domingo, 8 de julho de 2012

Uma viagem a Niterói


Ontem fui a Niterói, e optei por fazer a viagem de ônibus. Há um bom tempo não fazia isto.
Curto muito essa viagem. Escolhi uma poltrona onde houvesse sinal de Sol, ajeitei-me e comecei a viajar, quando o motorista deu a partida no motor...
Segui observando a natureza, os diversos tons de cores que lápis nenhum consegue imitar. Quando olhei para a mata, todos os verdes estavam lá, e não na caixa de trinta e seis cores de lápis de cor de Antônio. Eu vi o céu, também, e os tons de azul que se perdem em sua imensidão. E, deslumbrada por ser digna de um Deus maravilhoso, observei que uma gaivota acompanhou o ônibus onde eu estava por alguns instantes. Eu ri, parece que ela me olhava. Depois, muito mais livre do que eu, tomou impulso e foi-se, ao encontro, quem sabe, de um novo tom de azul...
Eu estava ainda em Araruama, e já agradecia a Deus por me reservar aquela viagem bonita, por ter olhos para enxergar as paisagens que estavam só começando...
Houve um trecho em que percebi casebres na beira das estradas. Como pode viver gente em lugares como aqueles? E vi tanta gente feliz! Vi quintais cercados de arames, e cheios de vida: crianças, cachorros, galinhas, porcos, roupas coloridas no varal. Todos sob o mesmo Sol que elegi companheiro de viagem. Todos sob o mesmo céu da gaivota. Todos sob os mesmos tons de azul. Aliás, essas casas, apesar de tão humildes, experimentavam os verdes e os azuis de Deus, porque estavam embrenhadas no meio das matas, também. Lá vi árvores frutíferas e diversas plantações. E, enquanto as crianças brincavam em plena comunhão com seus bichos, senhoras e senhores punham barracas próximas à estrada para vender aquilo que Deus lhes deu de presente. Era a junção do real objetivo da natureza com a inteligência natural do ser humano...
Umas cruzes de madeira afincadas próximo ao caminho do ônibus em que eu estava causou-me tristeza. Lembranças doloridas de alguém que se foi. Algumas traziam palavras escritas, não consegui ler. E fiquei pensando na dor que deve sentir alguém que enterra um amigo, um parente, um animal querido... Vida humilde, morte humilde. Pessoas passam por esta vida sem saber o que é tomar um ônibus para ir a Niterói, frequentar uma boa escola, trabalhar dignamente e receber um bom salário por isto. Usar o salário para ter conforto em casa, para poder enterrar um parente com dignidade...
Olhei para a natureza, outra vez. E vi montanhas me esperando... Elas estavam prontas para a passagem do ônibus, que havia deixado Saquarema... E a coisa mais linda foi ver aqueles gados pastando, aqueles filhotinhos, com suas mães zelosas. Branquinhos, amarelados, em tons de marrom... Ao fundo, a diversidade de cores que compunham as montanhas, desafiando qualquer fábrica de giz de cera...
Até que passei por aquele caminho – abençoado! – que anunciava a chegada em Maricá: os galhos das árvores que ficavam de um lado e de outro da estrada se cruzavam, se entrelaçavam quase como que se abraçando, cobrindo todo o trecho, peneirando raios de Sol, e os multiplicando pelo chão. A quantidade incontável de folhas, forro natural belíssimo, as curvas da serra, o movimento do ônibus, tudo misturado na composição da poesia que se chama vida. Portões de madeira anunciando que ali moravam pessoas sortudas de viver isto todos os dias... É a minha parte preferida da viagem. De ônibus, passo por ali exatamente depois de uma hora de partida. É marcar no relógio, e a natureza está lá, agradecendo por desfrutá-la, presente naquele túnel acolhedor que nenhum homem seria capaz de fazer igual.
Deixando Maricá e me aproximando de Santa Bárbara uma ansiedade me toma o corpo: é chegada a hora de eu ver o Novo México, bairro onde trabalhei por dois anos, numa escola municipal. Um fato curioso: sempre que passo pelos lugares onde trabalhei procuro pelas crianças (definitivamente, a memória afetiva fala mais alto do que o senso de temporalidade). Olhei o morro onde ficava a escola. O número de casas agora é bem maior! E quando o motorista parou no ponto do ônibus quis reconhecer alguém. Examinei cada rostinho. Não tendo sido reconhecida, desisti da ideia de que fosse algum aluno meu.
Durante aqueles anos paguei seguro de vida. Acontece que trabalhava na escola municipal pela manhã, e à tarde numa particular em Santa Rosa, Niterói. Portanto, ao meio-dia era comum me ver no meio da estrada, tentando atravessá-la. Eu tinha que pegar o ônibus “Baldeador” que saía ao meio-dia, senão, era atraso, na certa. O ônibus saía apinhado de gente, eu geralmente fazia o trajeto de pé, sonolenta do almoço feito às pressas e do cansaço do trabalho...Cheia de bolsas com os cadernos dos meninos, as provas para corrigir... Lembrando disto, sorri. Aconcheguei-me na poltrona do ônibus, tirei uma soneca, quase que me recompensando dos sonos de outrora...
Acordei na Alameda, no Fonseca. E tudo o que vi lá foi a lembrança deliciosa do tempo em que trabalhei numa escola particular dali. Insistente, procurei meninos e meninas, sem sucesso. A Alameda é a mesma: concreto, ônibus, carros, fumaça. Homens e mulheres apressados, vendedores ambulantes, pipas coloridas no ponto de venda. E eu enxerguei um verde implacável, resistindo à ação desgovernada do homem: plantinhas em meio às rachaduras nas calçadas e meios-fios falavam-me como um sussurro de Deus: “Nada me é impossível!”
Malabaristas mirins com seus limões dançarinos me avisaram que a viagem acabara. Espreguicei-me, olhei o céu. Ele me sorriu. Foi o mesmo com o qual iniciei a viagem. O Sol, este também, chegou junto comigo. E enquanto dava graças a Deus por ter chegado sã e salva, pude ver uma gaivota voando toda a sua liberdade... E ainda que tenha suspeitado – com esta minha cabeça sonhadora – de que fosse a mesma que vi em Araruama, agradeci ao Senhor, sobretudo, por ver todas as coisas bonitas num lugar e no outro, também.

5 comentários:

  1. Amiga estou em dia com seu blog... e muito feliz por isto! Suas palavras tão lindas e bem escritas soam como melodias. Suaves melodias que tocam a alma! Fiquei emocionada com suas escrituras poéticas, e não fui só eu quem se emocionou. Li alguns de seus textos para minha mãe e ela se emocionou também. Emoção de felicidade, felicidade pelo privilégio de conhecer nessa existência, pessoas tão incríveis e sensíveis como VOCÊ! OBRIGADA AMIGA!

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    1. Que honra! Fique sempre por perto, Dani. É um prazer tê-la aqui!
      Que bom que gostou! Nossa, que responsabilidade, agora, manter o nível!...
      Eu é que digo OBRIGADA!

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  2. Moro em Niterói aproximadamente há 52 anos,mas não é a mesma e está sem qualidade de vida.Tenho vindo para cá porque minha ,mãe está doente.
    A cidade grande está impossível de ter ainda qualidade de vida.
    Hoje fui ao Rio pela manhã e aquela alameda estava terrível.
    bjs
    Obs:em que escola você trabalhou?

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  3. Sensibilidade! Palavra que descreve todos sentimentos descrito por Karla Pontes neste texto. Louvo a Deus por que ainda existem pessoas que são humanas, que tem a percepção de observar e apreciar cada detalhe a sua volta. E ainda depois de um dia tão abençoado por Deus, ter o carinho e a humildade que com suas palavras e muito cuidado em escrevê-las, compartilhar esta grande dádiva com os amigos.
    Parabéns!
    Não me pergunte o porquê?
    Pessoas brilhantes, não necessitam de data para serem parabenizadas. Todo dia é dia!
    Dia de agradecer pela dádiva de tê-la por perto, e a oportunidade de conhecê-la.

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  4. Conheço este trajeto que fiz muitas vezes, quando trabalhava no departamento comercial de uma grande empresa do ramo de alimentos, e atendia alguns clientes naquela região. Realmente aquele túnel de árvores no pé da serrinha é incrível. Parabéns pelo texto e obrigado por me trazer à lembrança um lugar tão especial.

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