sábado, 17 de março de 2012

Quando a Escola produz o risco

(A Escola é vítima ou produtora do risco social? Na minha opinião, tudo o que vai, volta.)



Eu fui ao Google buscar conceitos que me certificassem de que a Escola não tem nada a ver com ele, mas não encontrei, infelizmente. Tudo o que li realçava, ao meu modo de ver, a responsabilidade da Escola sobre isto, também: o risco social.
Lendo, construí o cenário na minha cabeça: os desnutridos, os que vivem em condições precárias de moradia e saneamento. Os que não têm família, os que não possuem emprego, em suma, os cidadãos que não têm os mesmos direitos e deveres dos outros. Os excluídos. Os expulsos dos espaços da sociedade.
É mais ou menos assim que o Google define o que é risco social. E aquelas palavras soaram-me, durante a pesquisa, como melodia de conselhos de classe.
Já escrevi manifestando minha ojeriza ao protocolo da maioria dos conselhos de classe que tenho assistido ao longo destes meus vinte e oito anos de magistério. Não quero fazê-lo novamente.
Mas preciso deixar registrado aqui tudo o que vem a minha cabeça quando professores e demais educadores se reportam ao risco social como fator responsável pelo fracasso escolar.
Ora, não está a própria escola produzindo o risco social no seu entorno? Toda vez que o trabalho (trabalho?) descompromissado do professor leva um aluno a desistir e evadir, toda vez que o trabalho descompromissado do gestor perde para a concorrência comprometida das drogas ou da “ociosidade produtiva”, aumentam as estimativas dos grupos vulneráveis ao risco social da cidade. Não é assim que ele é descoberto, pelas estimativas de pobreza?
Tirando Lula e alguns poucos sortudos, que eu saiba, escola é o lugar para se ir quando se quer melhorar as condições financeiras. Era isto o que meus pais diziam quando me obrigavam a vestir o uniforme e calçar os kichutes: que eu só teria uma vida melhor, mais confortável, se estudasse. Estudar, frequentar a escola, estava ligado diretamente a “ser alguém na vida”. Alguém se lembra disto?
Quando a escola repudia o menos capaz, exclui. Quando o professor assume a postura de que só ele sabe e só ele fala, provoca a maior distância possível num relacionamento, que deveria ser pessoal (ser humano-professor + ser humano-aluno). Ele se sobrepõe, subestima o grupo, semeia a antipatia. Nada ensina. Diminui o valor da escola. Convida a sair.
O aluno tem fome. Vai para a escola, muitas vezes, para comer o que não tem em casa, o que os pais deixam de comprar para sustentar seus vícios. Os vícios do risco social em que estão inseridos, resultados que são, também, de suas escolas de outrora. Pais excluídos, sem oportunidades. Pais que um dia foram crianças que, por não terem aprendido no mesmo ritmo que a maioria dos alunos de suas salas de aula foram rotulados, expostos, e reprovados. E que tendo sido por tantas vezes reprovados desistiram de tentar.
Há aquele também que vai para a escola em busca da paz que não encontra em casa. E porque não tem em casa calmaria suficiente para dedicar-se aos estudos, às “tarefas de casa”, recebe o boletim dizendo NÃO, ao final do ano. Esse tenta de novo, matriculado por sua mãe pela necessidade do bolsa-famíla, mas não consegue outra vez, porque sua professora já o recebeu com a lembrança do aviso da sua colega de trabalho, que lecionou pra ele no ano anterior: “esse aí não sabe nada, não aprende nada!”, disse-lhe ela ao pé do ouvido, na primeira reunião de professores.
Aulas ruins, professores irresponsáveis (eu não gosto do termo desmotivados), gestores que fingem não perceber a fábrica de vulnerabilidade social que se tornou a escola. É assim que acontece: os alunos entram pela porta da frente, pulam os muros, e saem. E ainda há os professores que dão “graças a Deus” por isto. Menos um hoje, menos três amanhã, menos uma turma no final do ano.
Onde está toda essa gente que deixa a escola? A minoria segue seu destino honestamente, mesmo que trabalhando em profissões à margem da sociedade. Um grupo dessa minoria elege-se até Presidente da República! Mas a grande massa está do lado de fora dos muros da escola esperando o sinal da saída tocar. Eles assaltam alunos, funcionários e professores, oferecem crack, intimidam os pequeninos, agridem fisicamente os que apresentam comportamento suspeito.
Aí, a escola presencia diariamente acontecimentos como estes. Os funcionários sentem medo, sentem-se suscetíveis à violência. E todos se despem da responsabilidade, como quem tira o casaco dos ombros porque não sente frio.
É preciso fazer o caminho inverso. Ninguém pode ser culpado quando não se sabe o que acontece. É como sempre digo: Antônio mora só comigo, não somos uma família convencional formada por pai, mãe e filho. Ninguém me perguntou sobre isto na escola onde ele estuda. Mas quando descobrirem, aí estará a razão para todos os seus “deslizes” de criança. Bastará que atire uma bolinha de papel no ventilador e receberá o estereótipo de filho de pais separados. Livrou-se, até agora, do chavão. Não sei por quanto tempo. Talvez não tenha, ainda, alcançado o ventilador...
Escola tem deveres a cumprir. E eles estão lá, assegurados até na Constituição. E tudo o que se diz dos deveres da escola nas leis atrela seu papel à qualidade. Ninguém faz favor a ninguém quando resolve enveredar pelos caminhos da Educação. Todo mundo que presta este serviço o faz em obediência a uma legislação que reza que educação deve ser de qualidade. Portanto todo mundo tem o dever de realizar seu ofício da melhor maneira possível. Dever, não favor.
Garantir fidelidade às promessas cantadas no dia da formatura pode fazer com que o professor diminua o quadro de risco social da comunidade onde está inserido. Porque dificilmente um aluno que entre pelos portões da escola e siga seu fluxo normalmente até poder deixá-la engordará este quadro.
A responsabilidade é nossa, sim. É o que penso. É a lei do retorno, ou lei da consequência: tudo o que vai, volta. Teremos medo do que está ao redor da escola enquanto pusermos o perigo lá fora. Que tal inverter as ações?

8 comentários:

  1. UAU! Q pancada! Forte, triste, real e um ótimo alerta! Acredita q meu sonho é q algumas pessoas consigam LER este texto? LER: Decodificar, inferir, antecipar, para mudar esse tanto de coisas erradas....

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    1. É o meu sonho também, amiga. Obrigada pelo companheirismo de SEMPRE!

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  2. Perfeito, se todos tivessem coragem para expor o q realmente acontece, com certeza a sociedade seria melhor, e nossas escolas estariam formando cidadãos, pois o comprometimento seria total e não só de alguns poucos professores.

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  3. Opa!!Perfeito!!Eu tb gostaria que alguns profissionais da educação o pudessem "ler"(como diz Anna Paula)!!Mais uma vez,parabénsss

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  4. Perfeitíssimo. Sugestão: enviar esse texto para todas as Secretarias de Educação e solicitar que o mesmo seja divulgado nos Conselhos de Classe no final do ano letivo de 2012.

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  5. Excelente texto, Karla!!! Acredita que na época da faculdade queria escrever sobre este assunto? A escola é produz a sociedade ou a sociedade produz a escola? Não cheguei a realizar a pesquisa, mas acredito que ambas as coisas acontecem ao mesmo tempo. Na verdade, penso que a escola deveria produzir (ao menos em parte) uma sociedade melhor. Mas infelizmente, como foi muito bem retratado no texto, ela reforça as diferenças e aumenta o abismo social existente.
    Parabéns mais uma vez pelo texto. Sou seu fã e tenho muito orgulho de ter tido a oportunidade de trabalhar com vc e aquela equipe maravilhosa da SEMEC em 2009. Grande bjo!!!

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    1. Vamos pensar nisto, Tiago. Vamos pensar bastante nisto! Sou fã da sua história, também, creia! Bjs.

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