domingo, 7 de outubro de 2012

Nossos alunos levam da gente o que somos pra eles

(Orgulhosamente apresento a vocês o texto encomendado. Para quem deixou um pouco de si em cada aluno que teve...)
 
Há um ano iniciei a tarefa prazerosa de escrever aqui. E iniciei, justamente, postando um texto sobre o Dia dos Professores. Muita coisa mudou na minha vida entre o primeiro texto e este de hoje que, se não perdi as contas, é o nonagésimo: conheci novas pessoas, conquistei novos amigos, perdi uns tios, vi umas crianças nascerem, mudei de emprego, tive algumas decepções, disse adeus a dois dentinhos de Antônio, vi minha família se reintegrar, tornei-me “sogra” de uma menininha muito bonita chamada Eduarda...
É assim que fazemos, rapidamente, uma recapitulação do tempo que passou em nossas vidas: lembrando, com um sorriso nos lábios, das coisas boas que nos aconteceram...
Ontem estive por algum tempo ouvindo uma amiga falar sobre a forma como seus pais faleceram. E ela contava aqueles detalhes sofridos com um ensaio de sorriso no rosto. Uma alegria advinda da certeza de que a ordem natural da vida se cumpriu. Seus pais despediram-se dela de forma grandiosa, uma verdadeira entrega a Deus. Nenhum motivo para entristecer-se ao recordar.
Muitas vezes nos decepcionamos com alguém e sofremos bastante. Mas o milagre do tempo – este senhor tão bonito, como canta Caetano – faz com que até as recordações da decepção nos venham aos lábios com o contorno de um sorriso: já passou. Aprendemos com ela, e vem muito mais por aí. Quem duvida?
Nossos alunos levam da gente o que somos pra eles. Vasco Moretto é o dono desta frase, linda como ele! Eis a encomenda. Vamos lá, então.
Se puxar pela memória eu me lembro da ordem dos planetas do espaço. E também do resultado de qualquer uma tabuada que me perguntem. Sei de cor os advérbios de tempo, modo e lugar que enchiam as páginas do Livro de Verbos de Viveiro de Vasconcellos, o amarelinho, o mais vendido em minha época de estudante. Eu decorei todas essas coisas para algum dia de prova. Lembro delas, mas não de quem me obrigou a decorá-las.
Mas se ousar puxar um pouco mais, e buscar na memória os professores que tive, uma sensação gostosa, uma emoção que me deixa eriçada a pele, um marejado sentido nos olhos, tudo isto revelará o que guardo no peito, desde que entrei na escola, há quarenta anos: Tia Nice, do Jardim de Infância Menino Jesus, onde comecei minha trajetória – espaço de onde nunca mais tirei os pés, este chamado escola! Ela tinha cabelos pretos compridos e um sorriso do qual jamais me esqueci. E acolheu-me nos braços todas as vezes que chorei para entrar na sala. Sim, eu me lembro da tristeza que doía no meu coraçãozinho ao deixar as mãos de mamãe. E só os braços de Tia Nice me devolviam a paz, novamente. Não me lembro de nada, mais. Só do carinho dela comigo.
Depois que saí do Jardim e ingressei no primário colecionei os sorrisos delas em minha lembrança. Criança tem lugar de sobra pra guardar o amor que sente por seus professores, logo, guarda abundantemente e confortavelmente, sua recíproca.
Pouco me recordo sobre as temáticas utilizadas em sala de aula. Mas guardo cada afago, cada olhar carinhoso, cada elogio, cada bronca bem dada. Eu não fiz a primeira série porque já sabia ler quando lá cheguei. Fui, então, encaminhada para a segunda. Tinha apenas seis anos e meio. Foi difícil entender a matemática (aquela, da “decoreba”), e na quarta série fiquei para recuperação de fim de ano. No entanto, trago até hoje a lembrança da Professora Deise que, enquanto afagava meus cabelos, contava para a minha mãe da necessidade de me deixar mais tempo ao lado dela... Talvez meu amor pela Matemática tenha começado naquele dia. Deise nem sabe disto!...
Sobre coisas do ginásio já contei em outros textos. E, para além dos conteúdos que me foram passados nas salas de aula de mais uma escola pública por onde passei, meu coração está, ainda hoje, preenchido pelos amores experimentados. Fui aluna de Professores que amavam o que faziam. Durante as aulas de Matemática (olha ela aí!), um Professor Alberto que transpirava a ponto de molhar a camisa nos alertava dos perigos que havia do outro lado da janela: ele não gostava que ninguém sentasse próximo à janela da sala. E muitas vezes ensinava-nos sobre os perigos existentes no lado de fora da escola. Muito mais que um Professor de Matemática, Alberto cuidava de cada um de nós.
Mario Avelino descobriu minha hipermetropia e meu astigmatismo. Uso óculos até hoje, e até hoje agradeço a ele a descoberta. Estivesse limitado ao ensino da disciplina Ciências e eu dependeria de outro alguém atento às minhas dificuldades. Mas foi um Professor quem me ajudou a ver melhor o mundo. Jorge Vicente encantou-me com sua educação, postura, respeito pela profissão. Era o Professor revestido do orgulho de sê-lo. E ensinou-nos o básico, o essencial: levantar as mãos quando se quer falar em grupo, e aguardar a sua vez; pedir licença antes de falar, sair de sala, entrar; estudar, praticar e aprender para saber.
A Professora Marlene ensinou-me a ler os textos do livro de História. E aprendi a ler pausadamente, em bom tom para a classe, e passei a ser a “ledora oficial” da turma. Aprendi melhor a disciplina, os acontecimentos, melhorei na matéria. E tudo aconteceu com um sorriso dela... Um “vá, você consegue”, diante da minha timidez...
Dali para os amores não levou muito tempo. E eu me apaixonei por alguns deles, no meu caminho. E, mesmo confusa entre sentimentos tão parecidos, trago até hoje comigo o que foram para mim.
Hoje, criada, posso sentir ainda a pele arrepiar, o coração bater forte e as lágrimas chegarem aos olhos diante de um Professor que me revele amar o que faz. E, sentada junto a uma plateia de cem, duzentas pessoas, ouço o coração selecionar-me aqueles pelos quais vale a pena viver: meus queridos professores Jair Passos e Vasco Moretto, novos amigos, novos amores, a vocês dedico este texto. Sei que é pouco e pequeno diante de sua grandeza, mas é o que sei fazer, e onde dou o melhor de mim.
Que o Senhor nosso Deus nos abençoe e nos acompanhe nesta batalha que escolhemos travar ao longo de nossas vidas, defendendo a classe, defendendo a melhoria da classe, defendendo a valorização da classe.
Levo comigo o que vocês foram e são para mim: chama acesa iluminando meu sonho, do qual não desisto, do qual não me desfaço. O sonho de que um dia veremos nos nossos alunos aquilo que tanto desejamos. A figura do homem de verdade, do homem de bem. Que Deus jamais nos permita desistir de sonhar. Feliz Dia dos Professores, para os que o são de verdade! Amém!

6 comentários:

  1. Uma bela homenagem!!Parabéns e meu agradecimento por considerar-me merecedora,sonhadora que sou!js

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  2. Kala, quanta emoção revelada neste texto.

    Ensinar vai além do conteúdo. A aprendizagem se dá quando os nossos alunos levam um pouco de nós: afeto, respeito, compromisso, responsabilidade e a paixão em ensinar.
    Feliz por ler um texto, onde me vi nele.
    Beijos

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  3. Muito interessante te relato. Será m prazer segui-la. Abraços!

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