sábado, 9 de junho de 2012

Quem vem?

(Tenho presenciado umas posturas estranhas ultimamente, onde "estou" trabalhando... E resolvi fazer um convite, pra saber quem vem comigo, já avisando que sorrisos não me enganam... "Estou" lá, mas "sou" Karla Pontes. A de sempre.)


Sorrisos não me enganam. Tenho quarenta e três anos.
Palavras negativas nada acrescentam. Então, desprezo logo que as ouço. Repreendo, tenho Deus comigo. Voltam na mesma medida para quem as proferiu. Nem ligo.
Carinhos físicos não excitam a pele de quem já viveu o bastante para perceber pragas rogadas. Voltam, também, na mesma medida.
Quem vem comigo nesta luta, então?
A despeito da parte pervertida do contexto, sigo na luta por uma educação pública de qualidade. E sei, exatamente, os que estão caminhando comigo. Sorrisos não me enganam, já estou me repetindo.
Há quem acredite, e sou muito feliz por isto. Há quem tenha guardado no seu coração a imagem da Karla Pontes de tempos atrás. Sempre pensei o mesmo, não há mudanças pelo fato de às vezes “estarmos” coisas que nunca estivemos antes. Somos. Eis o que importa para Deus: o que somos.
Sou Karla Pontes. Uma Inspetora Escolar orgulhosa de seu passado de Professora, do seu presente de Professora (sempre, eternamente!). Agradecida a Deus por reencontrar muitos dos meus alunos e, mais recentemente, alguns dos meus Professores. Inspetora Escolar que sempre defendeu a categoria como “o ápice” da Educação. E o rótulo devo à estirpe que encontrei aqui, quando aqui cheguei para conhecer a função. Aprendi com as melhores, e trago comigo a certeza de que era o plano de Deus pra mim, para me tornar uma pessoa melhor, uma profissional melhor a cada dia. Não preciso discorrer sobre isto, todos os que me rodeiam sabem que vou morrer dizendo que somos o que há de melhor na profissão de Educador.
Jamais me restringi ao espaço de Secretaria Escolar, embora por algumas vezes tenha sido chamada de “mera vistadora de papéis”. Não preciso nem dizer que quem atribuiu-me a expressão nada sabia sobre Inspeção Escolar. Nada sabia sobre mim. Palpitava, como palpitam muitos, os muitos que me julgam, sem me conhecerem...
Quem vem comigo nesta luta, então? Tenho sido rodeada por muitos e, no entanto, a cada dia removo um da minha lista de possíveis candidatos. Porque sorrisos não me enganam.
Então, faço o convite:
Quero lutar por uma escola pública que ofereça aos alunos uma educação verdadeira. Nada de pôr a culpa nos pais. Chega deste discurso idiota de que “se a família não estiver presente...” Ora, a família – quando existe! – tem mais o que fazer. A vida corre lá fora afogando todo mundo em contas pra pagar e nem espera o fim do mês para isto. As pessoas têm que correr de um lado para o outro, perdidas, trabalhando sem descanso, para prover o mínimo dentro de casa. Não têm tempo para a escola. Não há tempo, quando a escola convida pais para reuniões às quatorze horas da tarde. As pessoas trabalham e, se forem à reunião, perdem seus empregos. Donos de supermercados e comércios em geral não andam muito preocupados em manter funcionários empregados, tampouco em saber da vida escolar de seus filhos.
Quero lutar por uma escola pública que ofereça aos funcionários uma forma digna de trabalho. Mas isto pressupõe que cada um faça o seu serviço com perfeição e solicitude, o que implica fazer o seu sem vigiar o que é função do outro. Significa cumprir seus horários pontualmente, sem comparar-se àquele que não o faz, e o que é ainda pior, tomar este que não faz como exemplo a seguir. Significa dar o melhor de si diante do grupo, diante do seu superior, diante dos alunos. Estes sim, frutos das famílias que mesmo que não existam em sua forma tradicional pagam os impostos que lhe garantem o salário ao final do mês.
Quem vem comigo nesta luta?
Quero lutar por uma Educação de Jovens e Adultos que ofereça perspectivas positivas de futuro à clientela. Quero ver os velhos lendo e escrevendo, compondo suas histórias nos registros, antes que a memória lhes falhe. Quero ver os jovens verdadeiramente “correndo atrás” do tempo perdido, vislumbrando caminhos, alegres, e associando esta nova forma de ver a vida à Escola. Quero dar por findada a necessidade da EJA na minha cidade. Oferecer a modalidade em período diurno para atender àquela mãe que, apesar de perceber a distorção idade/série de seu filho, teme por permitir que ele estude à noite... Mas, para isso, precisaria de uma escola comprometida com o ensino noturno, com a dinâmica evidentemente diferenciada no trabalho com jovens e adultos. Precisaria de uma comunidade escolar com perfil voltado para este fim, e não de professores que optassem pela facilidade da “vertical” na montagem de seus horários de trabalho.
Ah, a alfabetização! Quem vem comigo no sonho de ter crianças alfabetizadas – no real sentido da palavra – ao final dos primeiros três anos de escolaridade? Efetivamente prontas para ler e escrever o mundo, para criticar, para justificar, para interpretar, para pensar?
São tantos os planos! E não sei se falar sobre cada um deles fará por diminuir a quantidade dos sorrisos. Espero que sim.
Prefiro dizer logo – se é que falta alguém entender o óbvio – que nunca estive na Educação à toa – nem nos bancos da sala de aula, nem no tablado, nem nas mesas de secretaria de escola, muito menos agora, diante da  janela de vista bonita. Gosto de trabalhar, de queimar neurônios pensando em como fazer melhor, de perder noites de sono anotando ideias, e de sonhar, sonhar muito, sonhar alto!
Estou feliz onde estou. Impossível negar. Causa-me algum desconforto, é certo, saber que mesmo “estando” não consigo realizar tudo o que quero. E que as barreiras às vezes vêm de onde menos se espera. Mas quem olha para aquela vista bonita da janela é a Karla Pontes. É quem é, não quem está. E da janela vejo uma Iguaba tão bonita que estufo o peito de orgulho por ser cidadã daqui.
Quem vem comigo nesta luta? Eu sei bem, quem vem.
Vem comigo dois tipos de gente: os que já vêm há algum tempo, mesmo sem saber pra onde vou. Os que estão comigo. Os parceiros. Os que matam a saudade num abraço forte, nas mãos dadas, nos e-mails carinhosos, nuns sorvetes lambuzados, nuns almoços de improviso... Aqueles que às vezes me pedem, brincando, pra sair de perto, de tanto que se sentem empolgados quando falo sobre as possibilidades de fazer acontecer algo de bom. Aqueles a quem chamo e dizem “vou”, sem saber a direção, como faz Antônio quando estendo a mão e ele a segura com força, na rua, sem sequer saber onde irei levá-lo. Ele confia. Pronto! Vai comigo onde eu for. Vêm comigo, os meus Antônios...
O outro grupo é formado por quem me conheceu agora, e já comprou “a briga”. Estar do meu lado (distantes ou próximos) nem sempre é fácil... Mas vêm comigo, e não hesitam. E eu já sei quem faz parte deste grupo. Adoro novidades. Gente nova (não importa a idade), oxigênio a alimentar a minha vida!
Essa gente toda – não são muitos, mas é o suficiente! – é que garante o meu tesão por trabalhar, por viver! E nem sempre está sorrindo pra mim, muito menos recebendo meus sorrisos. Às vezes eu atravesso essa gente toda com meus choros, minhas quedas de Dona Aranha...
O convite está feito. É trabalho à beça. Mas dispenso fingimentos. Vem quem quer, mas que venha pra fazer, pra somar, pra crescer. Porque do meu lado não tem lugar para gente que não gosta de trabalho e, à beira de completar quarenta e quatro anos, posso orgulhar-me em dizer que já sei identificar este lodo de gente que acha que sorrindo me engana. Estou ligada, fique certo! E agora, quem vem?

8 comentários:

  1. Eu vou! Pq "sou" com vc, sempre! Por sua competência, inteligência, perspicácia, cumplicidade, sinceridade, alegria.... E tantas outras características q venho dizendo desde qd a conheci. Ah, só tenho uma restrição nesta minha "ida". A palhaçada do ápice. rsrsrsrs
    E qt a quem pensa q te engana com sorrisos, não há como dizer outra coisa senão: MORRAAAAAAAAAAAAA, Cambadeburro!!!!!!Rsrsrsrsrsr
    Amo-te, flor! Tamu junto!

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    1. Kkkkkkkkkk... Quanto ao ápice, cada um que puxe a brasa para a sua sardinha... Morro ápice! rsrsrsrs.
      Beijos.

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  2. Hoje estive diante de um homem que deve ter a nossa faixa etária, e que sempre faz serviços de marcenaria aqui em casa. Praticamente todos os móveis aqui de Saquarema foram produzidos por este homem. Ontem ele me pediu o favor de digitar um contrato de serviço, pois o contratante exigia que todos os acordos fossem por escrito. Marquei para hoje, pela manhã, e só pedi para que trouxesse o texto referente ao contrato. Como combinamos, pontualmente, ele chegou trazendo numa bolsinha plástica o que pedi. Humildemente entrou na minha sala e puxou da bolsinha um papel amassadinho, escrito com letras do tipo bastão, e já foi me pedindo desculpas por não saber escrever direito. Não vou ficar aqui descrevendo o que li, e nem a dificuldade que tive para transpor do papel para o computador todas as palavras do homem, marceneiro e criador da maioria dos móveis da minha casa, mas quero falar da EJA. Não parei de pensar nisso um segundo do meu dia de hoje. Esses são os alunos da EJA, homens e mulheres trabalhadores, honestos e inteligentes, pra mim, pois viver nesse mundo letrado e, cada vez mais exigidos pelos símbolos e códigos que desconhecem, não é para qualquer um. E são esses homens e mulheres que buscam a EJA. Lá encontram conteúdos aligeirados, oriundos do ensino fundamental regular, alfabetizações capengas e arcaicas, muitas vezes ministradas com folhinhas que sobraram da turma do diurno, com direito aos palhacinhos, bichinhos e soizinhos, com carinhas trites ou felizes. São esses homens e mulheres que buscam a EJA, e que lá encontram um professor que optou pela facilidade da vertical na montagem do horário, ou pelo trabalho noturno para dar conta do terceiro ou quarto vínculo. O professor também é trabalhador! E sem políticas públicas sérias e éticas, produz, e é produzido. E são esses os homens e mulheres que são reprovados em Inglês, por não saberem o verbo to be, embora saibam fazer rack de madeira lindo pra enfeitar a sala. Se o professor não tivesse insistido tanto no verbo to be e tivesse ensinado ao homem marceneiro, que rack não se escreve (requer), certamente, pela força da curiosidade e da necessidade, o homem marceneiro talvez não precisasse da reprovação, pois rack ele sabe fazer, só não sabe escrever. E que história tem por trás desse homem? Será que não quis estudar? Será que não pode? Não pode por que? Trabalhava quando criança? A escola era distante? Será que ficou reprovado muitas vezes nos três primeiros anos de escolaridade, e por isso desistiu, vestindo a camisa do fracasso? Fracasso de quem? Eu vou!

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    1. Bora, então, fazer as perguntas a eles, que tal? Professores que tapem os ouvidos. Eles - os professores verticais ou 4º vínculo - que se encham de vergonha... As histórias deles, dos alunos, são muito mais bonitas, talvez menos sorridentes... Talvez avistar trabalho não signifique voto. Eu sou, não estou. Bjs.

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  3. Amiga, lá se vão 10 anos na SEME e, assim como você, estava nos meus 42 anos de energia, sonhos, delírios...pois bem, posso dizer que muitos desses sonhos já são realidade, outros se perderam nos delírios e minha energia continua a mesma, olhando pra trás vejo o quanto valeu a pena acreditar. Por isso digo a Karla Pontes que conheci e aprendi a respeitar e admirar como profissional e depois como pessoa (foi essa a ordem você sabe), pode apostar e lutar pelo que acredita, aliás temos mais ou menos os mesmos ideais, não desista e nem desanime. Os sorrisos falsos nunca deixarão de existir, a nossa resistência também. Força na sua caminhada. Bjs

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  4. Espero não ter passado a ideia de possível desistência. Se o fiz, errei ao me expressar. Obrigada pelo seu testemunho, Mariza, ele só confirma minha certeza de que farei o melhor, estando onde estiver. Parabéns pela luta! Bjs.

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  5. Conte comigo, porque eu vou! Tenho razões, motivos, partilhas profissionais e de vida suficientes para caminhar contigo. Sonhar e lutar por uma educação pública de qualidade, é possível. Se ainda não contagiamos o todo, permaneçamos unidas e unidos aos que acreditam, aos que se empenham, aos que acreditam... Na união dos pares, nos fortalecemos para desconstruir a falsa ideia de que as coisas não tem jeito. Vamos que vamos porque quem não tem perfil é que precisa sair.

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    1. Vamos deixar um bocado de gente na estrada... Onde quer que estejamos!

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