quarta-feira, 13 de junho de 2012

Leão e urubu

(Eu acredito que os animais também vão para o céu... E suspeito que Deus não pretendia hierarquia alguma quando criou os seres vivos... Animais, plantas e homens. Cada um com sua importância, seu valor.)


 
Eu creio que no céu tenha animais, também. Falo do céu que acredito. Naquele para onde vão as pessoas do bem quando morrem. As de coração puro como o das crianças. As humildes, as honestas. As que não usam o santo nome de Deus em vão.
Ainda não fui convencida, embora algumas pessoas já tenham tentado argumentar a respeito da ausência dos animais no céu. Continuo acreditando que há espaço reservado para eles por lá. Porque trago comigo uma suspeita de que Deus não estabeleceu hierarquia quando criou os seres vivos. E, na medida em que vamos “evoluindo”, acho que plantas e animais têm passado nossa frente na fila de acesso aos braços de Deus...
Vamos conversar sobre isto? Permitam-me, vou escrever o que penso.
Penso que quando Deus criou as plantas, os animais e os seres humanos não lhes impôs graduação. Deu-lhes características diferentes, valores diferentes e ordenou-lhes viverem, se não me engano, com um sopro.
Deus criou o leão: Soberano. Imponente. Astuto. Belo. Forte. Temível. E criou o urubu, com aquelas suas características que dispensam apresentação. Qual dos dois animais é o mais importante para Deus?
Ele fica por lá, o rei das selvas, abatendo outros animais para alimentar-se e à família. O urubu vemos por aqui mesmo, retirando das estradas os animais atropelados, alimentando-se de suas carniças, evitando novos acidentes. Que seria de nós sem os urubus? E, no entanto, vivemos do mesmo jeito, sem leões por perto.
Quando Deus soprou as plantas, soprou o jequitibá. Seria o homem melhor que aquela árvore que dura mais de mil anos, pode chegar a medir quarenta metros e ter quinze metros de circunferência?
Mais de dez homens são necessários para um “abraço” num jequitibá. Imagina a proporção de uma árvore desta diante de um só ser humano? Certamente, Deus a vê primeiro, de lá do céu, que ao homem. Este sim, então, que diminui a cada dia, afasta-se dos olhos de Deus a cada dia, a cada atitude...
Quem é o melhor: o leão ou o urubu? Vivemos a classificar as pessoas, a rotulá-las, a separá-las segundo nossos conceitos. Uns são leões, outros urubus. Desprezamos a natureza à nossa volta esmagando formigas, chutando cachorros, esfaqueando tubarões e baleias. Colocamos os filhotes de gatos nos sacos, arrancamos plantas, invadimos reservas, colhemos sem plantar. E o fazemos porque nos julgamos melhores que o resto das criaturas.
Nada somos. E não consigo imaginar que animais que venham ao mundo para sofrerem tanto não tenham direito ao céu quando morrem. Não me parece que a ideia de Deus tenha sido esta: nascer, sofrer, morrer e pronto. Não quero pensar assim.
O homem recebeu de Deus a razão. Sim, aprendemos na escola que isto é o que nos diferencia: somos seres racionais. Que argumento racional usaria o homem diante de um leão faminto?
Que argumento racional usaríamos para sobreviver por um milênio? Para conquistarmos a imponência de um jequitibá? É sombra, é alimento, é produto, é oxigênio, é vida e, no entanto, sua simplicidade fica subjugada à gana “racional” do homem. Como ficam subjugados também a baleia, o tubarão, os gatos, cachorros e formigas.
Leão ou urubu, jequitibá ou eucalipto, homem, fomos todos criados pela mesma mão misericordiosa de Deus. Com o mesmo valor, eu creio. E se há alguma diferença, desde a criação até os dias de hoje, eu penso que a obediência aos propósitos de Deus manteve-se entre animais e plantas, diferentemente do que aconteceu com os homens, que abusaram do poder do dom do raciocínio e atropelaram-se com ações desordenadas, malditas e indignas aos olhos de Deus.
Quando Antônio nasceu e me vi sozinha com ele aos três dias de vida, foi o meu instinto quem conduziu as coisas aqui em casa. Impossível eu explicar como as coisas foram acontecendo por aqui. E deram certo. E foi assim, porque segui a minha irracionalidade, deixei meu lado animal cuidar de Antônio: os cheiros, os avisos, as sensações, os gostos, os olhares, os gemidos... Não havia palavras, razão. Só mãe e filho, tentando uma comunicação que pediatras, psicólogos, terapeutas e afins talvez hoje condenassem. E Antônio está aí. Vivo entre nós. E eu estou aqui. Sobrevivemos.
Somos todos filhos de Deus. E estamos sob o Seu fiel julgamento. Ver uma criança ser posta num saco de lixo dói no coração de Deus na mesma medida em que dói ver gatinhos recém-nascidos ensacados. Na mesma medida em que dói ver o jequitibá abatido pela usura do homem.
Nos dias de hoje, em nossa sociedade, chamar alguém de animal é ofensa. Vai ver no reino deles chamam de homem os atrozes de qualquer espécie... Uma sacada, no mínimo, inteligente. Digna do céu. Quem contesta?

4 comentários:

  1. Eu não contesto! Sempre achei que os animais merecem o céu, mais do que os homens que se acham donos do planeta. O planeta é um presente para todos os seres vivos viverem em comunhão, infelizmente muitos preferem ignorar isso.

    Estou com muita saudade, Karla! Mas ler textos brilhantes como esse faz sentir você um pouco mais perto da gente... Bjão!

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    1. Ah, Wellington!...
      Que emocionante reencontrar vc, e justamente por aqui...
      Fico feliz por concordar comigo. Sei que às vezes eu devaneio, e suas críticas são - sempre! - fundamentais.
      Quanto ao céu, espero que nossa estada por aqui garanta estar com os bichinhos lá, também.
      Sinta meu abraço, aquele de sempre. Ahnnnnnn...

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  2. É, dona Karla, colocou-me mais uma pulga atrás da orelha[Pulgas... Tantas q se foram, da Maroca e do Theo...)!! Mas, sua argumentação é bastante convincente, diria até quase incontestável. Aguardarei a análise da Fê. rsrsrs Bjk e parabéns, pelas ideias e expressão perfeita destas.

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    1. Vc é suspeita para falar, Anna Paula!!! De qualquer modo, obrigada, mais uma vez, pelo prazer da visita. Bjs.

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