Hoje, que meu coração encheu-se de tristeza, cansaço e dor;
hoje, que percebi que posso ser nada enquanto acho que sou tanto; hoje, que me
vi tão pequena diante da grandeza enorme dos meus sonhos, estive pensando nele.
Eu nasci em 1968. Meus pais atravessaram as Guerras
Mundiais. Quando eu era pequena havia falta de alimentos. Às vezes não se
encontrava feijão preto nos mercados, às vezes era o óleo de cozinha que sumia.
O alho custava tão caro, que quando estava com um bom preço minha mãe comprava maior
quantidade. Eu cresci sob os resquícios, não da guerra em si, mas do que ela
fez com meus pais.
Lá em casa não se falava mal do governo. Lá em casa, Getúlio
Vargas era admirado. E os rapazes e as mocinhas que sumiam junto com a Ditadura
eram meninos rebeldes, de comportamento duvidoso, que a gente não podia jamais
pensar em imitar!
Crescer, pra mim, foi difícil. Estive na escola num período
em que pouco se falava da realidade dos fatos – ainda era muito cedo! – e as
mentiras verdadeiras eram difundidas nos longos questionários nas aulas de
História do Brasil. Já lá me sentia confusa. Mas eu era uma menina de dez anos
de idade. Ninguém dava importância a uma menina de dez anos de idade naquela
época...
Quando a adolescência chegou em minha vida, entendi um pouco
da história do Brasil pela voz de Chico Buarque. Caetano e Gil cantaram os
gritos de horror e Chico (olha um Francisco aí!), sobretudo ele, ensinou o que
alguns professores recusaram-se a ensinar. E eu aprendi o que poderia querer
dizer a palavra pátria.
Gonzaguinha também me ensinou a amar o Brasil. E enquanto eu
trabalhava incansavelmente, ele punha a mão no meu ombro e me confortava,
dizendo que “sem o seu trabalho um homem
não tem honra”...
Aí eu me apaixonei pelo meu trabalho e só o que fiz durante
toda a minha vida foi trabalhar. Quando dei por mim estava completamente
envolvida no processo de educação das crianças, e já não sabia mais viver fora
daquele ambiente.
Uma coisa ficou, ainda que eu tenha me tornado um adulto: a
incapacidade de entender por que as pessoas doaram seu sangue, sua liberdade e
sua vida por causas políticas. Nunca entendi por que jovens morreram tão cedo
por um Brasil democrático!
Mas, sem perceber, eu fazia o mesmo com a minha vida. Sempre
defendendo a qualidade na educação oferecida no serviço público, sempre na
defesa de melhores salários, sempre nas discussões calorosas nas salas dos
professores. Ganhei com isto uns inimigos, uns silêncios e umas pragas rogadas,
também.
Sobrevivi aos desejos mais perversos de que eu
desaparecesse. E segui. Nas mãos, a vontade de crescer, de ver o futuro chegar
logo, de ver a liberdade com suas asas estendidas sobre nós. De passo em passo,
por muitas estradas passei. Trinta anos se passaram e hoje, tudo o que resta de
mim é um cansaço doído, que me causa confusão de sentimentos. Olhando para
trás, para todo o caminho percorrido, já não sei se não foi em vão tudo aquilo.
Então me lembrei de Francisco. Daquele quase Tenório
Cavalcanti. Daquele menestrel – no mais amplo sentido da palavra – corajoso, a
cantar como galo de João Cabral de Melo Neto. Lembrei-me dele, de sua
persistência, de sua ousadia, de sua luta. E lembrei-me de que um dia ele
pareceu-me cansado. E lembrei-me do susto que levei quando vi que confessou o
sentimento.
Mas ele é rocha, como pôde desmoronar? Mas ele é o nosso
escudo, como pôde ruir? E então, por um momento fui Francisco.
Francisco optou por estar à frente de um povo nobre,
escolado, consciente. E hoje está quase só, na sua luta. Todo mundo tem muito o
que fazer, e Francisco representa o todo mundo que faz o muito que tem que
fazer enquanto Francisco empresta seu sangue, sua liberdade, sua vida.
Hoje, que meu coração encheu-se de tristeza, cansaço e dor;
hoje, que percebi que posso ser nada enquanto acho que sou tanto; hoje, que me
vi tão pequena diante da grandeza enorme dos meus sonhos, cansei-me de ser Francisco.
E entendi quando ele também se cansou de ser.
Não chegamos a lugar algum quando caminhamos sós. A água
mole bate na pedra dura e a transforma, sim, mas não bate sozinha. São
infinitas gotas, com o mesmo objetivo. Fora isto, se observarmos as ondas do
mar tocando as rochas, veremos claramente que grande parte toma outro rumo.
Desiste de enfrentar a dureza do concreto. Contorna os obstáculos.
Não chegamos a lugar algum quando caminhamos passos
diferentes. E onde não há coletividade, nada há.
Francisco hoje grita por um mundo melhor com seus “posts” em
cores chamativas, que mais parecem luzes de neon. Os que os lêem, agradecem a
representação. E ponto final.
Cansei de gritar lá fora. Eu grito aqui, no blog. E hoje vim
gritar que uma confusão habita minha cabeça há alguns dias. E os Franciscos
estão lá – o Buarque e o Mattos – a me dizerem que talvez não valha a pena.
Quero agradecer ao meu galo-amigo, porque desde o dia em que
soube que seria ele o meu representante nas causas por uma educação de verdade
fiquei muito honrada. E quero dizer também que temos o direito de nos sentirmos
assim, cansados, também.
Há um abismo diante de mim, agora. Olho para o nada. Não
vejo futuro algum. Por um momento sinto-me como perfeitamente dispensável
dentro de um serviço que ocupa a parte que me sobra no coração depois de ter
reservado o espaço para Antônio. Pela primeira vez não sei de nada.
Consultando o Google à procura de uma imagem para a minha
página virtual, encontrei aquela frase que descreve a fé como aquilo que lhe dá
a certeza de que, se conseguir sair do abismo em que se encontra e já estiver
sem fôlego, haverá algo firme em que permanecer, ou irão ensiná-lo a voar.
Preciso de asas. Ou de chão firme. Talvez de coragem. Ou
braços estendidos. Ou novos horizontes. Ou, talvez, tudo isto passe dentro do
abraço de um Antônio que por pouco não se chamou Francisco. Vou terminar este
texto e experimentar.
Obrigado, amiga, é tudo o que tenho a lhe dizer... muito obrigado... Vou lhe confessar uma coisa aqui e sem medo do espaço, que é público: quando abracei a proposta de vir numa chapa, visando a direção do nosso sindicato, confesso-lhe que a princípio pensei em contribuir ou até mesmo mexer com @s companheir@s pedagog@s, excluindo alguns(mas)pouc@s. Ficava (e ainda fico) incomodado com a ausência de comprometimento político com as causas da educação, com a negação (neg+ação)do pensamento coletivo, de uma coisa mais orgânica. Você sabe que sou partidário, também,da Pedagogia do Afeto, da amorosidade (muito bem defendido pelo grande e inesquecível Mestre Paulo Freire), mas, aí eu tenho que citar o meu amigo Prof. DOC, também não posso me cegar ou negar as visão e ação da Pedagogia Política. Não posso esquecer que sou um ser político por essência e pela existência (apesar de andar de braços dados com o Existencialismo sartreano, quando afirma que "A existência precede a essência").
ResponderExcluirNaquele momento em que postei aquela onça maravilhosa prostrada num galho de uma árvore, como se estivesse derrotada, cansada de correr atrás dos seus objetivos, de suas caças e não conseguir alcançá-los, foi, principalmente, dos colegas dessa nossa área tão controvertida de quem falava.
Vou me agarrar com o mais novo Francisco da praça e ver se ele, por ser PAPA, não consegue interceder a meu favor junto ao Deus Pai Todo Poderoso. Vou pedir forças para aguentar o tranco por mais algum tempo, paciência para não desembestar por aí e um pouco de paz... para nós!
Beijos!