quarta-feira, 27 de junho de 2012

Alguém entende o que eu pisco?

(A ciência do mundo inteiro pesquisa novas possibilidades de comunicação entre as pessoas que perderam a capacidade de falar... E os olhos andam falando, com esta tecnologia de ponta. Tenho tido dificuldades para me comunicar e, então, estou treinando, também. Mas será que... Alguém entende o que eu pisco?)


A ciência avança nas pesquisas em busca da melhor forma de comunicação entre os seres humanos. A robótica, a cibernética, tudo hoje está voltado para a globalização. Um objetivo: unir povos, mobilizar pessoas em prol da qualidade dos séculos que virão. Todos juntos pelas futuras gerações...
A sociedade se prepara, ainda que lentamente (pelo menos sob nossa ansiosa ótica), para conviver com tudo o que for diferente. A educação é para todos, e este é um direito garantido em lei. Não há questionamentos. Tem que ser assim.
Todos os diferentes têm que se comunicar. Entre si, com os diferentes deles... E as inteligências do mundo inteiro hoje estão inventando modos de garantir que esta comunicação se dê, verdadeiramente. Artefatos de metal, fios, computadores, chips e etc., podem garantir a uma pessoa que perdeu os movimentos dos membros do seu corpo que demonstrem suas reações, suas maneiras de pensar, seus talentos, seus conhecimentos, através do simples piscar de seus olhos...
E aí, me veio ao coração uma dúvida, que chegou com um aperto: alguém entende o que eu pisco?
Algo tem me incomodado recentemente. Ando acordando à noite, ando levando tempo demais embaixo do chuveiro. Eu divago, e não me dou conta de que há água e luz sendo desperdiçados enquanto penso num jeito de me fazer entender. Isto tem até me saído bem caro no final do mês!
Há um tempo, acontecia com menos frequência. Eu observava isto quando na presença de pessoas que me conheciam pouco, entre estranhos... Agora olho pro lado e, ainda que próxima de gente que conheço há tanto tempo e tão bem, duvido se o meu discurso tem saído da minha boca em língua portuguesa...
E como não me é muito difícil viajar nos pensamentos, andei pedindo a Deus que não me designe a sorte de ter os membros do meu corpo paralisados nem por um instante: eu, definitivamente, não saberia como me comunicar...
Treino os olhos, diante do espelho: o movimento para a esquerda seria indicador de negativas, enquanto olhando para a direita afirmaria, respondendo a estímulos. Não. Posso desistir da ideia.
Quem me conhece, sabe que todo o meu corpo fala. Com certa facilidade expresso minhas opiniões: falo, e enquanto falo, gesticulo demasiadamente. Meus olhos gritam, embora contidos pelas lentes dos óculos. Estão sempre atentos. Eu enxergaria tudo, não fosse o astigmatismo... Uma veia na garganta salta, ameaçadora. Enrijece meu pescoço. Minha voz se esgota, concluo minhas frases sempre rouca, sem respiração, com o coração palpitante... Minhas pernas balançam – hábito adquirido após a convivência com minha amiga Assiany – delatando a impaciência, a vontade de reagir a uma situação qualquer que me tire do sério... Faço tudo: falo, escrevo, desenho, represento, imploro... E nada, ou quase nada do que digo é compreendido.
As frases feitas das redes sociais são bem interessantes. Noutro dia, li uma: “Sou responsável pelo que falo e não pelo que você entende”. Bonito de se ler. Chegou-me numa hora certa. Compartilhei entre amigos, desabafei. Mas teve gente que não entendeu a mensagem da frase e eu me entristeci.
Eu não consigo desistir. Ainda que pra mim isto soe como um convite a calar-me. Não conseguiria. Daí, fico em frente aos espelhos da minha casa ensaiando olhares e piscadas. Esquerda, direita. Uma, duas, três. Pouca velocidade, muita velocidade...
Numa dessas tentativas – visão patética de qualquer um que presenciasse a cena por aqui – imaginei como deve ser a vida de um aluno paralítico, com o seu nível de desenvolvimento cognitivo preservado. Enturmado numa sala de aula de primeiro ano de escolaridade porque ninguém sabe o que ele sabe. O menino, já com seus doze, treze anos de idade, dominando todo o alfabeto que conseguira aprender por conta de ter um irmão de sete anos que passou pelo processo de alfabetização e fez todas as suas tarefas de casa ao seu lado. O menino não fala, não se movimenta. E, na escola, é obrigado a frequentar a sala do primeiro ano, porque é pra lá que empurram sua cadeira de rodas todas as vezes que o sinal da entrada toca. Ele não faz nada além de piscar os olhos desesperadamente, mas ninguém entende o que ele pisca.
Eu sou um menino destes. E tenho pernas e braços que se movimentam, tenho uma voz atrevida que desobedece aos limites impostos pelos calos nas cordas vocais e ganha o espaço num clamor incansável por uma escola pública verdadeira. Às vezes tentam me empurrar em sentido contrário e, como minha fala definitivamente anda se perdendo no acaso, no espaço ocioso dos pensamentos de outrem, agora dei para treinar o piscar dos olhos.
Fiquem atentos. Vou precisar de gente que leia o meu olhar daqui por diante. Porque vou falar através deles em algumas situações onde for necessário fazê-lo.
E quando todos estiverem entendendo meus olhares serei a pessoa mais feliz do mundo. Porque verei ser possível descobrirem nas escolas os meninos paralisados e lerem nos seus olhos o potencial que têm.
Resta-me, agora, pensar no que fazer com meus dedinhos. Ultimamente eles andam falando muito mais do que eu. Mas esta é uma outra história...

4 comentários:

  1. Prometo iniciar um curso a distância e concatenar outras ações para não perder o foco do entendimento de todas e de cada uma de suas ideias e de seus pensamentos. Porque, ao interpretar o desenho desta situação, receio não conseguir aportar tamanha responsabilidade. Até porque estarás de óculos...
    kkkkkkkkkkkkkkkkkkk

    ResponderExcluir
  2. Karla,eu aprendi com um menino acometido de paralisia cerebral que é possível a comunicação por um piscar de olhos e que é muito lindo vivenciar isso.Logo que fui para a Região dos Lagos,lecionei Inglês para turmas da Educação Infantil e 1ª segmento ens.fund. Deparei,então com esse aluno e fui aprendendo com ele que piscar os olhos significava "sim","correto".Fiquei encantada...Eu o acompanhei por anos;ele sempre estudando,fez 1ªcomunhão junto aos seus pares de iguais e desde então jamais deixo de olhar nos olhos,tentar buscar a fala dos olhos dos alunos,das pessoas...Vc é demaisss!!s2

    ResponderExcluir