(Para quem acredita num Deus fiel, recuos são impulsos.)
Acho que, em alguma
situação da vida, todo mundo já ouviu aquela célebre expressão: “Minha estrada eu caminho como um automóvel
sem retrovisor. Não quero olhar para trás”. Eu também já ouvi. E por algum
tempo andei com ela na ponta da língua, toda prosa, crente que estava dizendo
alguma coisa importante...
Até que um dia, há uns
dez anos, precisei fazer a minha primeira viagem na estrada – percurso Iguaba
Grande X São Gonçalo – dirigindo sozinha. Carteira de motorista fresquinha –
acho que ainda naquele primeiro ano “experimental” – e um medo terrível!
Liguei, então, para o meu pai. E de um orelhão de esquina ouvi a voz da
experiência me dizer: “Venha devagar, e
não se esqueça de que, na estrada se olha mais para os retrovisores do que para
a frente, praticamente”.
Meu pai punha por terra a
frase que eu ouvira e repetira tantas vezes! E meu pai estava certo. Como pode
ser, não é? Eles sempre estão!
É o olhar para trás que
garante a viagem segura na estrada. É o espelho retrovisor que nos avisa do
carro acelerado que pretende a ultrapassagem que, se não percebida, pode
causar-nos o acidente. É também através dele que verificamos se podemos
ultrapassar o carro que está diante de nós.
Hoje já não digo mais
nada sobre a “dispensa” ao retrovisor. E já não reajo mais quando alguém
reproduz a famosa frase. Estão errados, eu penso, e um dia descobrirão que
estão.
Aí, veio uma outra
descoberta: o recuo. Afoita por começar a fazer as estripulias no trânsito,
excitava-me com as possibilidades de acelerar e “cortar” os carros mais lentos.
E, testemunha do meu processo de aprender a dirigir, o pai de Antônio me
ensinou que o melhor a fazer quando se quer ultrapassar um carro, é desacelerar
para ganhar força no motor. Em alguns casos até reduzir a marcha. Meu Deus, eu
pensava ser loucura o que ele me dizia! Mas experimentar trouxe-me a certeza.
Se eu reduzo a velocidade, faço tudo melhor.
Sempre que vou a casa dos
meus pais tem novidade por lá: gatinhos filhotes. Meus pais adoram bichos –
graças a Deus! – e nunca resistem aos filhotinhos. Por saberem disto, alguns
vizinhos costumam colocar diante do portão da casa dos meus pais um ou outro
filhotinho, seja de cachorro ou gato. Eles os acolhem, dão-lhes comida, carinho
e conforto, e os hóspedes ficam para sempre...
É sempre gostoso observar
os gatinhos brincando. Um com outro, sozinhos com bolinhas de papel, embalagens
de biscoito – fazem barulho, eles se divertem! – cadarços de tênis, ou qualquer
coisa parecida. E há um movimento, comum a todos os animais, imprescindível
para o ataque perfeito: o recuo. Ainda que seja para pular em cima do “amigo”
ou do objeto, eles recuam para o bote certo.
Olhando a cena, eu, que
costuro nos pensamentos tudo o que acontece na minha vida, vejo os filhotinhos
ao mesmo tempo em que me lembro do retrovisor do carro e do acelerador, na hora
da ultrapassagem. Atos que, a princípio, podem sugerir desistência, mas que nos
impulsionam para melhores resultados: chegar sã e salva ao lugar de destino,
deixar para trás o carro que não sai de 60 km numa rodovia, alcançar um amigo
para uma brincadeira deliciosa, segurar o novelo de lã e recomeçar a diversão.
Às vezes nossa vida está
tão difícil, tão sofrida, que chegamos mesmo a duvidar da presença de Deus ao
nosso lado. E isto deve ser tão perdoável por Ele, que deve chegar a ser
imperceptível aos Seus olhos de Pai. É o recuo necessário, e a gente nem
percebe. Só depois de passado muito tempo é que vamos nos dar conta de tudo o
que aconteceu, fechar o círculo de todas as situações por que passamos e
concluir que é chegada a hora de viver com segurança.
É o espetáculo da vida, e
eu estou aqui pensando – ou Deus está me lembrando – no desfile da escola de
samba, e no recuo da bateria: não é que é a hora do show? Ver aquela gente toda
recuando, quase se escondendo, permitindo que grande parte da escola passe,
para depois surgir resplandecente, maravilhosa na avenida novamente. E se fazem
um processo bem feito, conseguem os pontos para garantir a vitória na
quarta-feira de cinzas!
Desde aquele dia em que
obedeci aos conselhos do meu pai ao telefone, respeito os recuos na minha vida.
É certo que naquela primeira viagem cheguei a São Gonçalo com as pernas
tremendo, o coração na boca, o sangue quente e o corpo suado. Mas cheguei tão
feliz, orgulhosa de minha conquista, de minha independência: valeu ter recuado,
ter desacelerado, ter fixado os olhos nos espelhos que me mostravam o que
passou.
Hoje venho passando
provações, e não estou só. Sei que há amigos em situações iguais a minha, assim
como sei que alguns estão sofrendo por coisas ainda piores. E vim para dizer
que recuos são necessários para que o voo se dê abençoado. Vim dizer que há
dias Deus me sussurrou que escrevesse sobre isto, e que enquanto não sentei
aqui para elaborar o texto Deus não parou de me apresentar os testemunhos, as
personagens da história que Ele queria contar. Sim, eu sou humana, cheia de
pecados, mas creio que Deus me inspira, sim, a escrever. É Ele quem me dá o tom.
Eu vivo minha vida a escutar-Lhe os conselhos, porque O vejo em cada amigo, em
cada irmão.
Na simplicidade da vida
animal, o ensinamento. Sejamos humildes para aprender com aqueles que nada nos
dizem com palavras, mas tanto nos sabem ensinar.
O arco-íris nos foi
apresentado após um dilúvio. Ali aprendemos que depois da tempestade a bonança
é certa. É aliança, e para quem crê num Deus fiel, chega a ser motivo de
orgulho – no bom sentido da palavra – saber que atravessamos desertos, de vez
em quando.
Deus nunca nos disse que
seria fácil. Quando a desobediência se deu, lá atrás, no paraíso, Deus nos
apontou as consequências. Hoje, vivendo, fazemos coisas muito piores do que
fizeram Adão e Eva. Mas o amor de Deus por nós é tão imenso que vez por outra
ele nos coloca em situações de recuo. Do estado de guarda, do que chamam
retrocesso, vem a vitória. E só nisto eu creio. Que mover-se para trás precede
o impulso. E que quem sabe aproveitar o momento e louva em vez de blasfemar, é
o verdadeiro filho de Deus.
Bom texto, muito bom!
ResponderExcluir"Recuar é permitir observação, observar é garantir boa atitude, atitude conduz à solução, uma boa solução transmite confiança, ganhar confiança é obter espaço, espaço permite recuar, recuar... recomeços... vida..."
-san
Karla,
Um belo texto, uma maravilhosa reflexão.
Beijos para você, menina.
Obrigada, Sandra! Bom vê-la por aqui! :)
ExcluirDeus nunca nos disse que seria fácil...A certeza é que ele estaria conosco, perceber esta indefectivel diferença faz todo o movimento de recuar , impulsionarmos a frente e seguir. Parabéns pela bela reflexão...A vida é linda se a enxergamos através dos filhotinhos que nos chegam sempre, atrás de um afago, de um carinho, de um amor, somos nós através de Deus esta fonte inesgotável de vida.
ResponderExcluirUm grande beijo querida!
Muito obrigada, Lina! Que lindo texto! Que Deus nos abençoe!!!
ExcluirÉ amiga Karla Pontes vou destacar alguns pontos importantíssimos do seu texto:
ResponderExcluirE vim para dizer que recuos são necessários para que o vôo se dê abençoado;
Em alguns casos até reduzir a marcha;
Do estado de guarda, do que chamam retrocesso, vem à vitória;
E só nisto eu creio;
Que mover-se para trás precede o impulso;
E CHEGAMOS A VITÓRIA PQ ACREDITAMOS EM DEUS E NA SABEDORIA QUE CONQUISTAMOS NO CAMI NHO DESSA ESTRADA DA VIDA!!! Bjks!!!Parabéns lindo texto.
Amém, Nícia! Obrigada! :)
Excluir"Às vezes nossa vida está tão difícil, tão sofrida, que chegamos mesmo a duvidar da presença de Deus ao nosso lado. E isto deve ser tão perdoável por Ele, que deve chegar a ser imperceptível aos Seus olhos de Pai. É o recuo necessário, e a gente nem percebe. Só depois de passado muito tempo é que vamos nos dar conta de tudo o que aconteceu, fechar o círculo de todas as situações por que passamos e concluir que é chegada a hora de viver com segurança."
ResponderExcluirassim e a vida!!!!
cheia de idas e recuos.....
Deus te abençoe.
bjs
Deus nos abençoe! Obrigada pelo carinho, Mercedes!
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