sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Perspectivas

(Quero ver a vida sob a mesma perspectiva que Antônio... Hoje ele me ensinou que é mais feliz quem é menor.)
 

Ontem Antônio deu novo nome à minha amiga Guiomar: “Aquela gigantesca”, foi a expressão que ele usou para referir-se a ela.
Hoje pela manhã, quando passamos em frente à casa à venda no quarteirão seguinte ao nosso, ele me falou que queria comprá-la para morar nela. E, diante da minha surpresa, disse-me que ficaríamos próximos, já que era só “descer a montanha” e visitarmos um ao outro...
Nossa casa fica na subida da rua, sim, mas nada que aos meus olhos se aproxime de uma montanha. Isto porque tenho olhos de adulto. Eu cresci. E, agora, eu e Antônio vemos as coisas por perspectivas diferentes: Guiomar é gigantesca e montanhas separam os quarteirões da nossa rua. Bem mais gostoso ver assim, não é?
Aí, eu fiquei pensando, pensando, depois daquele mais novo ensinamento de Antônio... E tendo pensado, pensado, descobri que somos os donos do mundo. Mas isto acontece só enquanto somos crianças...
As crianças são menores que tudo. Veem-se menores e, justamente por isto, respeitam os espaços que habitam. Têm medo da sombra que cresce na parede quando falta luz e acendemos velas... Têm medo de gritos... Têm medo de alguns colos, dependendo de quem as erga. Eu, por exemplo, morria de medo do colo do meu tio Telém. É que ele me suspendia pelos cotovelos – coisa estranha! – e me levava lá em cima, eu sempre achava que aquilo não ia acabar, que nunca mais eu estaria no chão novamente.
O respeito das crianças pelo que lhe é maior é que dá movimento à vida. Movimento harmonioso, movimento divino. E tudo é muito mais simples e digno quando se reconhece a própria insignificância diante do mundo.
Mas as crianças crescem, e tornam-se isto que somos nós. Dá até vergonha de perceber que um dia fomos melhores...
Na ânsia de crescer, de deixar de ser criança, a gente começa a se projetar maior que o mundo. E é aí que nos perdemos. Hoje Antônio me ensinou isto, a aula de hoje foi esta: melhor ser menor.
O homem deixa a criança de lado, para trás, e não percebe que seu crescimento físico o limita aos 1m 80cm de altura (alguns vão um pouco além disto). Então, sua soberba o faz mirar o espelho e ver-se maior que o mundo. É quando vê as coisas menores do que ele que se perde, que encontra o inferno, posto que se despede de Deus. Aí o homem vê Guiomar “nem tão alta assim” e vê que não há montanha alguma na minha rua. E tudo vai por água abaixo...
Ele passa a ser maior que o outro, e não importa se o outro é um animal, uma vegetação, ou seu próprio irmão ao lado. A sua serra elétrica é maior do que o jequitibá, seu facão maior do que a baleia, sua palavra maior do que seu próximo.
Ouvindo Antônio, eu visualizei a verdade. Talvez hoje eu tenha aprendido um pouco mais sobre o que é viver. Obrigada, meu filho! Na imagem que criei, um menino está no espaço observando a Terra tão absoluta, tão milhões de vezes maior do que ele! E este mesmo planeta é observado, simultaneamente, por um homem maior do que ele...
O homem cresce para destruir as coisas. Uma pena! Imagina se crescêssemos com o coração tomado pela alegria, pela esperança e pela inocência que tínhamos quando caíram nossos primeiros dentes de leite!... Mas as coisas vão acontecendo de forma contrária, nosso coração se fecha, nosso sorriso se finda, nossos dentes permanentes rompem com tanta força em nossa boca que parece que um dia será preciso morder alguém. Desconfiamos das pessoas, julgamos precocemente as atitudes dos outros, não perdoamos as falhas, não pedimos perdão... Somos muito grandes para isto, isto é coisa de criança... E nossos pais são culpados, essas frases são deles, e a gente sabe de tudo isto mas ensina também aos nossos filhos. Reproduz a fala: homem não chora, pedir perdão é humilhação, perdoar é mostrar fraqueza, sorrir é dar confiança... Não é mesmo assim?
Nada mais pode ser feito depois que a gente cresce. Enquanto isto, um Criador desolado sacode negativamente a cabeça vendo a criatura praticando exatamente o oposto do que Lhe agradaria o coração. Deus nos quer pequeninos, quer que diminuamos todos os dias, porque Ele quer crescer dentro de nós...
A força do mar às vezes dá uns sustos no homem. Os ventos também. Vulcões entram em erupção para lembrar ao homem de que existem, de que estão só adormecidos...  Chuvas causam estragos. Um sol de lascar ferve os miolos e mata gente. Animais ferozes de vez em quando se apresentam àquele que faz de conta que os esqueceu.
Homens não são maiores que leões, tampouco melhores que urubus. Muitos, muitos deles são inferiores a qualquer espécie animal.
Nessa perspectiva desigual quero reaprender a olhar as coisas. Quero me tornar menor que Antônio, quero pôr por terra tudo o que em mim está impregnado de preconceitos por conta de eu achar que cresci, que não sou mais criança.
Um dia a terra engole o homem (e não é que engole mesmo?), e o que há? De tão grande que se tornou, merecerá apenas um gasto maior nos custos de seu próprio enterro: uma cova funda e larga, na medida do tanto que cresceu.
Deus me permita enxergar Guiomar lá no alto... E descer quatro montanhas para chegar à lagoa...
Eu só queria ser criança, ser pequena, ser dona do mundo. Perspectivas revelam e distinguem seres humanos. E eu quero ser uma criança. Porque os pequenos sabem o segredo da vida. E porque os grandes não sabem de coisa alguma. Não são dignos de Deus.

2 comentários:

  1. Nossa muito forte amiga!!!!
    E porque os grandes não sabem de coisa alguma. Não são dignos de Deus.

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  2. Pois é. Eis o que penso sobre aquele que se julga maior do que o outro...

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