Maria acordou sobressaltada. O
barulho do despertador a fez pular da cama. Certamente estava no melhor do seu
sono...
Ligou o celular, confirmou a
hora. Não tinha jeito, era hora de se levantar. Olhou João, que dormia. Sono
pesado. A noite foi longa, o menino Pedro estava febril – garganta inflamada! –
e João revezou com ela as idas ao quarto da criança.
Saiu do quarto tranquila: hoje
João só trabalha à tarde e, como é dia dela dar aulas só pela manhã e à noite,
Pedro estará bem, em casa.
Tomou seu banho, passou um café
forte e açucarado, sentou por uns minutos à mesa da cozinha e, enquanto cortava
o queijo relembrou os passos da aula de hoje.
Maria é professora de Língua
Portuguesa. Ama o que faz. Pega sempre turmas que, a princípio, a escola toda
chama de problemática: muita distorção idade/série, portanto, muitos alunos
repetentes. “São muitas histórias para ouvir e aprender a viver”, diz ela,
sempre que fazem careta quando ela explica seu trabalho.
Dá partida no carro e segue
para a escola. Chega um pouquinho antes de o sinal tocar. Dá tempo de dizer “bom
dia” a todos que estão pelo pátio e descansar da viagem de quarenta minutos e
trânsito pesado. Algumas vezes acontece até de pegar no sono, porque debruça-se
sobre a mesa da sala dos professores. Hoje é um dia em que Maria corre este
risco, dada a noite que passou. Pensa nisto. E evita sentar-se. Olha o relógio,
calcula o horário do remédio de Pedro. Lembra dele e de João. Seu corpo está na
escola, enquanto o coração... Ah, esse veio pela metade!...
O sinal toca longamente. É
sempre assim, as crianças parecem não ouvi-lo. Há sempre um inspetor de alunos
que conduz os alunos para a forma: cara zangada, fria. Os meninos riem. Ele já
não os convence mais, o Sr. José. Mas todo mundo obedece e as filas vão se
formando perfeitas, dá gosto de ver.
Maria segura a mão de Inácio, o
menorzinho da turma do sexto ano, o primeiro da fila, e segue para a sala de
aula. Ela segura com firmeza e carinho. Descobriu dia desses que Inácio não
recebe carinhos em casa. Criado pela avó paterna – que o faz por “desencargo de
consciência”, como ela mesma confessou muito rispidamente a Maria – não conheceu
a mãe, nem o pai. Soube, pela avó, que os dois se separaram quando ele ainda
era um bebê, casaram-se de novo, formaram novas famílias e ninguém quis
ficar com ele. Inácio repetiu o ano. Tem a idade de Pedro, seu filho. E Maria
ama Inácio.
Findada a manhã, Maria se
aproxima da porta para esperar o sinal de saída tocar. Ela se despede de cada
um da turma do nono ano, onde ministra as duas últimas aulas do turno. Passa a
mão carinhosamente na cabeça dos rapagões e das moças. Naquela sala há uma
menina grávida, a Marcela. E Marcela já disse a Maria que se o bebê for homem
irá chamá-lo de Pedro. Uma homenagem ao tanto de histórias que já ouviu Maria
contar sobre o seu menino, durante as aulas de Português. Quando passa pela
porta, Marcela recebe um carinho especial na cabeça, e outro na barriga. Maria
ama Marcela, e já ama o novo Pedro, também.
Despede-se de todos, apaga o
quadro, percebe que passou dever demais. Sorri sozinha. Ainda lhe restam trinta
minutos. Senta-se, corrige algumas atividades. Separa as folhas de quem errou
muita coisa. Fará uma revisão na próxima aula. Hoje Maria não esteve inteira na
sala, e ela reconhece que pode ter prejudicado, com isto, a aprendizagem dos
alunos. Liga para João e avisa que em quarenta minutos estará em casa. Ela
sempre chega em quarenta minutos. Ele sempre sabe. Mas ela sempre liga. Fica
esperando o “vem com Deus”, dele.
Chega a casa, beija Pedro. João
espera sua vez. Pedro agora é o primeiro a receber os carinhos daquela mulher que
já foi sua esposa, mas há dez anos é mãe. E reconhece seu lugar “na fila”.
Maria o abraça, sente-se menos cansada da viagem dentro dos braços de João.
Sentam-se para almoçar, já está tudo preparado. É o que cabe a João quando ele
só trabalha à tarde: organizar o almoço.
Percebendo Pedro melhor, é hora
da refeição. João conta como passaram a manhã, Pedro conta sobre um livro que
leu, Maria conta sobre o dia na escola. Fala sobre Inácio e sobre Marcela,
marido e filho já sabem. Todos muito preocupados com o que será do futuro do
menino – aquela vida tão sofrida! – e com o que será do bebê da adolescente. Ninguém
sabe quem é o pai da criança...
A conversa flui naturalmente.
Até que João avisa que está na hora de ir trabalhar. Pede as chaves do carro a
Maria, que o alerta sobre um barulho diferente no motor. Ele ri. “O problema
está entre o banco e o volante”, faz a piada de todos os dias, beija Pedro e
Maria – exatamente nessa ordem, também – e deixa a casa.
João é professor de Matemática
e ama o que faz. Trabalha numa escola mais próxima. Particular. E enquanto
espera a chamada do concurso público da cidade onde moram, dá aulas
particulares de Matemática e Física nos fins de semana. João e Maria querem
comprar uma casa. Estão juntando dinheiro.
Maria recolhe a louça e segue
para a pia. Pedro hoje não vai à escola, ainda não está bem. Volta para a cama
e liga a televisão. Mas acaba adormecendo.
Ela volta da cozinha com a
toalha de pratos ainda nas mãos e olha seu menino. Fecha as cortinas do quarto,
desliga a TV, ajeita-lhe o travesseiro e o lençol. Encosta a porta. Vai para a sala de estar com seu material preparar a aula da noite. Hoje dará aulas de produção textual
para seus alunos da EJA. Prepara a melhor aula que pode.
Quando João chega, Maria e
Pedro já estão lanchando. Conversam rapidamente sobre o dia de trabalho dele.
Maria pega a bicicleta – agora a escola fica a dois quarteirões da sua rua – e
vai ao encontro dos seus senhores, que a recebem no portão, carregam sua bolsa,
seus livros, lhe trazem frutas e verduras. Certa vez Maria ganhou de um deles
uma galinha da roça! Maria se diverte, é uma noite feliz. A aula acaba e
ninguém quer ir embora, mas o ônibus chega, carrega todo mundo e sai,
levantando poeira.
O caminho de volta Maria faz em
oração. Agradece a Deus pelo seu trabalho, pelos seus alunos, pela família
linda que tem. Agradece porque a febre de Pedro cessou, agradece porque ama a
sua profissão. E pede a Deus que o seu dia de amanhã seja, da mesma forma,
abençoado.
Entra em casa sem fazer barulho. Os dois já estão dormindo. Toma um banho quente e, antes de deitar-se
ao lado de João, confere se o despertador está acionado. Amanhã a rotina será a
mesma, naquela família. Uma rotina e tanto!
Somos Maria e João...amantes da Educação e do contato HUMANO!
ResponderExcluirAmém, Professora. Amém! :)
ExcluirLinda historia amiga.........existem muitas Marias na educacao.
ResponderExcluirGraças a Deus! Abençoadas Marias!...
ExcluirAdorei!
ResponderExcluirQue bom! Obrigada, Professora!!! :)
ExcluirNOSSA! É ASSIM MESMO, CONCILIAR TRABALHO E FAMÍLIA TEM QUE TER ACIMA DE TUDO MUITO AMOR PELAS DUAS COISAS. DEUS ABENÇOE A TODOS NÓS.
ResponderExcluirAmém! Obrigada, Chris!
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