Hoje ela mesma preparou o almoço.
Escolheu pessoalmente as verduras no mercado, avaliando-as carinhosamente.
Depois, seguiu para o açougue: carne fresca, saborosa. Temperos escolhidos,
avental amarrado à cintura, respirou fundo e começou a cozinhar.
Seu filho, deitado no sofá da sala
que fica próximo à janela, conversa com ela. Da para ver a cozinha de onde
está, porque há meia parede separando os cômodos. A conversa é boa, ele nem se
dá conta do programa da TV, que ligou mecanicamente...
Falam sobre muitas coisas. Ela,
animada com o ânimo dele, agradece a Deus, entre uma pausa e outra da conversa,
pela vida que seu filho vive hoje. Só por hoje. Dá graças.
Ele sempre foi um menino
maravilhoso, desses que a gente vê na rua, na escola, nas fotografias e pensa: “quero
ter um filho assim”. Inteligente, perspicaz, astuto, questionador. O menino
cresceu rápido, ainda que diante dos olhos dela, e um dia pediu-lhe para ir
embora.
Naquele dia, ela sentiu abrir-se o
chão em que pisava. Filhos se vão? Como é isto? Eis uma experiência que se tem
que ter, para se saber. Ainda que suas amigas com filhos de mesma idade a
houvessem alertado, ela jamais imaginara que chegaria o seu dia de decidir se o
deixaria ir, ou se o pediria para ficar.
Mas ele estava diante dela: mochila
nas costas, roteiro de viagem amassado nas mãos – de tanto planejar! – e duas
passagens compradas... Duas? Sim, ele não ia só. Apaixonara-se por aquela que
agora, só agora, ela julgava louca. Pela primeira vez sentiu ciúmes...
O mundo rodou na sua memória
rapidamente, e não deu uma volta só, não. Diante dela, de pé no tapete da sala –
quase na porta! – esteve, por alguns segundos, o bebê amamentado, a criança dos
primeiros passos oscilantes, o garotinho com o seu primeiro uniforme, o menino de
janelinhas vestido para a festinha do primeiro livro, o rapazinho que mudou de
escola quando terminou o Ensino Fundamental, o adolescente que confessava estar
apaixonado... Todos esses numa só pessoa, seu filho, homem feito, que de pé, à sua frente, esperava apenas por um abraço de “boa viagem”.
Seu coração gritou um “fique!” tão alto
que ela até se assustou! E até hoje acha que seu filho ouviu, também, porque
olhou para ela de um jeito tão diferente que ela nunca mais se esqueceu. Sua
boca se abriu, e tudo o que os dois ouviram no silêncio mais profundo da sala
de casa foi um “vá, vá com Deus!”
O abraço eternizado no sentimento
que ficou com ela e foi com ele durou muito tempo. A porta da sala
escancarou-se para passar por ela o homem com mochilas enormes. E ele desceu as
escadas para ir.
Um dia um amigo meu me disse uma
frase, da qual nunca mais me esquecerei. A frase é de Khalil Gibran, e diz
assim: “Vossos filhos não são vossos. São
filhos da ânsia da vida por ela mesma.” A vida os espera, não há como
proibirmos que vivam.
Ele foi feliz durante muito tempo.
Ela o acompanhou pelos meios virtuais de comunicação. Cada foto postada, um
lugar diferente. Ele via aventuras, prazer, satisfação, conquista. Ela, só via
os perigos: muito alto, muito longe, muito frio, muito quente, muito vazio,
muito escuro!...
Quando se comunicavam por telefone
ou vídeo, ela percebia as mudanças físicas do sempre-filho-sempre-menino: mais
magro, um tanto cabeludo demais, voz diferente. Chorava absurdamente, dormia
com o travesseiro molhado de saudade! E, ainda que seu desejo fosse o de
reclamar, nas suas orações sempre agradecia a Deus pela vida de seu filho.
De aventura em aventura, descoberta
em descoberta, cada dia mais distante, cada lugar menos previsível, um dia sua
campainha tocou insistente. E quando virou as chaves ansiosa por saber quem era
o inoportuno da meia-noite, percebeu estar diante do seu bebê, ávido pelo seio
materno. E era ele, com seus braços estendidos num sorriso triste.
Ele voltou para casa. Está doente.
Enquanto cozinha o almoço e conversa
sobre assuntos do cotidiano ela o observa, deitado no sofá. Está fraco. Seu
olhar perdido procura a janela da sala – é o lugar onde ele mais gosta de
ficar. Dali vê pássaros nos fios e nos postes da rua. Acompanha o ninho, tenta
reconhecer, depois, os filhotes que quebraram os ovos. É amante da natureza,
hoje a refeição saudável trouxe alegria para dentro de casa.
A mímica dos apresentadores dos
telejornais delata a ligação entre mãe e filho. Nada mais há que interesse para
aqueles dois, senão jogar conversa fora. Ela prepara o suco, arruma a mesa, põe
flores e guardanapos combinando. Ajeita as almofadas para que ele se sinta mais
confortável. O conforto lhe diminui as dores. Fazem silêncio, dizem “amém”
simultaneamente. A oração, o desejo de cura. Eles se olham, ele elogia a comida.
Ela ri.
Eles têm feito isto todos os dias. Vivem
o dia, aquele que Deus concede quando lhes apresenta o Sol. Se acordados,
vivem. Sem maiores planos para o amanhã.
Às vezes, terminada a refeição, ele
adormece. É a hora do plantão dela. Confere-lhe a temperatura, a hora dos
remédios, o dia da próxima consulta... E sempre, sempre, ajoelha-se no chão –
com seus joelhos abençoados – e pede a Deus que olhe por seu filho. E agradece
por cada dia em que ele desperta depois daquele sono que para ela é desespero
de um não acordar mais.
Nossos filhos não são nossos. Firme,
rocha, mãe, ela cuida dele sem saber por quanto tempo. Espera por sua cura,
porque crê. E vive o dia. De nada se arrepende. Sua consciência atrelada ao seu
coração lhe guia os passos. Está com seu menino que, apesar de já tão grande,
depende de sua vigília, como depois do parto.
Ir ou ficar é uma decisão que
independe da gente. Quando se é mãe, já se foi filho. Já quisemos ir, enquanto
queriam que ficássemos. Mas se a vida acena com um convite irrecusável, há que
se ser MÃE, para permitir que os sonhos se realizem, ainda que isto pressuponha
vôos mais altos do que se imagina.
Que Deus olhe por vocês dois, minha
amiga. Agora, a decisão de ir ou ficar está nas mãos do Nosso Senhor!
É amiga "Ir ou Ficar". O que observo hoje é que os jovens de HOJE tem essa grande dúvida. "Ir ou Ficar". Os jovens dos anos 60 não tinham. Parabéns belo texto.Bjs Nícia.
ResponderExcluirMais um belo texto,pura emoção!!Filhos,maternidade,idas e vindas...e fé;dessas que levam as mães,especialmente as mães, a uma ligação direta com Deus,E que seja feita a vontade Dele!!Bjs
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