domingo, 26 de maio de 2013

Recuos

(Para quem acredita num Deus fiel, recuos são impulsos.)


Acho que, em alguma situação da vida, todo mundo já ouviu aquela célebre expressão: “Minha estrada eu caminho como um automóvel sem retrovisor. Não quero olhar para trás”. Eu também já ouvi. E por algum tempo andei com ela na ponta da língua, toda prosa, crente que estava dizendo alguma coisa importante...

Até que um dia, há uns dez anos, precisei fazer a minha primeira viagem na estrada – percurso Iguaba Grande X São Gonçalo – dirigindo sozinha. Carteira de motorista fresquinha – acho que ainda naquele primeiro ano “experimental” – e um medo terrível! Liguei, então, para o meu pai. E de um orelhão de esquina ouvi a voz da experiência me dizer: “Venha devagar, e não se esqueça de que, na estrada se olha mais para os retrovisores do que para a frente, praticamente”.

Meu pai punha por terra a frase que eu ouvira e repetira tantas vezes! E meu pai estava certo. Como pode ser, não é? Eles sempre estão!

É o olhar para trás que garante a viagem segura na estrada. É o espelho retrovisor que nos avisa do carro acelerado que pretende a ultrapassagem que, se não percebida, pode causar-nos o acidente. É também através dele que verificamos se podemos ultrapassar o carro que está diante de nós.

Hoje já não digo mais nada sobre a “dispensa” ao retrovisor. E já não reajo mais quando alguém reproduz a famosa frase. Estão errados, eu penso, e um dia descobrirão que estão.

Aí, veio uma outra descoberta: o recuo. Afoita por começar a fazer as estripulias no trânsito, excitava-me com as possibilidades de acelerar e “cortar” os carros mais lentos. E, testemunha do meu processo de aprender a dirigir, o pai de Antônio me ensinou que o melhor a fazer quando se quer ultrapassar um carro, é desacelerar para ganhar força no motor. Em alguns casos até reduzir a marcha. Meu Deus, eu pensava ser loucura o que ele me dizia! Mas experimentar trouxe-me a certeza. Se eu reduzo a velocidade, faço tudo melhor.

Sempre que vou a casa dos meus pais tem novidade por lá: gatinhos filhotes. Meus pais adoram bichos – graças a Deus! – e nunca resistem aos filhotinhos. Por saberem disto, alguns vizinhos costumam colocar diante do portão da casa dos meus pais um ou outro filhotinho, seja de cachorro ou gato. Eles os acolhem, dão-lhes comida, carinho e conforto, e os hóspedes ficam para sempre...

É sempre gostoso observar os gatinhos brincando. Um com outro, sozinhos com bolinhas de papel, embalagens de biscoito – fazem barulho, eles se divertem! – cadarços de tênis, ou qualquer coisa parecida. E há um movimento, comum a todos os animais, imprescindível para o ataque perfeito: o recuo. Ainda que seja para pular em cima do “amigo” ou do objeto, eles recuam para o bote certo.

Olhando a cena, eu, que costuro nos pensamentos tudo o que acontece na minha vida, vejo os filhotinhos ao mesmo tempo em que me lembro do retrovisor do carro e do acelerador, na hora da ultrapassagem. Atos que, a princípio, podem sugerir desistência, mas que nos impulsionam para melhores resultados: chegar sã e salva ao lugar de destino, deixar para trás o carro que não sai de 60 km numa rodovia, alcançar um amigo para uma brincadeira deliciosa, segurar o novelo de lã e recomeçar a diversão.

Às vezes nossa vida está tão difícil, tão sofrida, que chegamos mesmo a duvidar da presença de Deus ao nosso lado. E isto deve ser tão perdoável por Ele, que deve chegar a ser imperceptível aos Seus olhos de Pai. É o recuo necessário, e a gente nem percebe. Só depois de passado muito tempo é que vamos nos dar conta de tudo o que aconteceu, fechar o círculo de todas as situações por que passamos e concluir que é chegada a hora de viver com segurança.

É o espetáculo da vida, e eu estou aqui pensando – ou Deus está me lembrando – no desfile da escola de samba, e no recuo da bateria: não é que é a hora do show? Ver aquela gente toda recuando, quase se escondendo, permitindo que grande parte da escola passe, para depois surgir resplandecente, maravilhosa na avenida novamente. E se fazem um processo bem feito, conseguem os pontos para garantir a vitória na quarta-feira de cinzas!

Desde aquele dia em que obedeci aos conselhos do meu pai ao telefone, respeito os recuos na minha vida. É certo que naquela primeira viagem cheguei a São Gonçalo com as pernas tremendo, o coração na boca, o sangue quente e o corpo suado. Mas cheguei tão feliz, orgulhosa de minha conquista, de minha independência: valeu ter recuado, ter desacelerado, ter fixado os olhos nos espelhos que me mostravam o que passou.

Hoje venho passando provações, e não estou só. Sei que há amigos em situações iguais a minha, assim como sei que alguns estão sofrendo por coisas ainda piores. E vim para dizer que recuos são necessários para que o voo se dê abençoado. Vim dizer que há dias Deus me sussurrou que escrevesse sobre isto, e que enquanto não sentei aqui para elaborar o texto Deus não parou de me apresentar os testemunhos, as personagens da história que Ele queria contar. Sim, eu sou humana, cheia de pecados, mas creio que Deus me inspira, sim, a escrever. É Ele quem me dá o tom. Eu vivo minha vida a escutar-Lhe os conselhos, porque O vejo em cada amigo, em cada irmão.

Na simplicidade da vida animal, o ensinamento. Sejamos humildes para aprender com aqueles que nada nos dizem com palavras, mas tanto nos sabem ensinar.

O arco-íris nos foi apresentado após um dilúvio. Ali aprendemos que depois da tempestade a bonança é certa. É aliança, e para quem crê num Deus fiel, chega a ser motivo de orgulho – no bom sentido da palavra – saber que atravessamos desertos, de vez em quando.


Deus nunca nos disse que seria fácil. Quando a desobediência se deu, lá atrás, no paraíso, Deus nos apontou as consequências. Hoje, vivendo, fazemos coisas muito piores do que fizeram Adão e Eva. Mas o amor de Deus por nós é tão imenso que vez por outra ele nos coloca em situações de recuo. Do estado de guarda, do que chamam retrocesso, vem a vitória. E só nisto eu creio. Que mover-se para trás precede o impulso. E que quem sabe aproveitar o momento e louva em vez de blasfemar, é o verdadeiro filho de Deus.

8 comentários:

  1. Bom texto, muito bom!

    "Recuar é permitir observação, observar é garantir boa atitude, atitude conduz à solução, uma boa solução transmite confiança, ganhar confiança é obter espaço, espaço permite recuar, recuar... recomeços... vida..."
    -san

    Karla,
    Um belo texto, uma maravilhosa reflexão.

    Beijos para você, menina.

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  2. Deus nunca nos disse que seria fácil...A certeza é que ele estaria conosco, perceber esta indefectivel diferença faz todo o movimento de recuar , impulsionarmos a frente e seguir. Parabéns pela bela reflexão...A vida é linda se a enxergamos através dos filhotinhos que nos chegam sempre, atrás de um afago, de um carinho, de um amor, somos nós através de Deus esta fonte inesgotável de vida.

    Um grande beijo querida!

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    1. Muito obrigada, Lina! Que lindo texto! Que Deus nos abençoe!!!

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  3. É amiga Karla Pontes vou destacar alguns pontos importantíssimos do seu texto:
    E vim para dizer que recuos são necessários para que o vôo se dê abençoado;
    Em alguns casos até reduzir a marcha;
    Do estado de guarda, do que chamam retrocesso, vem à vitória;
    E só nisto eu creio;
    Que mover-se para trás precede o impulso;
    E CHEGAMOS A VITÓRIA PQ ACREDITAMOS EM DEUS E NA SABEDORIA QUE CONQUISTAMOS NO CAMI NHO DESSA ESTRADA DA VIDA!!! Bjks!!!Parabéns lindo texto.

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  4. "Às vezes nossa vida está tão difícil, tão sofrida, que chegamos mesmo a duvidar da presença de Deus ao nosso lado. E isto deve ser tão perdoável por Ele, que deve chegar a ser imperceptível aos Seus olhos de Pai. É o recuo necessário, e a gente nem percebe. Só depois de passado muito tempo é que vamos nos dar conta de tudo o que aconteceu, fechar o círculo de todas as situações por que passamos e concluir que é chegada a hora de viver com segurança."

    assim e a vida!!!!
    cheia de idas e recuos.....
    Deus te abençoe.
    bjs

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