quarta-feira, 3 de abril de 2013

Espectro

(Quem se faz de ensaio da vida não é digno dela.)


Meu maior desejo nos últimos tempos: passar para os meus amigos leitores que vêm até aqui a sensação de que a vida é breve e maravilhosa! De que a vida é uma bênção concedida por Deus aos Seus escolhidos...

Hoje, no entanto, como a dor de uma faca cravada no peito, senti no coração a tristeza de algo sobre o qual já havia falado, escrito, mas que embora seja desabafo meu, não passa. Hoje vou escrever sobre um espectro de gente. Sobre um pobre coitado – eu não gosto deste termo, mas falta-me outro – que desperdiça o dom da vida existindo, pura e simplesmente.

Tem gente que é assim, infelizmente: quando se dá por si, percebe que existe. E não sabe o que fazer com isto. Então, respira o dia, até que ele anoiteça. Depois, respira a noite, aguardando o amanhecer.

Imagino como Deus deve entristecer-se por constatar essas existências. Mas ainda há casos piores. Tem gente que, dando-se conta de que existe, quer aniquilar o outro, aquele que ama a vida, aquele que dá valor ao presente que recebeu de Deus, quando foi a vida fecundada.

Tenho olhado muito para trás, ultimamente. Refeito meu caminho, repensando um monte de coisas. Não, eu não cheguei a conclusão alguma. Temo chegar à morte sem concluir nada. Mas também não sei se viver é concluir. E aí, fico com medo de que, tendo concluído, reste-me deitar ao caixão.

Os sinônimos da palavra espectro empilhados constroem aquele ser, que de humano talvez nada tenha. Fui ao Google Images buscar a imagem para o texto, e mais me pareceu álbum de fotos do “Senhor Espectro”. Eu tive medo, mas, sobretudo, tive pena.

Sinto pena de quem acha que o mundo não dá voltas. De quem se aproveita das situações efêmeras da vida para internalizar que são eternas e, diante disto, humilhar e perseguir os outros.

Homens não deveriam – jamais! – sentir inveja de mulheres. Este é, em minha opinião, o sentimento mais repugnante. Um homem, a quem Deus destinou a força, a coragem, a sobrevivência da espécie, desmerece o gênero quando inveja uma mulher, seja por sua beleza, por sua inteligência, por seu profissionalismo, por sua competência. Isto é vergonhoso. Mas espectros não são homens. São apenas ensaios de sombras de homens. E hoje ando às voltas com um espectro que honra o nome e todos os sinônimos possíveis de se encontrar em todos os dicionários!

Mulheres não vieram ao mundo para serem invejadas por homens, ou sombras de homens, ou ensaios de sombras de homens. Mulheres vieram ao mundo para serem contempladas, admiradas, veneradas, desejadas, cuidadas, amadas e, para além de tudo isto, respeitadas.

Não saí de casa para trabalhar pelo simples querer de ir trabalhar. Saí de casa pela necessidade de sobreviver com dignidade, e ajudar aos meus pais a viverem uma vida digna, também. Mas saí, e quando decidi que seria professora honrei a classe, exercendo meu ofício da melhor maneira que pude. Errando e acertando, fui aparando minhas próprias arestas. Hoje vejo o quanto fui querida, meus ex-alunos estão próximos de mim, são meus amigos, apontam minhas falhas à época, mas reconhecem o meu amor – de sempre! – pelo ato de educar. Depois que deixei a sala de aula, depois dos dezesseis anos em que estive nela, mudei de função e hoje, Inspetor Escolar – com muito orgulho – tento fazer o melhor que posso.

Foi uma das coisas que aprendi com meus pais: meu pai foi o melhor mecânico enquanto foi mecânico, e minha mãe, a melhor balconista da Farmácia Vera Cruz. Eu não tenho nenhuma dúvida disto. E sei que eles acreditam que saí de casa para morar tão longe para ser a melhor Inspetora Escolar que puder ser.

Então era isto o que eu queria dizer. Que quando Deus criou homens e mulheres com suas diferenças, não foi à toa. Nós não somos iguais. Quando Deus se entristeceu diante do pecado confessado, destinou Adão a sobreviver do seu próprio suor, e Eva a parir com dor. Hoje muito do que compõe nossa geladeira em casa é fruto do trabalho da mulher, enquanto o homem não sabe, nem vai saber, o que é a dor do parto. Então tivemos que ir à luta para ver uma geladeira mais colorida em casa e, “sem querer”, apresentamos nossa força e inteligência aos homens que já estavam lá fora, e eles, agora, nos invejam. E invejando, perseguem.

Eu pensei em resistir, mas meus quarenta e quatro anos não me sugerem isto. Lendo os últimos textos que postei aqui, seria ter uma vida diferente daquela que prego e, decididamente, não vim ao mundo para isto. Pago todos os preços – altíssimos! – por ser quem eu sou, mas sou. E diante da mesquinharia, da covardia, das atitudes atrozes que venho percebendo, recuo. Que passe a cavalaria, que ladrem os cães. Que se levante a poeira. Daqui a um tempo, a poeira assenta, e nem rastro fica das ferraduras, porque dias substituem dias, há chuva, há sol, há vento... Vai tudo embora. Os cães latem por outras coisas (aliás, por qualquer coisa), o tempo passa e tudo está esquecido.

Meu rastro cheira a rosas, já disse “o outro”, lá, certa vez. E perfume de rosas, este sim, demora a sair. Fica nas rosas, fica nas mãos de quem as oferece, fica até nas páginas dos livros em que são guardadas.

Tenho rosto. Reconheço-me no espelho. Olho profundamente nos olhos das pessoas quando converso com elas. Às vezes até tenho necessidade de retirar os óculos do rosto. Não confio absolutamente em quem desvia o olhar de mim. Não permito a Antônio sequer brincar de fazê-lo. Digo sempre a ele que um homem deve olhar o outro nos olhos. Não se é assim, e não se é digno de confiança.

Eu não estou na diagonal da vida. Não procuro pontos de fuga para descansar o olhar. Não marco dia nem hora para visita. Não me escondo. Não sou sombra, não nasci para ser espectro. Portanto não sei conviver com quem o é.

Minha direção é só uma: para frente! “Para o alto e avante”, como diria minha querida Gisela. Vento na cara, cabelo desgrenhado, muitos tropeços, quedas incontáveis, choros absurdos, mas uma alegria sem tamanho por ser quem sou, por assumir meus atos, por olhar nos olhos, por dizer a verdade, andar com ela de mãos dadas, sempre, inexorável.

Não persigo ninguém, não admito ser perseguida. Não traio. Dispenso, portanto, a traição. E não preciso conviver com aquilo que me aborrece. Esta não é a Vida Nova que prometi para mim, na Páscoa. Estaria dando um testemunho contrário ao que prego. Isto eu deixo a cargo do Sr. Espectro. Este sim, prega uma coisa e faz outra, ensinando com seu exemplo torpe de vida aos seus descendentes.

Não quero carregar comigo a culpa por ser dentro de minha casa um exemplo desonesto de vida para Antônio.

A vida é breve e maravilhosa. Eis que opto por uma Vida Nova. E as tentações deste mundo que não é do meu Deus não vão me persuadir sob a forma de um fantasma de gente que acha que é alguma coisa. Alma vendida, eu repreendo suas atitudes nojentas. Engula-as. Estou fora.

Um comentário:

  1. Amiga Karla copiando seu texto....Mulheres não deveriam – jamais! – sentir inveja de mulheres, seja por sua beleza, por sua inteligência, por seu profissionalismo, por sua competência.
    Depois que deixei a sala de aula, mudei de função e hoje, Inspetor Escolar – com muito orgulho – tento fazer o melhor que posso.
    Foi uma das coisas que aprendi com meus pais: meu pai foi o melhor Policial, e minha mãe, a melhor dona de casa. Eu não tenho nenhuma dúvida disto. E sei que eles acreditavam nisso que saí de casa para morar tão longe para ser a melhor Inspetora Escolar que puder ser.

    ..........Somente FÉ com muita ESPERANÇA amiga!!!

    ResponderExcluir