quinta-feira, 19 de julho de 2012

Está proibido faltar

(A Lei impôs a obrigação da presença dos alunos nas salas de aula. Não precisaria ser assim, se amor e responsabilidade estivessem impregnados na prática de alguns professores...)

 
Há algum tempo é lei: é proibido faltar às aulas na escola.
Antes, os alunos conseguiam aprovação se, ainda que tivessem menos de setenta e cinco por cento de frequência, obtivessem bom aproveitamento nas aulas. Hoje não funciona assim: a infrequência reprova até mesmo os alunos com notas máximas!
O óbvio, pouca gente percebeu: a incapacidade da escola de manter um aluno do lado de dentro dos seus portões levou os catedráticos das leis a proibirem-no de faltar às aulas... Agora as famílias recebem até benefícios se seus meninos comprovarem presença na sala de aula.
Teria sido bem diferente, imagino, se a opção fosse deles, dos meninos. Ir para a escola ou ficar em casa? TV ou sala de aula? O super-herói favorito ou o professor estressado? As cores da rua ou o verde e branco (agora branco e azul) do quadro-negro? As músicas ou a repetição cansativa do blá, blá, blá da “tia”? A vida ou a morte? Bem diferente! Eles, certamente, negariam a ida a escola, não duvido.
Diante da disseminação da praga da preguiça, da falta de compromisso, da irresponsabilidade que abateu inúmeros dos nossos professores ao longo das décadas, os alunos foram descobrindo novas formas de encarar a vida, resolver seus problemas, sem precisar da escola. E perceberam que bastava estarem presentes nos dias de prova para garantirem uma nota razoável e assegurarem a aprovação ao fim do ano. E começamos a nos deparar com estatísticas revelando notas excelentes para alunos com frequência mínima.
Certa vez ouvi, num dia de conselho de classe, um professor queixar-se de um aluno. Tratava-se de Roberto, menino do sexto ano de escolaridade, que havia quebrado a perna num acidente. Estava ausente da escola por conta de um atestado médico que lhe recomendara repouso. O professor, muito exaltado, acusava Roberto de ser um “espertinho”, pois durante suas aulas sempre o via passear de bicicleta nos arredores da escola.
Ora, bolas, cheguei a discutir com o professor: “se Roberto prefere passear de bicicleta em frente à sua janela a entrar para assistir às suas aulas, quem deve rever a prática é o senhor, professor.
Cansados de tantos Robertos – espertos, sim, inteligentes, muito! – os pensadores criaram a Lei: Está proibido faltar! Seria uma vergonha constatar, cada vez em menos tempo, que alunos são felizes fora dos muros da escola. Que aprendem apesar da escola, e não por causa dela (esta frase, uma de minhas preferidas, é de Victor Paro). Um escândalo, embora tão lógico de se concluir, com o material humano (humano?) que temos hoje...
Ninguém se atreve a questionar sobre a relação frequência X bom aproveitamento? Não seria mais correto indagar ao professor como é possível dar boas notas a um aluno que não comparece em suas aulas? Por que é que até hoje nos defrontamos com professores – profissionais da educação! – que optam por lançar nos seus diários de classe faltas e presenças para seus alunos, aleatoriamente, clandestinamente, como se pingos e efes fossem mais responsáveis por um resultado no final do ano letivo do que sua própria avaliação acerca do seu real desenvolvimento?
Fico triste por pensar que ainda é assim na maioria das escolas. O sinal da saída toca e aquela gritaria saudável da infância, da juventude, era tudo o que se deveria ouvir quando bate o sinal da entrada. No entanto, este último é ouvido com murmúrios por uma geração obrigada a frequentar, no mínimo, setenta e cinco por cento de, no mínimo, duzentos dias de sufoco, sacrifico, horror, pesadelo. Senão, é reprovada, ou deixa de compor a renda familiar no final do mês.
Boas aulas trariam os alunos para dentro das escolas, sem obrigações. Amor os traria. Amizade, zelo, afeto, atenção, respeito os trariam. Tão fácil! E não precisaríamos de leis que nos tirassem do vermelho em que a educação encontra-se hoje em dia.
Uma pena que não seja assim com todo mundo. Tiro o chapéu, curvo-me diante daquele ou daquela que ainda honra o diploma e conquista a classe. Daquele ou daquela que com segurança é capaz de avaliar, de lançar uma nota no seu diário de classe para seu aluno sem depender do que lhe viu registrar na prova agendada no calendário... Orgulho-me do colega que garante a presença em massa da turma pelo simples fato de estar lá, com seu sorriso acolhedor, sua palavra de confiança, seu domínio de conhecimento, seu carisma, seu AMOR pela profissão! Por esses não precisaria ser mudada a legislação. Porque o simples fato de conduzirem com responsabilidade o ofício convenceria o menino e a menina de que é preciso estudar para “ser alguém na vida”.
Ainda acredito. Hoje estou às vésperas de reencontrar meus ex-alunos, depois de vinte anos. E sempre que puxo pela memória e recordo do tempo em que estive com eles, lembro de sorrisos, de carinho, de afeto, de amor. Lembro-me dos olhos deles, das piadas, das histórias... Lembro-me de que muitos passavam seus minutos de recreio sentados à minha volta, conversando... Lembro que não havia correria quando a aula terminava, não havia sinal... Lembro-me que batia palmas chamando-os para a sala. Lembro de compromisso. E o que ficou disto tudo foi uma raiz tão profunda e sólida – porque bem alimentada – que me permitiu dar-lhes asas e tê-los agora, ainda que virtualmente, tão perto de mim!
Orgulho-me de ser professora! De nunca ter dependido de resultados exatos numa calculadora para definir destinos... De nunca ter precisado buscar um aluno ausente... De não ter sido motivo para a ordem da lei. Meus alunos foram às minhas aulas porque quiseram ir, enquanto quiseram ir. Quando o aluno começa a faltar, troca a aula por outro motivo qualquer, evade, sinaliza ao professor que algo não está bom ali, naquele espaço. Feliz de quem se dá conta disto e refaz, recomeça o caminho, muda para que o aluno volte. Este sim, é professor. O resto, é obra do acaso.

7 comentários:

  1. Texto típico de pedagogo de gabinete que sofreu lavagem cerebral pela grande mídia e responsabiliza (culpabilização!) o professor por todas as mazelas da sociedade. Não ajuda em nada a resolver os problemas da escola e muito menos dos professores. Lamentável.

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    1. Meus 29 anos de magistério - desses, 16 em sala de aula - inspiraram o texto. Bom ler sua crítica, Doc Costa! O espaço é livre para isto, mesmo.

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  2. Doc, grande companheiro de luta,
    Não gostaria, mas sou, entre vários pedagogos na/da Rede Pública Municipal de Cabo Frio, um dos poucos (para ser mais radical, pouquíssimos) que tece, sem medo de ser feliz ou de ser caracterizado como infeliz pel@s outr@s companheir@s da área, um fervoroso crítico da formação acadêmica dos inúmeros cursos de Pedagogia de nossas IES espalhadas por esse Brasilzão de meu Deus. Fiz um estudo científico em que demonstrei o quanto o pedagogo foi um lacaio da burguesia, foi um 'Frankenstein' criado nos laboratórios da Ditadura (no caso desse profissional a Ditadura foi Civil, pois foi lá pros idos de 1940/2, quando Getúlio já havia tomado de assalto a presidência do país), para, exatamente, servir ao 'poder'. Muitos colegas fizeram e estão fazendo o curso sem atentar para esse infeliz detalhe. Ser autoritário ou desenvolver ações autoritárias, é próprio, infelizmente, de maioria esmagadora dos pedagogos que circulam por aí, que fazem merda pela/na educação brasileira.
    Confesso a você, meu amigo, que já bati de frente com muitas pedagogas aqui em Cabo Frio. Inspetoras em maior número que o de Supervisoras e Orientadoras, principalmente ratificando o que você escreveu acima.
    A palavra escrita é passível de muitas interpretações e para isso ela depende dos múltiplos olhares, das variadas visões que se tenha ou que se queira ter. Digo mais, ela depende das conveniências nossas de cada dia. Se leio um texto composto por um escritor que tenha concepções de vida, que tenha tido uma formação acadêmica respaldada nos mais renomados teóricos de posição neoliberal, eu, que busquei uma formação teórica contrária a essa visão, a esse posicionamento, vou entendê-lo como reacionário.
    Quando li o seu comentário, fiquei meio que assustado, mesmo conhecedor desse seu lado profundamente crítico – o que me torna seu fã incondicional -, pois não consegui enxergar a imputação de todas as mazelas da educação para o professor no texto acima da companheira Kátia Pontes. Até concordo com a autora – desculpe-me se o decepciono – quando ela diz que alguns profissionais precisam de um aperfeiçoamento em seus que-fazeres cotidianos. Em todas as atividades humanas há, mesmo que caracterizado como uma forma de pensar simplista, um maniqueísmo, o bom profissional e o nem tanto. Na educação não é diferente.
    Quando ela diz que "Seria uma vergonha constatar, cada vez em menos tempo, que alunos são felizes fora dos muros da escola. Que aprendem apesar da escola, e não por causa dela (...)", eu inverteria o mecanismo de reflexão, afirmando que seria um espanto ver alunos felizes dentro da escola. As nossas escolas, enquanto sistema, e isso você concorda, está muito insossa, extremamente bicolor (preta e branca) diante de um mundo que se apresenta cada vez mais multicolorido para as nossas crianças. Ela complementa, dizendo que " Fico triste por pensar que ainda é assim na maioria das escolas. O sinal da saída toca e aquela gritaria saudável da infância, da juventude, era tudo o que se deveria ouvir quando bate o sinal da entrada."
    Enfim, caríssimo amigo, entendi que você pegou meio que pesado na sua crítica. Sua opinião tem que ser respeitada, como está sendo; entretanto, faço-lhe um singelo convite: procure ler outras coisas da autora em foco e procure trocar algumas impressões relativas à educação com a mesma. Tenho certeza de que a troca, a socialização de conhecimentos se dará de forma produtiva, acolhedora e prazerosa.
    A propósito, a Karla Pontes é uma das pouquíssimas Inspetoras da Rede, que eu gostaria muitíssimo de trabalhar!
    Forte abraço desse que lhe tem grande consideração!!!

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  3. Na 35ª linha (4º §)onde se lê "Kátia Pontes", leia-se KARLA PONTES.

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  4. Os tópicos, que faço, de questionamentos do texto estão relacionados às causas, não simplesmente aos fatos. Tão importante quanto os resultados é saber como chegamos até eles e nesse sentido a autora foi algo inconsequente:
    * O professor estressado por trabalhar em várias escolas e fazer n horas-extras, dobras e GLP's, devido aos baixos salários pagos;
    *Os parcos, quando existem, investimentos em formação continuada (bem como a disponibilidade de horário) e aparelhamento adequado. Escolas que não têm um laboratório, ou mesmo datashow, ou tem um para 45 professores "dividirem";
    *Os inúmeros e constantes ataques ao trabalho docente e à formação básica dos profissionais. Alguém seria feliz se passasse por isso todos os dias???;
    *Como é possível dar boas notas aos alunos que não comparecem? Muito simples: com a política escrachada de aprovação automática, muito em moda nos últimos 15 anos, já que reprovar o aluno indica o fracasso do governo, e de suas políticas para a educação, aumentando assim os "gastos" com educação;
    *Lembre-se que a educação deve preparar para a vida; e os momentos de alegria de um trabalhador pouco instruído, são poucos comparados com os de trabalho árduo e sofrimento devido ao abandono das políticas públicas;
    *Amor é um sentimento lindo! Mas amor não paga o aluguel, a água e a luz, não coloca comida na mesa e nem compra remédios!!! Isso é papo furado de dos vendilhões da educação para vender livro de "auto ajuda pedagógica" e manter os professores satisfeitos com o pouco que tem. A realidade no Brasil é bem diferente daquela dos livros!;
    *Orgulho-me de ser professor, foi a profissão que escolhi, pois acredito na educação libertária e redentora, e a exerço dentro dos limites que a escola pública e os inúmeros planos governamentais mirabolantes me impõem, se reprovo demais sou carrasco - sem amor no coração - respondo processo e preencho um sem número de fichas da inspeção. Se aprovo, conforme orientação da secretaria de educação, alunos que não teriam condições para tal, sou irresponsável e não tenho amor pela profissão.
    *No final das contas a culpa é sempre do professor e em nenhum momento a autora apontou as (ir)responsabilidades governamentais ou técnico pedagógicas.
    Quero deixar claro, que minha luta é pela educação de qualidade e pela cobrança dos governos de investir de forma adequada na escola pública e nos profissionais da educação. Não sou contrário aos pedagogos, sou contrário a reprodução do discurso idiotizante propagado pelos jornalões da grande mídia e noticiários das TV's, com objetivos claros de desqualificar os profissionais da educação e promover o sucateamento da escola pública!

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    1. Doc Costa, por favor, não me julgue inconsequente. Fosse assim e já poderia desfazer-me de meu diploma de PROFESSORA, título do qual me orgulho tanto quanto você. Se pertence à classe que honra o canudo está de parabéns. Nenhuma das causas, no entanto, que citou acima, me convencem. Acho que hoje em dia temos muitos professores se acomodando sob o manto da falta de estrutura do governo. Nem todos tomam a luta para si exercendo sua função com responsabilidade, lembrando que os alunos nada têm a ver com os gestores... Não concordamos neste aspecto, e julgo isto muito salutar!

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  5. Eita coisa boa, sô!!! Mexeram no calo do homem, agora aguenta. Mas, que é bom, é e não temos dúvida disso. Nesse momento já são 23h e 40m e os meus olhos já estão caidaços. Conseguimos uma figuraça - que nunca teve papas na língua - que não se respalda em achismos. Amanhã, se eu tiver tempo, farei parte da conversa, formando um "triálogo" interessante. Beijos para os dois!

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