(Voltar a São Gonçalo é, sempre, uma viagem emocionante. Nestes tempos de Natal, então!... Tendo me encontrado entre o futuro e o passado do lugar onde nasci, resolvi escrever e compartilhar com vocês.)
Eu fui a São Gonçalo para passar o Natal com minha
família. Fiquei quatro dias por lá. Voltei com mais saudade ainda!
Agora, muito próximo a minha casa, há um Shopping
Center. Muito próximo! Passei por lá logo que cheguei. Levei umas horas por lá:
gente pra cima e pra baixo nas escadas rolantes, filas quilométricas nos caixas
das lojas, crianças no colo do Papai Noel... Tudo desarrumado, brinquedos
quebrados, uma loucura tamanha que cheguei a sentir vergonha de fazer parte
daquela confusão herege. Certamente, se fosse aquele o dia da chegada de Jesus
à Terra, eu ficaria esquecida por lá, pelos escombros do templo que,
definitivamente, não é de Deus.
Mas um certo orgulho de ter o Shopping tão perto
de casa quase que me obriga a visitá-lo, sempre que posso. E eu vou com uma
intenção diferente, e quem me conhece vai saber que é verdade: eu vou para
olhar o que ninguém olha. Eu vi o progresso, o futuro, a inteligência humana,
os dons de Deus experimentados, todos, nas artes que compõem o prédio. A
começar pelo elevador que me conduz às lojas, passando pela criatividade nas
montagens das vitrines, as possibilidades de venda e compra, os gostos tão
diferentes... Ah, Shoppings podem ser festas, a gente precisa saber visitá-los!
Depois de algumas horas circulando, precisei ir ao
Centro comprar umas coisinhas. Deixei, então, o conforto dos condicionadores de
ar e fui para o “fogo” daquilo que se chama “Rodo” de São Gonçalo. Aí, me
basta: sou eu, a de sempre, a relembrar os tempos de menina, a estabelecer as
conexões entre este meu tempo que passou e traduziu minutos em anos, décadas,
de maneira que tudo o que para mim aconteceu ontem, na verdade, deu-se há
vinte, trinta, quarenta anos atrás.
O “Rodo” leva este nome porque era o local onde os
bondes faziam a volta, o contorno. Vinham de vários lugares, mas contornavam
ali. Eu não conheci os bondes, mas me lembro bem dos trilhos ainda afincados no
chão que, em sobressaltos, me faziam levar alguns tombos nas ruas. No meio da
Praça do Rodo, o Cinema Nanci, onde assisti a “Se meu Fusca falasse”... O
cinema não existe mais. Agora, no local, uma loja “Marisa” oferece promoções
natalinas. Eu, no entanto, vejo o cinema lá, do mesmo jeito, bilheteria com
fila, catracas velhas e barulhentas girando, e chego a sentir a emoção da
espera por ver o filme começar! Não leio Marisa no letreiro. Para mim, tudo o
que está escrito é Cinema Nanci.
Andei pouco pelo Centro. Está tudo muito
diferente! Temi perder-me entre os vendedores ambulantes, eles se
multiplicaram! Passei pela galeria e um cheiro forte de rosas me levou
rapidamente à recordação da Casa das Flores, onde mamãe comprava os arranjos
aos sábados, para enfeitar a casa depois da faxina. Nossa, que cheiro bom de
infância! Olhei lá pra dentro e pude reconhecer, num senhor de cabelos
extremamente branquinhos o “moço” que nos atendia àquela época. A loja está
mais bonita, há bem mais funcionários, mas está lá, no mesmo lugar, e eu –
juro! – só consegui vê-la velha, do jeito que era quando eu era tão criança!
Fechei os olhos, inspirei, e lá estavam as flores do tipo gipsy a tomarem conta
do meu olfato. Que tardes felizes aquelas em que se punha arranjos de rosa e
gipsy na mesinha da sala lá de casa!
Olhar a estrutura do Shopping do Centro de São
Gonçalo foi uma experiência, no mínimo, diferente. Meus pés no asfalto quente
do Rodo, meus olhos no Rodo que Antônio conhece. Nada de bondes, nada de
trilhos ameaçando-nos os passos. Um monstro ergueu-se e levou nossos sonhos
embora. Hoje é mais urgente comprar na Marisa do que ir ao Cinema Nanci.
Caminhando de volta pra casa, reconheço algumas
coisas, o que não foi desfeito ou refeito por esses homens que não gostam do
passado: há sempre alguém que mantém sua casa como era há trinta anos. Eu vi a
casa onde brinquei quando muito menina! Lá ouvi os disquinhos coloridos da
Disney, que narravam as mais lindas histórias infantis! Lá fui a Cinderela, a
Bela Adormecida... Lá enveredei nas aventuras de Alice no país das Maravilhas!
Lá sofri por um Pinóquio perdido, cantei com Mogli e o seu amigo Elefante, lá
conheci os gatinhos que “vieram do Sião
há três meses e que chamam de siameses”... Lá vivia o tudo que era a minha
vida, até ouvir mamãe me gritar do portão, avisando da hora de ir embora da
casa de Tânia.
Nunca mais vi Tânia. E a lembrança de um tempo em
que fui muito feliz está lá, no chapisco dourado no cimento bruto do muro.
Quando passei por ali de carro, desacelerei. E o silêncio preenchido de emoção
me trouxe aos ouvidos as músicas, a narração das histórias, o tom de azul do disco
preferido, o alaranjado da vitrolinha de onde saía aquela emoção toda que
sempre me acompanhou...
Na verdade, eu não fui ao Shopping. Eu fui viver
um pouco, fui recordar. Este era o real desejo de Deus quando sussurrou-me a
sugestão do passeio. Pensando bem, talvez eu me livrasse, sim, do dia do Fim,
posto que talvez nem estivesse prestando atenção à promoção da loja e, sim,
tentando descobrir o que tinha sido, antes, no meu tempo de criança, aquele
prédio.
O sol quente demais me levou ao banho, quando
cheguei em casa. E quando o chuveiro derramou a água mais gelada e deliciosa do
mundo sobre minha cabeça fervendo – mais de emoção do que de calor – fui
abençoada com mais uma lembrança gostosa: a água que saía do chuveiro do Clube
Tamoio quando íamos, eu e minha irmã, para a piscina. Eu tinha uns oito anos. E
há três dias tive oito anos sob o chuveiro lá de casa. Meus pensamentos e meu
coração me levaram ao box onde tomávamos uma ducha fria antes de entrar na
piscina do clube. Que saudade! Às vezes os boxes ficavam sem chuveiro, a água
caía direto do cano, chegava a machucar a cabeça. Eu senti aquela dor, aquele
desconforto maravilhoso há três dias! Onde foram parar meus oito anos?
Hoje meu filho tem seis. Está caminhando para seus
sete anos. Feliz, há mais de dez dias na casa dos avós, anda sem chinelos, sem
banhos controlados, tomando sorvete, com a cabeleira crescida, e talvez seja o
menino mais feliz da rua onde está. Antônio daqui a trinta, quarenta anos
recordará com carinho deste tempo que hoje é o dele. Certamente, nos dias que
antecedem o Natal estará com sua memória afetiva aguçada e lembrará com carinho
e nostalgia do avô sentado ao chão consertando, já, o brinquedo que acabara de
ganhar. E da avó, sempre na pia da cozinha, preparando-lhe o suco preferido, ou
a guloseima da vez.
Família é tudo. Viver é tudo. Recordar é tudo. Ser
feliz é tudo. E tudo urge, porque o tempo passa rápido demais. Escrevi algumas
poucas coisas, das inúmeras das quais me lembrei por esses dias. Eu desejo um
São Gonçalo de lembranças maravilhosas para Antônio! Eu fui feliz por lá,
voltei com saudade de ser feliz de novo!...
O tempo não para. Obrigada, meu Deus, por me
lembrar disto, todos os dias. Na estrada, já voltando para Iguaba, um corpo
coberto por um plástico preto engarrafava o trânsito enquanto se despedia da
vida. Aquele se foi. Bendito seja quem sabe viver!
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