Era uma vez...
“Era uma vez” é uma expressão essencial para se
começar a contar uma história para uma criança. Vejo aqui em casa, por Antônio.
Ele sempre gosta que eu lhe conte histórias, mas quando elas iniciam com o meu
chamativo “era uma vez”, ah!, tudo fica diferente e mais bonito nos olhos de
jabuticaba do meu filho.
Dia desses, voltando para casa depois do trabalho,
testemunhei uma cena, aos meus olhos de poeta, inesquecível: uma paquera.
Uma moça vinha pedalando sua bicicleta pela
ciclovia. Fone nos ouvidos. Óculos escuros. Pele transluzente sob o sol do fim
da tarde. Voltava do trabalho, me pareceu. Sem muitos apetrechos, sorria ao som
da música que lhe penetrava os ouvidos...
Um rapaz vinha dirigindo seu carro branco, ao meu
lado. Rádio do carro ligado. Óculos escuros. Pareceu-me que voltava do
trabalho, também.
Foi quando a atenção ao trânsito se desfez: ele a
viu. E o movimento do corpo dele ao olhar para ela, chamou-me à atenção,
também. Coisa mais linda de se ver! Reduziu a velocidade quando viu que ela
esboçou-lhe um sorriso. Reduziu o trânsito. Reduziu a minha velocidade. Reduziu
o ritmo da minha vida inteira, depois disso. Do que eu tiver para viver.
Seguiu, depois de ela não ter-lhe dado confiança.
Seguiu olhando para trás, depois pelo retrovisor. A velocidade da bicicleta não
acompanhava a do automóvel. E foram-se, cada um para o seu lado, com um sorriso
no rosto. Vão, certamente, um com o outro na lembrança, até que esta se
desfaça.
Eu, poeta, acompanhando tudo, saí da cena
entristecida, porque fiquei imaginando um grande amor que se perdera. O amor
surgira dali, de um encontro de via e ciclovia, onde diminuir a aceleração do
carro é essencial quando se quer alguém que está de bicicleta.
Essencial é viver.
Nossa vida cotidiana não nos permite viver o
essencial das coisas.
Ontem compramos, eu e o pai de Antônio, o kimono
para as aulas de jiu jitsu que ele começará a fazer. E ter ido à cidade vizinha
em companhia de seus pais tornou sua vida mais feliz. Aquilo lhe foi essencial,
e bastava observar-lhe a expressão de alegria para confirmar isto que estou
escrevendo: covinhas no rosto e um sorriso que não se desmanchou, acho que até
agora.
Talvez tenhamos acordado nesta manhã de domingo
sem fazer um afago em quem deixamos na cama. Talvez não tenhamos recebido o
afago de quem se levantou da cama antes de nós. Um afago essencial para que o
domingo – início de uma semana inteira! – seja ainda melhor! Mas será que
desejamos o abraço – dar ou receber – com os braços abertos? Abrir os braços é
essencial para receber o abraço. Abrir os braços quer dizer “vem!”
Neste mundo de mentiras, dizer a verdade é
essencial. No caminho, ontem, ainda no carro, percebemos que o rádio não
funcionava direito. Eu e o pai de Antônio nos olhamos, e foi o suficiente para
que meu filho me falasse que mexeu no rádio. Mas, antes, nos avisou de que
contaria o que aconteceu, porque sabe que eu sempre lhe peço para dizer a
verdade. Pra mim, bastou. Orgulho de mãe que vê frutos onde semeou. Antônio
confessou o erro. E recebeu a correção seguida de um carinho pela atitude
prestada. Entendeu, ficou feliz, e nós também.
Essencial é tudo aquilo que está acontecendo lá
fora. É o sol quente, vivo, que preenche hoje seu espaço no céu azul que ontem
amanheceu cinza e enfeitado por uma chuva maravilhosa, abençoada! É a certeza
do Deus vivo, presente em nossas vidas. Essencial foi acompanhar o nascimento
dos passarinhos na caixa de correspondências daqui de casa. Essencial é o
abraço que recebo do meu filho logo assim que ele acorda.
Nada do que é essencial existe em busca de
recompensa. Aqueles sorrisos que se trocaram entre o rapaz e moça foram
espontâneos. Foram sorrisos do coração. Nada queriam em troca. No entanto, a
troca veio: os olhos responderam aos apelos do coração. E aquele sentimento
indescritível que invade nosso corpo no momento da paquera aconteceu...
Estarmos os três no carro, rumo a qualquer lugar
iluminou o rosto de Antônio. Não lhe importava onde iríamos. Nem o que
faríamos. Estávamos juntos. Já era a própria recompensa. A atitude – essencial!
– recompensou-nos a todos, embora nada tivéssemos feito com este intuito.
A inspeção diária na caixa de correios, e a
alegria por ouvir os chiados dos passarinhos no ninho recompensaram a tarefa de
permitir que a vida acontecesse. Eu ajudei, Antônio ajudou, o carteiro ajudou,
cuidadoso que foi em deixar as cartas em outro local.
Quem não soube ver o sol lindo pela manhã, perdeu
a oportunidade. Mas se souber ver o que é essencial, verá o bailar das nuvens
seguindo a direção do soprar dos ventos. Traduzirá em monstros, bichos, pessoas
as diversas formas que aquelas bolas de algodão tomam enquanto passeiam,
desfrutando de um céu que ainda não é nosso. E receberá a chuva – quem sabe até
no rosto! – agradecido por viver, por estar bem, por amar, por ser amado...
As coisas mais simples da vida, os gestos mais
simples, são aqueles de que mais precisamos. E é tudo o que a vida cotidiana
nos rouba. Mas há certa permissão nossa. Como escrevi, muitas vezes não abrimos
os braços e depois reclamamos por não sermos abraçados quando mais esperávamos.
Eu desejo a vocês um domingo essencial. Para que,
em sendo assim, o domingo preconize uma semana essencial. Com novos olhares,
novos ângulos, novas possibilidades. E, acima de tudo, com braços bem abertos
para a vida, porque viver é essencial.
Viver é essencial! Eu não sei viver fingindo ser quem não sou. E nem vou negar os meus sentimentos....Viver é essencial Amiga Karla Pontes!Lindo texto.Parabéns!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirLeitura gostosa numa manhã de friozinho...
ExcluirBom início de semana pra vc!
Douglas Alegre
Eu só posso dizer agora,que foi essencial para mim,a leitura desse lindo texto...parabéns poeta/poetisa(gosto mais de poeta) querida...beijão
ResponderExcluirAdorei Amiga, cada texto você se supera...
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