sexta-feira, 15 de março de 2013

Galo Francisco

("Tem dias que a gente se sente/Como quem partiu ou morreu/A gente estancou de repente/Ou foi o mundo então que cresceu..." Eu queria escrever algo, mas um Francisco (desta vez, Buarque de Hollanda) resolveu aparecer pra sugerir... O texto é em homenagem a Francisco Carlos de Mattos. E em homenagem à minha dor de hoje.)


Hoje, que meu coração encheu-se de tristeza, cansaço e dor; hoje, que percebi que posso ser nada enquanto acho que sou tanto; hoje, que me vi tão pequena diante da grandeza enorme dos meus sonhos, estive pensando nele.

Eu nasci em 1968. Meus pais atravessaram as Guerras Mundiais. Quando eu era pequena havia falta de alimentos. Às vezes não se encontrava feijão preto nos mercados, às vezes era o óleo de cozinha que sumia. O alho custava tão caro, que quando estava com um bom preço minha mãe comprava maior quantidade. Eu cresci sob os resquícios, não da guerra em si, mas do que ela fez com meus pais.

Lá em casa não se falava mal do governo. Lá em casa, Getúlio Vargas era admirado. E os rapazes e as mocinhas que sumiam junto com a Ditadura eram meninos rebeldes, de comportamento duvidoso, que a gente não podia jamais pensar em imitar!

Crescer, pra mim, foi difícil. Estive na escola num período em que pouco se falava da realidade dos fatos – ainda era muito cedo! – e as mentiras verdadeiras eram difundidas nos longos questionários nas aulas de História do Brasil. Já lá me sentia confusa. Mas eu era uma menina de dez anos de idade. Ninguém dava importância a uma menina de dez anos de idade naquela época...

Quando a adolescência chegou em minha vida, entendi um pouco da história do Brasil pela voz de Chico Buarque. Caetano e Gil cantaram os gritos de horror e Chico (olha um Francisco aí!), sobretudo ele, ensinou o que alguns professores recusaram-se a ensinar. E eu aprendi o que poderia querer dizer a palavra pátria.

Gonzaguinha também me ensinou a amar o Brasil. E enquanto eu trabalhava incansavelmente, ele punha a mão no meu ombro e me confortava, dizendo que “sem o seu trabalho um homem não tem honra”...

Aí eu me apaixonei pelo meu trabalho e só o que fiz durante toda a minha vida foi trabalhar. Quando dei por mim estava completamente envolvida no processo de educação das crianças, e já não sabia mais viver fora daquele ambiente.

Uma coisa ficou, ainda que eu tenha me tornado um adulto: a incapacidade de entender por que as pessoas doaram seu sangue, sua liberdade e sua vida por causas políticas. Nunca entendi por que jovens morreram tão cedo por um Brasil democrático!

Mas, sem perceber, eu fazia o mesmo com a minha vida. Sempre defendendo a qualidade na educação oferecida no serviço público, sempre na defesa de melhores salários, sempre nas discussões calorosas nas salas dos professores. Ganhei com isto uns inimigos, uns silêncios e umas pragas rogadas, também.

Sobrevivi aos desejos mais perversos de que eu desaparecesse. E segui. Nas mãos, a vontade de crescer, de ver o futuro chegar logo, de ver a liberdade com suas asas estendidas sobre nós. De passo em passo, por muitas estradas passei. Trinta anos se passaram e hoje, tudo o que resta de mim é um cansaço doído, que me causa confusão de sentimentos. Olhando para trás, para todo o caminho percorrido, já não sei se não foi em vão tudo aquilo.

Então me lembrei de Francisco. Daquele quase Tenório Cavalcanti. Daquele menestrel – no mais amplo sentido da palavra – corajoso, a cantar como galo de João Cabral de Melo Neto. Lembrei-me dele, de sua persistência, de sua ousadia, de sua luta. E lembrei-me de que um dia ele pareceu-me cansado. E lembrei-me do susto que levei quando vi que confessou o sentimento.

Mas ele é rocha, como pôde desmoronar? Mas ele é o nosso escudo, como pôde ruir? E então, por um momento fui Francisco.

Francisco optou por estar à frente de um povo nobre, escolado, consciente. E hoje está quase só, na sua luta. Todo mundo tem muito o que fazer, e Francisco representa o todo mundo que faz o muito que tem que fazer enquanto Francisco empresta seu sangue, sua liberdade, sua vida.

Hoje, que meu coração encheu-se de tristeza, cansaço e dor; hoje, que percebi que posso ser nada enquanto acho que sou tanto; hoje, que me vi tão pequena diante da grandeza enorme dos meus sonhos, cansei-me de ser Francisco. E entendi quando ele também se cansou de ser.

Não chegamos a lugar algum quando caminhamos sós. A água mole bate na pedra dura e a transforma, sim, mas não bate sozinha. São infinitas gotas, com o mesmo objetivo. Fora isto, se observarmos as ondas do mar tocando as rochas, veremos claramente que grande parte toma outro rumo. Desiste de enfrentar a dureza do concreto. Contorna os obstáculos.

Não chegamos a lugar algum quando caminhamos passos diferentes. E onde não há coletividade, nada há.

Francisco hoje grita por um mundo melhor com seus “posts” em cores chamativas, que mais parecem luzes de neon. Os que os lêem, agradecem a representação. E ponto final.

Cansei de gritar lá fora. Eu grito aqui, no blog. E hoje vim gritar que uma confusão habita minha cabeça há alguns dias. E os Franciscos estão lá – o Buarque e o Mattos – a me dizerem que talvez não valha a pena.

Quero agradecer ao meu galo-amigo, porque desde o dia em que soube que seria ele o meu representante nas causas por uma educação de verdade fiquei muito honrada. E quero dizer também que temos o direito de nos sentirmos assim, cansados, também.

Há um abismo diante de mim, agora. Olho para o nada. Não vejo futuro algum. Por um momento sinto-me como perfeitamente dispensável dentro de um serviço que ocupa a parte que me sobra no coração depois de ter reservado o espaço para Antônio. Pela primeira vez não sei de nada.

Consultando o Google à procura de uma imagem para a minha página virtual, encontrei aquela frase que descreve a fé como aquilo que lhe dá a certeza de que, se conseguir sair do abismo em que se encontra e já estiver sem fôlego, haverá algo firme em que permanecer, ou irão ensiná-lo a voar.

Preciso de asas. Ou de chão firme. Talvez de coragem. Ou braços estendidos. Ou novos horizontes. Ou, talvez, tudo isto passe dentro do abraço de um Antônio que por pouco não se chamou Francisco. Vou terminar este texto e experimentar.

Um comentário:

  1. Obrigado, amiga, é tudo o que tenho a lhe dizer... muito obrigado... Vou lhe confessar uma coisa aqui e sem medo do espaço, que é público: quando abracei a proposta de vir numa chapa, visando a direção do nosso sindicato, confesso-lhe que a princípio pensei em contribuir ou até mesmo mexer com @s companheir@s pedagog@s, excluindo alguns(mas)pouc@s. Ficava (e ainda fico) incomodado com a ausência de comprometimento político com as causas da educação, com a negação (neg+ação)do pensamento coletivo, de uma coisa mais orgânica. Você sabe que sou partidário, também,da Pedagogia do Afeto, da amorosidade (muito bem defendido pelo grande e inesquecível Mestre Paulo Freire), mas, aí eu tenho que citar o meu amigo Prof. DOC, também não posso me cegar ou negar as visão e ação da Pedagogia Política. Não posso esquecer que sou um ser político por essência e pela existência (apesar de andar de braços dados com o Existencialismo sartreano, quando afirma que "A existência precede a essência").
    Naquele momento em que postei aquela onça maravilhosa prostrada num galho de uma árvore, como se estivesse derrotada, cansada de correr atrás dos seus objetivos, de suas caças e não conseguir alcançá-los, foi, principalmente, dos colegas dessa nossa área tão controvertida de quem falava.
    Vou me agarrar com o mais novo Francisco da praça e ver se ele, por ser PAPA, não consegue interceder a meu favor junto ao Deus Pai Todo Poderoso. Vou pedir forças para aguentar o tranco por mais algum tempo, paciência para não desembestar por aí e um pouco de paz... para nós!
    Beijos!

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