Quando eu era criança meus pais me ensinaram que era feio
rir ao ver alguém levando um tombo. Eu prendi o riso algumas vezes, até que vi
minha mãe tropeçar numa calçada em Niterói, bater a cabeça no meio-fio e deixar
lá um chumaço de cabelo que demorou a ser refeito... Ver minha mãe cair daquele
jeito não teve nenhuma graça para mim, tampouco para ela. Ali eu aprendi a não
rir das desgraças dos outros.
Todas as vezes em que caí, gargalhei junto com quem assistia
à queda. Um sorriso mecânico de quem quer mais é chorar, correr, sumir.
Todo mundo que já passou por isto sabe a situação
constrangedora que é, e sabe que não há graça nenhuma no “acontecimento”.
Quando a gente é enganado por um trote não se diverte. Que
satisfação é esta que hoje rompe as fronteiras dos meios de comunicação – com
direito a milhares, milhões de acessos virtuais – para deixar doloridas as
bochechas dos homens e mulheres que se distraem alegremente ao verem o seu
próximo em situação vexatória?
Eu não gosto das agora cada vez mais famosas “pegadinhas”. E
ainda que sejam, todas, cenas ensaiadas por atrizes e atores, acho de péssimo
gosto difundir a ideia de que pimenta nos olhos dos outros é refresco.
Antes era só um tombinho: escorregar no chão molhado,
desequilibrar-se depois de correr bastante, perder o fôlego... Agora a coisa
está tomando uma dimensão anti-humana e venho tendo medo disto.
Crescendo, fui aprendendo a estender a mão àquele que caía.
Segurei crianças no ônibus, cedi meu lugar para gente que não se equilibrava
nas freadas bruscas. E gostei do resultado. Passei a ajudar as pessoas nas
ruas, a socorrer acidentados, a ralhar com quem achava graça do que em nada era
engraçado.
Hoje fico pensando que os vídeos poderiam ser assim, com
situações cotidianas de amor ao próximo registradas em tempo real. E em vez das
pessoas torcerem pelos acidentes com suas câmeras prontas para o
ataque-sucesso-na-mídia-amanhã estariam sempre alerta para fazerem o bem, na
hora exata: colocaríamos o lixo na lixeira, socorreríamos os pedestres
desatentos, ofereceríamos água aos animais abandonados, balançaríamos as
crianças nos parques, atravessaríamos os idosos nas ruas, diríamos “bom dia!”,
“boa tarde!”, “obrigado!”, “por favor!” e muitas, muitas vezes “perdão!”... E,
tendo sido filmadas as ações de bem, estariam todas sendo veiculadas no jornal
da noite, no programa de domingo, na internet, e as atitudes boas seriam
disseminadas pelo mundo afora, servindo de exemplo às milhões de pessoas que
hoje choram de rir ao verem alguém se afogando num rio. Hoje os pais só
socorrem seus filhos dos tombos no parquinho ou na piscina depois de garantirem
o melhor ângulo para a “videocassetada” ficar perfeita! Uau!
Estou passando rapidamente por aqui, só para me livrar de um
sentimento que tem me tomado uns pensamentos já faz algum tempo.
Como educar as crianças, deste jeito, se estão ao lado de
seus pais na hora do programa onde aparecem as aberrações? Onde está a
cidadania, o respeito ao próximo?
Abrindo a página do meu facebook
eu vi tantos compartilhamentos de vídeos de “pegadinhas” que temi. Hoje estão
rindo dos outros, amanhã será que não cairão?
A reversão dos valores está aí, nos circundando. E vai se
dando subjetivamente, às vezes sem que percebamos. É hora de ficar alerta.
Pimenta nos olhos dos outros arde, e arde muito. Um bom cidadão diria que nos
outros arde mais ainda. O negócio lá propõe ser engraçado, mas não é. E não há
necessidade de levarmos um tombo feio na rua ou dividirmos o elevador com um
caixão para nos darmos conta de que nada disto é proposta de Deus, nada disto
faz bem.
Vamos pensar sobre isto?
Sinceramente, estou sem palavras... Perfeito!!! Parabéns!
ResponderExcluirObrigada, Silvia! :)
ExcluirExcelente! Disse tudo o que eu e, com certeza, muita gente gostaria de dizer também. Coisa séria isso. Parabéns pelo texto e pela chamada à reflexão.
ResponderExcluirObrigada, Roseli!
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