Estive
no Rio de Janeiro, ontem.
É um
passeio lindo ir ao Rio de Janeiro! Desta vez, então, saí de casa munida da
minha Sony e do meu precioso bloquinho de anotações, porque diante de tudo o
que vi, e pela maneira como enxergo as coisas, minha memória – nada digital! –
falharia, certamente. Aconcheguei-me no banco do carona, saquei da bolsa minhas
armas companheiras e comecei a rascunhar e a fotografar minhas impressões... Os
rascunhos estão, agora, ao meu lado. Vou tentar “descobrir” o que registrei em
letras tão trêmulas quanto o coração de quem as escreveu: emoção.
Adoro a
mistura de presente e passado que compõe o Rio!
Atravessando
a Ponte Rio-Niterói, olhando para os lados, vi os navios desbravando as
águas... Os navios da Marinha, os petroleiros, as embarcações de grande porte
que rompem as fronteiras... Há muitos anos atrás uma aventura como essas
deu-nos origem: Cabral “descobrira” o Brasil! Olhando para o alto, vi o céu
sendo cortado por aviões maravilhosos, reluzentes! Estamos diante, abaixo, em
frente, atrás, acima da inteligência humana, dom maravilhoso de Deus! Não há
limites para o que o homem é capaz de criar! Todas as máquinas “top de linha”
dividem o cenário-margem da Ponte com a história do Brasil: prédios seculares
mantém-se erguidos nas ilhotas, lembrando-nos de que um dias fomos reis e
rainhas...
Estamos
diante da inteligência nada contemporânea, porém concedida por Deus, na mesma
medida, a Santos Dumont, a Jouffroy, ao meu filho: no carro, Antônio distrai-se
explorando as possibilidades do seu Nintendo 3DS. Tira fotos, modifica, desenha
sobre o que fotografou, joga novo jogo, ouve sons diferentes, experimenta de
tudo numa maquininha que não mede mais do que vinte centímetros... No painel,
um aparelho de CD – fruto da inteligência de um outro homem qualquer –
convidava dois velhos (eu e o pai de Antônio) a deliciarem-se ouvindo música,
coisa que nos foi impossível fazer durante muito tempo, estagnados que ficamos
diante do “troço”: não soubemos como ligá-lo, tamanha era dificuldade de mexer
na engenhoca!
Era a
história narrando-se por si mesma, aquele passeio que superficialmente parecia
geográfico. Por alguns instantes aqueles navios transformaram-se em caravelas,
enquanto eu pensava no homem negro que construiu as ruas do Rio por onde nós
três iríamos passar em breve. Deixei meus pensamentos caminharem, e fiquei
pensando na escolha da cor de pele: branco manda, preto trabalha. E por ter
nascido preto trabalhou tanto aquele homem, sofreu tanto, morreu tanto e, por
mais que tenha feito o chão por onde pisaram todos os brancos que vieram na
sequência, tudo o que conseguiu foi deixar o legado de dor, perseguição e
discriminação a toda sua geração futura. Neta de negro, sei bem o que é isto.
A
inteligência de Karl Benz não me deixa ver nada direito. Quero anotar tudo o
que vejo, mas vejo pouco a cento e trinta quilômetros de velocidade por hora. A
Ponte não para: carros estrondam as buzinas se se reduz a velocidade. As
pessoas têm pressa. Ônibus transportam pretos e brancos cansados do trabalho,
confundindo minha cabeça em relação à história... Hoje somos iguais. Somos
iguais? É possível que algum branco, mesmo dependurado num daqueles ônibus
apinhados de gente multicolor,
julgue-se uma sardinha enlatada de melhor qualidade, só por não ser uma
sardinha negra...
Uma aula
de história, à minha maneira, confesso. Mas eu só falava comigo mesma, Antônio
e o pai dele não souberam das minhas maluquices, embora de vez em quando olhassem,
de canto de olho, para o papel onde eu rabiscava palavras soltas...
Terminada
a passagem pela Ponte, no Cemitério do Caju, aquela beleza do que não há mais: a
inteligência do homem que arquiteta túmulos que guardam os mortos, e cedem
espaço para as árvores. Um amarelo amarronzado mistura-se com os diferentes
tons de verde da natureza... Espaço enorme, enorme! E a miscelânea
vida-morte-vida aguça meus sentidos. É lindo, aquilo!
Descendo
a caminho do Centro, fico diante daqueles prédios maravilhosos, que contam a
vida-morte-vida dos escravos que não tiveram a sorte de se perpetuarem no Caju
e ficaram perdidos, mortos entre as próprias pedras que carregaram... Os
prédios distinguem-se somente pela conservação: uns restaurados, tão bonitos
que dá vontade de morar neles. Outros completamente pixados, depredados,
abandonados. Não consigo entender... Aquelas construções grandiosas, destinadas
às famílias que, a despeito de terem a mesma medida que qualquer ser humano,
criam-se maiores, a ponto de precisarem de portões de mais de seis metros de
altura, pés-direitos semelhantes, portas e janelas de tamanhos inacreditáveis!
E a inteligência – a misericórdia de Deus – fazendo-se presente na criatividade
do artista e nos músculos de quem fundia o ferro, materializando a ideia. As
construções esplendorosas servem de abrigo aos mendigos, restos dos escravos
que as ergueram. Passando por elas ontem, tudo o que vi foram cobertores sujos,
roupas penduradas em cordas, garrafas de cerveja e muito papelão em locais onde
se misturavam adultos, crianças, ratos e cachorros...
Tendo
passado pelo “Templo da Felicidade” do que é humano nesta Terra, assustei-me ao
ver a quantidade de homens – desta vez não pretos, porém da mesma forma
escravos – que trabalhavam na reforma do “Sambódromo”. Acordei: o carnaval está
chegando! E tudo o que importa, agora, aos homens que elegemos gestores da
cidade e do país, é servir o carnaval àqueles que podem alimentar-se dele. Ali
brancos assistirão ao rebolar dos pretos, desejarão os pretos, as pretas, e o
inferno estará decretado: quatro dias de folia, onde ninguém é de ninguém...
Até que
me vi diante de uma inteligência humana que chega a incomodar-me todas as vezes
que a experimento: os túneis! Acima deles, as favelas. Quem sustenta quem? Como
pode ter o homem conseguido tecer tal maravilha, objetivando atravessar as
montanhas, aproximar as pessoas? Quilômetros de escuridão até que se chega à
luz do outro lado, luz de outro bairro, luz de outro mundo... Há quanto tempo
estão lá, meu Deus! Que engenharia, que arquitetura, que inteligência! Que
cenário bonito de ver, aqueles túneis com suas casinhas coloridas sobrepostas, ilustrando
a cena que pintor nenhum imaginaria compor! É lindo, lindo! Fantasia para
Antônio – a de passar naquele breu – e esplendor para mim: fantástica invenção
humana, a dos túneis!
O
passeio foi todo monitorado por um Cristo que abençoa a todos: pretos, brancos,
amarelos, verdes, azuis... De braços abertos, é surpreendentemente obra de um
homem, também. Construído numa época que multiplica os nossos cálculos quando
pensamos nas dificuldades de acontecer. Mas aconteceu, porque era intenção de
Deus. E se “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”, como diz Pessoa. Está lá,
naquele caminho de jaqueiras inexplicáveis, a deixar Antônio de boca aberta e
seus pais, com água na boca...
Antônio
adormeceu, na viagem de volta. Depois de algum tempo, conseguimos colocar para
funcionar o aparelho de CD. Despedimo-nos de um Rio de Janeiro que vi pelas
janelas do carro. Deixei lá uns pivetes, uns mendigos e, paradoxalmente, uns
velhinhos e umas crianças nas calçadas de Copacabana... Ficaram por lá uns
prédios medonhos e, paradoxalmente, uns prédios maravilhosos! Uma gente
extremamente pobre, e uma outra extremamente rica. Ficou o velho e o novo, o
doente e o são, o passado e o futuro. Ficou o Rio de Janeiro, sob os braços do
Cristo Redentor, aguardando a nossa volta.
Sugestão: No seu retorno ao Rio de Janeiro, vá visitar Grumari depois da Barra da Tijuca António ficará apaixonado!!!!Bjs!!!
ResponderExcluirPassamos por lá, também... Mas se eu descrevesse aquela maravilha... viraria um Livro!!! ;)
ExcluirInfelizmente, ainda não conheço o Rio de Janeiro, porém estive junto, neste passeio. Foi um texto muito bem relatado, está de parabéns. Estou contente por ter me tornado seguidora deste blog. Até!
ResponderExcluirFique por perto, Rita! Seja muito bem-vinda!!! Fico feliz em ver que você visitou o RJ pela leitura! Obrigada pelo carinho!!!
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