Calendário de mãe é diferente de todos os outros, hoje sei.
Como pode Antônio ter nascido ontem, se hoje já
sabe ler e posa numa elegante beca para a foto da formatura? O que foi que eu
perdi? Será que dormi uns minutos enquanto o tempo passou desse jeito?
Há pouquíssimo tempo eu o sentia na minha
barriga. Um pé enorme me dava chutes, era possível encontrar e segurar seu
calcanhar. Depois, quando dei por mim, estava aguardando a hora de recebê-lo em
meus braços. Mais à frente, eu e ele nos descobríamos, ousada que fui em dispensar
companhia quando chegamos em casa. Assim, fui virando as páginas da minha/sua
vida e, agora, num susto, dei-me conta de que Antônio já sabe ler!
Quando fez um ano, viramos a primeira: de pé,
ensaiando os passos, a salvo das febres loucas que tiraram nosso sono,
apontando, já, para o local onde a dor o incomodava, balbuciando palavras –
aqueles códigos que só mãe e filho entendem! – para expressar vontades e
pensamentos...
Aos dois anos, libertou-me das noites acordada
amamentando, cansaço extremo, romantismo fictício criado não sei por quem
(certamente por alguém que nunca amamentou). Andando com firmeza, chegou onde
queria sem necessitar meu colo, vivendo as primeiras experiências daquilo que
mais tarde entenderá como liberdade...
Com três anos, a descoberta da linguagem
escrita: dominava as letras do alfabeto, ensaiava junções, e enfeitamos toda a
sala da casa com letras emborrachadas, porque esta lhe era a brincadeira
favorita. Antônio divertia-se lendo, e era lindo sair com ele às ruas e ter que
parar diante de cada placa de automóvel para que, apontando um dedinho
minúsculo, fosse identificando, diante de gente tão boquiaberta quanto eu, as
letras e os números que a compunham...
Quando Antônio fez quatro anos tornou-se
verdadeiramente meu companheiro: um homenzinho, que já perguntava o motivo dos
meus choros, já me fazia carinho espontaneamente, nas horas exatas em que eu
mais precisava. Conversava com Jesus, e muitas vezes ralhou comigo por eu ter
interrompido a intimidade com Deus. Surpreendeu-me várias vezes dizendo-me,
inclusive, que Jesus lhe dizia que não havia outro mundo com gente vivendo. Só
o nosso, só a Terra. Uma convicção divina ao me garantir: “Ele está me dizendo, mãe, não tem”...
Com cinco anos tornou-se um explorador do universo.
Garantiu a diversão, penetrando no mundo das ilusões dos desenhos animados.
Virou herói, voou, desbravou terras virgens, exterminou o mal que aterrorizava
a humanidade, defendeu-nos aqui em casa de tudo o que lhe pareceu ser obra da “gente
do mal”. Foi Superman, Batman, Capitão Planeta, com a mesma intensidade com que
foi cada um dos absolutamente infantis Backyardigans.
E ao completar seis anos deu-me o maior aviso de
que a vida se lhe manifestava biologicamente: apresentou-me o dentinho mole
que, tendo logo sido seguido por outro, levou embora minhas chances de que a
tecla pause do tempo verdadeiramente poderia existir, para manter meu Antônio com
um metro e vinte e poucos centímetros para sempre!...
Hoje meu menino – meu amigo! – tem na boca dois
dentinhos permanentes, que vieram e ocuparam lindamente o lugar dos dois que se
foram, sem que ninguém perceba. Às vezes me esqueço do que aconteceu e o vejo
bebezinho. Prefiro assim, muitas vezes...
Hoje meu menino – meu companheiro! – já não se
senta mais à beira da cama esperando que eu saque da caixa de livros uma
história interessante para contar. Ele pede que eu me ajeite para ouvi-lo
contar a história por ele escolhida. Antônio não sabe, mas na maioria das vezes
nem presto atenção no que conta, extasiada que fico a agradecer a Deus pelo
milagre da Vida que, agora, encontra-se a ler fábulas, poesias, trava-línguas
para mim.
Antônio hoje caminha – por um calendário que não
acompanha o meu – para os seus sete anos. Eu olho para trás e tudo o que vejo
são os desesperos de uma mãe que não sabia como abrir a tampa da banheira, pôr
água quente e fria, e dar banho num menino completamente encharcado pelo
próprio refluxo. Olho para trás e tudo o que vejo são os números pequenos do
termômetro a acusar a febre à meia-noite, os dos ponteiros do relógio a marcarem
a cólica às duas da manhã, a garganta inflamada doída às quatro... Lá atrás eu
não imaginava que um dia sorriria disto tudo, porque só o que fazia era chorar.
Hoje minha razão de viver chama-se Antônio. Se
tenho orgulho de alguma coisa que fiz na vida, foi de ter sido caminho para que
Deus lhe apresentasse ao mundo. Se encontro motivos para sorrir, é porque tenho
o rosto dele diante de mim todas as manhãs, tardes e noites.
Há dois dias uma febre fez-lhe companhia. E
velando-lhe o sono, vejo aquele bebê pequeno, que nem coube na roupinha escolhida
para a saída da maternidade. Sua expressão de mal-estar é a mesma das noites em
que sofremos juntos seus incômodos. Acho que o verei sempre daquele mesmo
jeito: encolhidinho no berço, vermelhinho, cabeça coberta por cabelos pretos,
olhinhos de jabuticaba assustados...
Estamos virando mais esta página, meu filho! E estamos
juntos nessa, também. A você agora serão apresentadas todas as coisas que um
letrado conhece. Há um longo caminho a percorrer, ainda, até que você conquiste
seus sonhos, e utilize-se dos estudos para isto. Por enquanto vamos avançando
pouco a pouco, sempre de mãos dadas, como fazemos.
Uma alegria impossível de ser descrita habita o
coração de uma mãe que vê seu filho chegar em casa e dizer que “passou de ano”
que “já sabe ler e escrever”. Fiz minha parte: abracei fortemente meu pequeno,
para que ele se sentisse importante. Dei-lhe de presente férias na casa dos
avós, e sequer conversamos sobre coisas materiais.
Amanhã vou levá-lo para São Gonçalo, e cumprir
minha promessa. Deixarei lá, por uns dias, tudo aquilo que amo. Mas ele estará
sendo recompensado pelos dias de alegria com os quais me presenteia pelo
simples fato de viver, e de ser meu.
Depois das Festas, quando voltarmos,
encontraremos, já pelo caminho, pela estrada, as páginas novas, que esperam ser
viradas: as histórias que me contará sobre os dias na casa da vovó e do vovô!
Antônio é uma festa! É sócio neste diário-blog. Obrigada, Senhor, por tudo o
que ainda viverei ao lado do meu filho querido!
E viva mesmo. Cada palavra, cada gesto, cada novo olhar. Um dia você verá este olhar de encantamento que por agora é dirigido a você se voltar para uma moça que você nunca viu e que nem te perguntou se poderia se aproximar dele ou disse quais eram as suas intenções? Ele irá se formar, se casar e a vida dele seguirá e a sua também, meio que por tabela, seguindo à margem da dele. E um dia, um novo ser aparece, seu menino, milagrosamente recriado. Mesmo cabelo, mesmos olhos, nascido de outro ventre, amamentado por outros seios, mas como? É o seu menino. Igual. Mas só será 12,5% você. Mas e daí a matemática ou a genética. É a vida que segue. O seu menino? Ainda estará lá. Mais distante, mais calado, com todos os compromisso que agora, ele pai, tem para resolver: a falta de grana, as febres do bebê e você, AVÓ torna-se expectadora deste maravilhoso caminhar...
ResponderExcluirUau, Janaina! Não sei o que pensar desse futuro aí, que vc já vive, e me descreveu... Vou aguardar para vivê-lo e, se Deus quiser, depois, contá-lo a vc. Obrigada!!!
ExcluirAMEI QUANDO FIZ A LEITURA DESSE TEXTO.
ResponderExcluirREALMENTE UMA MARAVILHA SER MÃE PARTICIPATIVA NA VIDA DOS FILHOS.
BJUSS
Deus nos abençoe, não é, Priscila? Deus nos abençoe! :)
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