Estou farta
desta campanha em prol da redução da idade para se responder a crimes cometidos.
Há pouco se falava em dezesseis anos, agora já ouço falarem em quatorze, um
amigo dia desses me sugeriu treze... Ontem li uma reportagem onde alguém – com quem,
finalmente, me identifiquei – propunha, ironicamente, seis anos, já que
criminosos “já sabem se vestir nesta idade”.
Ao Estado
não cabe nenhuma responsabilidade? Onde foi que guardaram a Constituição Federal?
Revolta-me
discutir um assunto como este, porque sou professora. E não é demagogia o uso
deste espaço. Eu já revelei minha vergonha de ser escola em mais de um texto
por aqui. Já disse que me sento ao lado dos réus em seus bancos, como que me
redimindo da parte que me coube quando, tendo aquele menino ou aquela menina
diante de mim, dentro de uma sala de aula, nunca os percebi. Falhei, e minha
falha somou-se às tantas outras que construíram o monstro julgado e condenado.
Mas hoje não
quero colocar única e exclusivamente na minha conta, na conta do meu amigo
professor, a violência que assola o país. Não. Quero desabafar o meu nojo pelo
que vejo na mídia...
Brasília foi
construída com o dinheiro dos meus pais. Deram o ouro que possuíam pelo
progresso do país. Para que o Distrito Federal fosse erguido, muitos ficaram
pobres. Todo mundo em uma época da história se esqueceu que havia um Brasil
inteiro se refazendo dos resquícios das Guerras, e resolveu construir uma
cidade. Simples assim. Construíram Brasília.
Décadas
depois sumiram com os mendigos do Rio de Janeiro quando resolveram que a Cidade
Maravilhosa seria palco para a Eco 92. Até hoje não sei para onde foram os
mendigos. As reuniões terminaram, e eles não foram devolvidos ao Rio. Outros
vieram, obviamente, até por conta das despesas que a Eco gerou.
Agora, a
bola da vez é a Copa. Lá está o Brasil, preparando-se para receber o mundo.
Vergonha e
asco. Vamos reduzir para seis anos, então, mesmo, a idade para se punir o
crime, porque não resta dúvida de que meninos e meninas de seis anos estarão no
entorno dos hotéis e estádios, das orlas, pousadas e restaurantes, fumando
crack e assaltando turistas e moradores locais.
Cadê a
escola pública de qualidade? Cadê o hospital público de qualidade? Cadê as
casas de reabilitação? Cadê a justiça? Cadê a punição? Cadê a vergonha na cara?
Isto ninguém
procura. Compartilhamos o desejo de ver meninos presos naquilo que chamam de
cadeia, mas não compartilhamos o desejo de ver educação verdadeira acontecendo
do lado de dentro das escolas onde, por vezes, nós mesmos trabalhamos.
Ora, uma
família que não sabe o que significa fazer três refeições por dia, que não sabe
que estas refeições devem contar com, pelo menos o arroz e o feijão, uma
família que não conhece o valor da palavra dignidade, não pode ser punida se
gerou um assassino ou um ladrão, ou um traficante dentro de casa.
A mídia está
lá: “compre, compre, compre, compre...”
É quase como se dissesse: “se não tem o
dinheiro para isto roube, roube, roube, roube...” Quase como se dissesse: “se precisar de mais dinheiro trafique,
trafique, trafique, trafique...”
E quem é o
pai ou a mãe que está ao lado de seu filho quando passa a propaganda? E, ainda
que esteja ao lado do filho na hora da propaganda, quem é o pai ou a mãe que
saberá como “desinfluenciá-lo”? Onde estão as palavras para convencer e ganhar
a concorrência? O garoto está assistindo à TV porque não teve aula. O governo
não paga um salário justo ao professor, é preciso que a greve se deflagre. O
governo vem à mesma TV para dizer que o professor “ganha muito bem, porque só
trabalha quatro horas por dia”. O pai e mãe, deseducados porque também vítimas
da ausência da escola, concordam com o governo. Dão seus ouros, ficam dentro de
casa até a Eco acabar, e esperam ansiosamente pela Copa do Mundo.
Não, gente,
o pensamento não é este! Lá atrás a LDB previa escolas em tempo integral! Será
que se o dinheiro que se investe nos bolsos nos políticos inescrupulosos fosse
investido em reais condições de permanência da criança na escola por sete horas,
não teríamos mudanças nos comportamentos da sociedade que preparamos enquanto
educadores? Será que se a escola – a pública, a de qualidade – se debruçasse,
com condições para isto, sobre a realidade da comunidade em que está inserida,
e desenvolvesse um trabalho consciente, responsável e preventivo, não teríamos
diminuído o número de réus nos bancos dos Fóruns? Será que estou ficando louca?
Então, Karla
Pontes está louca. Deixemos isto pra lá. Vamos colocar o tênis Adidas nos pés, quer
seja trabalhando loucamente para comprá-lo ou assassinando o rapaz de dezenove
anos no portão de sua casa. Vamos viver a “surrealidade” da vida, ainda que nos
drogando para tal. Vamos aderir à moda e encher de piercings e tatuagens o
nosso umbigo, pouco importando se o dinheiro para pagar a tatoo tenha advindo
da carteira do nosso avô, morto na porta do banco no dia em que recebeu a
aposentadoria.
Quer saber?
Políticos corruptos blindam seus carros. Pagam caro para isto. Resolvem o
problema da insegurança de se viver no Brasil morando no exterior. Não assistem
à TV, não acompanham as novelas. Isto eles deixam para o fruto da escola fazer.
O pobre, o alienado, o que é mais fácil de deixar-se convencer. Aí, ele oferece
uma escola particular um pouco mais em conta, para que você matricule seu filho
lá, e esqueça a ideia de lutar pela melhoria de condições da escola pública onde
seu filho estava. Aí, ele oferece um plano de saúde mais em conta, para que
você o adquira, e esqueça a ideia de lutar pela melhoria de condições do
hospital público onde levava seu filho. Aí ele embolsa o dinheiro, e oferece
uma super, hiper, mega cidade ou apadrinha uma Copa do Mundo, para você se
divertir.
Todo mundo
tem culpa neste cartório chamado Brasil. Mas nós, cidadãos, contribuintes,
temos menos culpa, diante daquele que elegemos e agora ri da nossa cara, com todos
os dentes na boca, enquanto sorrimos desdentados para nossos alunos
desdentados, também. Nós elegemos os fazedores das Brasílias de todos os dias.
E elegemos quem disse sim à Copa no Brasil. Onde estão aqueles que prometeram,
nos cinco minutos de propaganda eleitoral gratuita, olhar por nós?
Tudo poderia
ser bem diferente. Sou professora, e o que não dá é para eu aceitar que sejam
punidos, cada vez mais novos, aqueles para quem o Brasil vira as costas desde que
nascem. Fácil, assim, não? Impunidade gera bandidos. Os exemplos têm vindo cada
vez mais de cima. Só não vê quem não quer.
Brilhante seu texto amiga Karla! Mas andei pensando na redução da idade penal (de 16, 14, 13, 6...) e percebo que já existe outra proposta em pauta: a pena de morte ao que ainda nem nasceu. Afinal de contas, para que deixar nascer uma criança que será completamente negligenciada socio-economicamente? Seria mais fácil nem deixar ela nascer?! Como você mesma colocou em seu texto, "quanto antes melhor... para quem"? Apenas eu ou mais alguém percebe a semelhança entre as propostas que isentam a sociedade de seus compromissos? Estamos vivendo o auge do consumismo, o ápice do individualismo motivado pelo capitalismo e a alienação do homem perante sua própria espécie. Neste contexto, a "solução" sempre parece apontar para lavar as mãos (mesmo que seja com água suja).
ResponderExcluirBrilhante seu texto, amigo Wellington! (rs) Ando ficando preocupada com a reação das pessoas... Restou-me gritar, escrever...
ExcluirBom ver vc por aqui!