Simples assim. Uma bênção que Deus ousou nos conceder: um, ao outro.
Eu só sou feliz porque tenho meu
filho do meu lado da cama todas as manhãs quando acordo. Ele encosta os cílios
nos meus, me diz “bom dia” e me convida à guerra de “cosquinhas”... Não seria,
nunca, feliz sem isto. Como pude um dia pensar que havia sido?... Nada se
compara a este sentimento. Nada! E isto, isto que chamam de amor, é o que abate
qualquer tipo de lobo que se atreva a infiltrar-se como ovelha. Não há lugar no
trono do Pai para terceiros monstros, como haverá lugar perto de mim?
Expulso está do meu convívio aquele
que se fez passar por amigo sem honrar esta palavra. Fiel é Deus. E Ele nada me
cobra, não me ofende e, se me julga, o faz com o direito que tem de fazê-lo,
posto que me deu a vida, esta vida abençoada agora infinitamente porque via de
acesso à de Antônio.
Eis o que há, de verdade. Um casal de
amigos dividindo o espaço da casa de muro verde de Iguaba. Eu, aprendendo todos
os dias, com um professor de um metro e trinta centímetros. Ele, aprendendo
todos os dias, com uma professora de um metro e sessenta e oito. E não há
instrumento que meça o grau de amor que preenche aquela casa quando estamos lá
dentro. Meu juízo educa aquela criança. Tenta ensinar-lhe o bem, o mal, o belo,
o feio, o certo, o errado, consciente de que ele precisará viver tudo isto para
aprender. E meu juízo já lhe adiantou que viver dói, e ele já ensaia sentir as
dores: o tombo da bicicleta avisa que é chegada a hora de aprender a pedalar, a
picada da agulha da vacina lhe previne a doença, e o coração, que também dói
por ver a Eduarda sorrindo pro Gabriel, lateja enquanto o novo amor não lhe
faça esquecer a menina do laço de veludo vermelho. O que passa disto é mentira,
é juízo de um lobo-humano, portanto, não vem de Deus.
Sigo com Ele, com Deus. Com Ele
aprendi sobre fidelidade. Aprendi que na mesma medida com que julgar o outro
serei eu também julgada. Aprendi que a quantidade de monstros passa de três, o
que me faz crer que outros textos virão. E, sobretudo, cresci ouvindo Dona
Vanda me dizer, enquanto escolhia o arroz do almoço, que todo mundo tem um
telhado de vidro em casa...