Eu quero uma vida nova.
Quero poder dizer adeus. Algumas
pessoas se foram da minha vida, sem que eu tivesse me despedido. Quero dizer
adeus a Wilson, amigo engraçado que se foi de repente, e me deixou sem sorrir
durante um longo tempo... Wilson fez isto. Morreu. E mandou alguém me avisar
por telefone. Dias antes estava comigo, brincando, me divertindo. Como pôde ter
sido assim?
Quero dizer adeus à Madalena. Quero
atender o telefone naquele dia que ela me ligou, às vésperas de deixar o mundo,
e eu não atendi. Quero saber o que ela me falaria. Quero pedir sua bênção, para
continuar vivendo, mesmo com a saudade que não me deixa ter paz.
Eu quero uma vida nova. Aproveitaria
ainda mais o tempo ao lado de Wilson e Madalena. Gargalharia com as histórias
de um aventureiro, que veio ao mundo para vivê-lo, e aprenderia com as
histórias de Madá, que veio ao mundo para que eu pudesse ser mais feliz.
Na minha vida nova, eu teria um sítio
para acolher os animais que vagam abandonados nas ruas. Lá seria o céu – daria este
nome ao sítio – já que dizem que no céu não há animais... Faria campanhas de
preservação da natureza em tempo de ver bons resultados. Ensinaria às crianças
que o que se planta hoje, se colhe amanhã. Ensinaria aos adultos que vale a
pena investir na semeadura, ainda que não estejamos vivos para testemunhar a
colheita.
Preciso de uma vida nova. Quero dizer
do meu amor para as pessoas que amo. Essa vida corrida que levo não tem me
deixado fazer isto. Quero abraçar – muito! – para matar saudade, quero beijar,
fazer carinho. Preciso escrever cartas, quero perfumá-las, para que seus
destinatários fiquem com o aroma da lembrança do que é uma amizade verdadeira.
Uma nova vida para ajudar as pessoas
que moram tão longe de mim e sofrem por carências materiais. O mínimo, eu não
quero muito, mas uma vida nova me impulsionaria a largar tudo isto que vivo
aqui, e sair mundo afora ajudando ao meu próximo.
Eu quero uma vida nova. Preciso pedir
perdão a algumas pessoas por coisas que fiz, que disse, que pensei. Preciso
perdoar algumas dores que sinto, que me deixam doente de vez em quando. Preciso
falar mais verdades, mas preciso ser mais cuidadosa, e observar que nem todo
mundo está preparado para ouvi-las. Preciso omitir certas opiniões, evitar
brigas, desgastes, porque isto não leva a nada.
Quando se chega a querer uma vida nova,
é porque já se sabe alguma coisa. Fico aqui, na frente, tentando alertar a
Antônio do que é triste, do que é chato, do que faz mal. Mas ele cai do mesmo
jeito, machuca o joelho, chora, sofre. Graças a Deus eu dou colo. Aqui em casa,
quando ele chora, já vem “subindo” em mim. Depois do consolo, desce. Sempre me
beija antes, e agradece, como se não fosse minha a total obrigação de amenizar
o sofrimento dele...
Quero amenizar sofrimentos, na vida
nova. Ter palavras certas para dizer, para que as lágrimas nos rostos de todas
as pessoas cessem. É difícil chorar sozinho. Ninguém nunca se esquece do dia
que chorou sozinho... Quero estar lá, no momento preciso, em que a primeira
lágrima for derramada. Quero ser porto, ajuda, companhia, servidão.
Eu quero uma vida nova, mais próxima de
Deus.
Quando se chega à metade da vida, se
quer viver. Jovens não sabem de nada, crianças sabem menos ainda e, no entanto,
são as crianças e os jovens que sabem viver: amam a vida, respiram cada minuto
dela como se fosse o último. Riem-se de si mesmos, são alegria para quem está
por perto. Quer vida melhor?
Se eu pudesse ter uma vida nova, afastaria
os jovens das drogas. Dessa morte que convida a partir o nosso filho, nosso
amigo, nosso vizinho. Que leva consigo as famílias, que desagrega, que torna
dependente do inferno toda uma sociedade. E eu apresentaria a VIDA aos meninos
e meninas que não experimentaram alegria diferente, e só conhecem o prazer dos
cinco minutos de êxtase. Mostraria a eles que existe o circo, o parque, a arte,
o livro, o sol, o mar, a natureza. Mostraria que existe o outro, o irmão, a
palavra, o carinho. Mostraria que afeto existe, que é possível amar e ser
amado. O amor cura, liberta, e nos livra dos vícios desde muito tempo atrás!...
A metade da vida é o sinal que se
acende amarelo: ATENÇÃO!
Tudo o que fiz até aqui, está feito.
Orgulho-me dos acertos, envergonho-me pelos erros. Mas com acertos e erros
aprendo e, tendo aprendido, ensino. Hoje olho pra trás e tento lembrar-me dos
sonhos que tinha ajoelhada aos pés da cama aos dezesseis anos. Sonhava em ser
feliz. Tenho quarenta e quatro, sonho em ser feliz. Antônio já me é quase
certeza de que sou, de que serei. Mas resta-me pouco tempo ao seu lado.
Todos os dias, quando saio de casa para
trabalhar e pego a estrada, peço a Deus que me leve e me traga de volta. Mas
não há um só dia em que, trocando uma estação do rádio do carro ou um CD, eu
não pense em morrer num acidente. Sempre penso, não domino isto. E já não sei
se é um alerta ou uma intuição.
E se um dia eu não voltar pra casa?
Deveríamos viver a vida inteira
pensando nesta possibilidade, ainda que prefiramos não pensar nisto.
Um dia a gente não volta do trabalho,
do passeio, da internação, do banho, do sono. E, no entanto, mesmo cientes
disto, a gente perde tanto tempo com coisas que valem tão pouco, e adia pra
muito depois o que realmente interessa.
Quero uma vida nova. Começar tudo de
novo. Amar, acolher, saber retribuir na mesma medida o amor que recebo...
Minha vida nova começa agora. Já vivi
quarenta e quatro anos. Se eu mudar minha vida e conseguir planejar meus outros
quarenta e quatro, já valerá a pena.
Para quem sabe (re)viver, vida nova é
todo dia!