sexta-feira, 18 de maio de 2012

Socorro! Estou saudável!

(Há uns dias uma poluição visual tomou-me os olhos: um amontoado de atestados médicos!!! Preciso desabafar, para não adoecer!)


Esta semana uma tristeza, melhor dizendo, uma perplexidade tomou conta dos meus pensamentos durante o dia e por alguns instantes da madrugada também: tenho visto pessoas adoecerem...
Minha tristeza não advém da doença que assalta meus amigos profissionais da educação. Ela rasga meu peito porque alguns dos meus amigos resolveram adoecer. Optaram por adoecer. Descobriram que adoecendo resolvem uma grande parte de seus problemas: podem fugir deles.
Eu fiquei triste demais esta semana.
Já não encontro mais as mesmas pessoas nos reencontros de amigos que há muito não via. Vejo rostos tristes, enrugados, rígidos. Olhares perdidos, embaçados, entregues ao nada. Corpos engordados ou emagrecidos por uma emoção descontrolada. Ossos sem movimento, articulações doloridas, músculos retesados. Vozes roucas, trêmulas, diminuídas. Calos, muitos calos nas gargantas. Corações palpitantes, acelerados, elevando pressões. Ou calmos demais, baixando-as. Cérebros insuficientes, promovendo lacunas no fazer, no pensar, no agir de cada um. As pessoas que outrora testemunhei vivas estão mortas, diante de mim, elencando seus atestados médicos. E o que quase me leva ao desespero é que elas o fazem com um sentimento que – atônita – eu ouso definir orgulho.
É isto mesmo. Todos apresentam orgulhosos os seus laudos, como se fossem prêmios. Cada papel assinado por um médico perito assegura a ausência temporária ou definitiva do espaço da escola. Vitória!
Aí eu comecei a pensar em tudo isto e quando dei por mim estava triste. E me vieram algumas dúvidas, que resolvi compartilhar.
Já não sei em que ordem as coisas acontecem: não sei se profissionais da educação adoecem porque trabalham, porque não sei se chegam a trabalhar a ponto de adoecerem. Basta que “esquentem” a cadeira e logo são apresentados os primeiros atestados. São, primeiramente, comprovantes de comparecimento ao consultório de um determinado especialista. Depois, atestados de dois, três ou quinze dias (esta quantidade sempre cresce, nunca diminui) para afastamento das atividades. Até que a coisa evolui para o afastamento definitivo. Professores que não podem estar na presença de crianças, serventes que não podem inalar fortes odores ou carregar determinado tipo de peso...
Estou saudável, e ando preocupada. Porque tenho sido uma estatística cada vez menor no meio onde trabalho. Que será que há comigo?
Dia desses vi uma professora que me apresentou licença médica de quinze dias trabalhando numa escola em outro município. Outra, que entregou na secretaria da escola um atestado comprovando pneumonia, de mochilas nas costas, na rodoviária, com fones nos ouvidos, óculos escuros e um ar alegre de quem sai de férias para descansar. E um professor que foi sorteado num desses prêmios de operadoras de cartões de crédito com uma viagem à Bahia providenciar, quase imediatamente, um atestado médico para os dias em que iria precisar se ausentar para usufruir da sorte.
Em meio aos enganos – profissionais da educação e médicos peritos que enganam – sofro com a ausência de respostas as minhas incansáveis perguntas. Alguém sabe o que acontece com quem mente? Venho tentando ensinar a Antônio a não mentir, a sustentar a verdade, será que caminho na direção inversa?
Todo mundo que inventa um estado de saúde deplorável para favorecer-se com ele faz algo muito grave, imagino.
E, vendo tanta gente ao meu redor deixar de ser quem era, ando confusa com as verdades... As fisionomias que chegam quase a revelar certo prazer de se estar doente causam-me pavor. Não quero ser assim, não quero ficar assim. E peço a Deus que me livre do infortúnio de adoecer, mas, sobretudo, de querer adoecer para levar alguma vantagem com isto.
Pobres dos médicos que se prestam a atestar inverdades. Pobres dos profissionais da educação que vão em busca disto. Pobres daqueles que brincam com o dom maior que Deus concedeu aos homens, o de ter saúde.
Nesta busca aflita, apressada e incessante por colecionar visitas a consultórios e montar seus portfólios médicos, meus amigos estão se esquecendo de olhar pro espelho. E bastaria que dedicassem a ele, ao espelho, alguns minutos preciosos, e veriam a autodestruição provocada. Tudo o que há de velho, tosco, rígido na imagem refletida mostra o que cada um fez consigo cada vez que pôs nas mãos um atestado comprovando algo que não tinha.
Hoje alguns dos meus amigos estão doentes e loucos. Ou a caminho disto. Acreditam veementemente na doença que têm. Sabem de cor quanto está a pressão, a glicose, o ácido úrico, as taxas, taxas e taxas. Sabem nomes e telefones e endereços de todos os médicos em cada uma de suas especialidades. E são felizes por isto. Porque de tudo o que sabem, lhes importa que saibam que não podem estar na escola. Não hoje, não amanhã, nem depois de amanhã.
Socorro!  Isto sim é um caso grave: o descaso com que se lida com a saúde. E nossos meninos estão lá nas salas de aula, esperando encontrar gente sadia no tablado para a aula começar. Estão lá, os nossos meninos, estes sim, cheios de saúde, uma saúde que os faz correr pelo pátio da escola, brincar durante a aula e ficar de castigo por isto.
Estão saudáveis porque são jovens ainda. Porque suas vidas estão começando agora. Porque nem refletem profundamente sobre o tipo de ensino que recebem, porque nem sabem que o professor que está no tablado hoje já tem consulta marcada para amanhã.
Fico por aqui, dando graças a Deus por estar viva, por descobrir-me envelhecendo e surpreendendo-me com a honra que é envelhecer. Por ter saúde, por trabalhar todos os dias, por ser fiel ao meu compromisso de educar. Pedindo a Ele que abençoe os que enveredaram pelo caminho dos laudos e atestados sem saber a gravidade de suas ações. E, verdadeiramente, rogando por dias melhores a quem já não tem mais o que prever sentir na vida. Amém!

11 comentários:

  1. Fique triste não,é complicado mas vamos partir do princípio que para cada ação (boa ou ruim),existe uma reação...e quem planta inverdades...colhe...rsrsrsrsrs abraços.

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  2. Compartilho de sua oração por saúde e vontade de continuar a fazer o que um dia escolhi fazer e prestei um concurso pra fazer, um não, dois. Não pelo concurso, mas pela ética, pelos princípios e pela força que tem a educação que recebi, por ser quem eu sou, muitas vezes até odiada pelo que penso,pelo que sou e pelo que tenho de ideias. Vou continuar assim, não mudo não! Os que mentem e hoje se afastam das salas de aula, embora trabalhem em outros municípios ou escolas do mesmo, são os mesmos que gritam por melhores salários, por apoio, por materiais, etc, só se esquecem, de que são eles os que ajudam a promover o baixo salário e, pior, o pouco prestígio da profissão. Lamentável!!!!!!

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  3. Acho até que isso deveria ser pauta de reunião de sindicato, pois como pensar em melhorias salariais para uma categoria que se orgulha em adoecer, sem refletir que, além de se afastar da verdade sobre si mesmo (e isso pra mim já é uma doença), contribui para o achatamento dos nossos salários quando participa da elevação do gasto público. Afinal, este lugar precisa ser ocupado por alguém. São dois salários para uma necessidade. É matemática!

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  4. E com todas essas doenças que assolam o nosso meio profissional, é triste ver que, quando bate a vontade de sair da sala de aula, preferem adoecer a ter que prestar um concurso público e , orgulhosamente e de forma digna, mudar de lugar.

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  5. SE TODO ALUNO EM NOSSAS UNIDADES ESCOLARES TEM QUE PASSAR PELO PROCESSO DE ANÁLISE DO HISTÓRICO ESCOLAR,APRESENTANDO NOTAS, FALTAS, DESEMPENHO, E ETC.TENHO UMA SUGESTÃO:
    CRIAR O HISTÓRICO PROFISSIONAL NAS SECRETARIAS(DEPTO),POIS ASSIM AO INVÉS DE ENTREGAR O "BELO CURRÍCULUM VITAE", ESTES PROFISSIONAIS TERIAM SUA TRAJETÓRIA PROFISSIONAL REGISTRADA POR SEUS SUPERIORES.ASSIM INIBIRÍAMOS A AÇÃO DE INTEGRANTES DE UMA CLASSE QUE DENIGRE NOSSA PROFISSÃO.

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    1. Análises reais do estágio probatório do servidor já resolveriam boa parte do problema, Lillian... Mas análises REAIS!

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  6. CONCORDO QUANTO A ANÁLISE REAL E SÉRIA DO INSTRUMENTO DE AVALIAÇÃO NO ESTÁGIO PROBATÓRIO, MAS MUITOS COLEGAS QUE ESPERAM O ESTÁGIO ACABAR.

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  7. E tanta gente com certa falta de saúde ( melhor do q doente...)querendo trabalhar.... Fato, por vezes, revoltante!

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