domingo, 1 de julho de 2012

Orgulho é suicídio

(Uma casa com dois quartos, uma briga de casal. Batalha travada: Orgulho X Amor. Quem morre? Cada um, um pouquinho a cada dia.)


A casa deles tem dois quartos. Agora, cada um ocupa um.
Brigaram há quinze dias. Motivo fútil. Ao menos para mim, que estou de fora: ele chegou tarde demais do trabalho, e seus argumentos não a convenceram...
Acontece que para aquela noite ela havia preparado uma rotina diferente. Quis fazer-lhe uma surpresa... Comprou ingressos para o Teatro Municipal da Cidade, para assistirem à nova roupagem da peça que assistiram juntos quando eram namorados.
Hoje eles estão comemorando doze anos de casados.
Acontece que para aquela noite ele havia preparado uma rotina diferente. Quis fazer a ela uma surpresa... E tendo rodado quarteirões em busca do buquê mais lindo de flores que desejava encontrar, acabou por enfrentar um trânsito incomum na Rua Principal, por conta de um caminhão que tombara na pista. O vendedor de flores fechou a barraca. E ele chegou em casa com as palavras, mas sem as flores...
Não havendo mais tempo para a ida ao Teatro, ela trancou-se no quarto, chorosa. Ele foi para o outro, o que costumam usar como biblioteca. E está lá há quinze dias.
A primeira noite que passou sozinha depois de casada, ela achou estranha: muito espaço na cama, travesseiros demais, pouco sono, muito frio. E demorou a dormir. Enquanto secava as lágrimas no percal deu-se conta de que chorava à toa. Na verdade, acreditara na história contada pelo marido. Mas quis manter, orgulhosa, a postura da mulher que se julga enganada. Tinha estado com uma amiga há dias que lhe aconselhara a “abrir os olhos”...
A primeira noite de solidão dele também não foi diferente: ajeitou-se mal no sofá-cama: seus pés ficaram de fora. Tentou cobri-los, mas a manta era menor que seu tamanho. As almofadas não substituíram bem os travesseiros de costume. Leu alguns livros, assistiu à TV, pensou nela. Sentiu saudade. Ensaiou desculpar-se, novamente. Resistiu, orgulhoso (um de seus amigos falara na hora do expediente de trabalho, que com mulher o homem deve ser durão). E dormiu, na hora do seu programa preferido.
Eles nem sabem, mas estão bem de amor, mas mal de amigos.
Os dois sobreviveram após a primeira noite. E estão sobrevivendo, quinze dias depois. Seus corpos doloridos dos sonos agitados, nada relaxantes. Os corações doloridos do peso do orgulho insistente. As bocas secas, solitárias. E as duas criaturas endurecidas habitam na mesma casa sem saber por quanto tempo serão um só.
Orgulho é suicídio. Eles estão se matando e nem percebem... Todas as vezes que ela lhe vira as costas num movimento repetitivo do cotidiano da casa ele aproveita para observá-la: está cada dia mais bonita! Cortou um pouco os cabelos, o que lhe enfeitou ainda mais o rosto. E embora evite qualquer contato, é impossível não perceber o seu perfume...
Quando ele está distraído é ela quem o observa: a força dos músculos, o porte, o jeito de beber água com a porta da geladeira aberta... Ele está cada dia mais bonito! Fez a barba, e aquele tom azulado no rosto a faz suspirar. O cabelo molhado depois do banho...
Ela está triste. Ele também. Os amigos, felizes.
Observando o simultaneamente o calendário – ela num quarto, ele no outro – verificam que o distanciamento já completa o décimo sexto dia e que, justamente hoje, comemoram doze anos de casados. Sentam-se, ao mesmo tempo, pasmos, ela na beira da cama, ele no braço do sofá. Relembram a noite em que brigaram... Recordam os conselhos que ouviram dos amigos... E uma saudade sobressaltada no peito faz com que se deem conta da besteira que fizeram. Estão destruídos pelo orgulho que teimaram abrigar no coração por este tempo todo. E não querem mais saber deste sentimento que lhes esvaziou o peito.
Ele toma a iniciativa. Levanta-se, arruma-se, passa a mão no cabelo e gira a maçaneta da porta do quarto onde está, decidido a tomá-la nos braços. Nem caminha. Dá de cara com ela, do outro lado da porta, sorridente, linda! 
O amor é vida, e vence – sempre! – a batalha com o orgulho. Resta-nos permitir que lute.

2 comentários:

  1. O que eu tiro de lição desse lindo texto é: não devemos ouvir os conselhos de certos “amigos”, pois isso só nos atrapalha enxergar a verdade. E se errarmos ao julgar alguém injustamente devemos deixar o orgulho de lado e pedir perdão. Enfim, “O amor é vida, e vence – sempre! – a batalha com o orgulho. Resta-nos permitir que lute.”
    Além disso, quem já não perdeu ou quase perdeu uma amizade, um grande amor ou algo que desejava muito ao dar "ouvidos" à falsos amigos.
    Amei o texto!!

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