sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Escolhi viver

(Neste dia em que todo mundo se lembra da morte, escrevi sobre a vida...)


As pessoas estão no mundo. Andando, trabalhando, correndo na beira da praia, lendo, escrevendo, dirigindo... Porém, poucas se dão conta de que estão vivas.

Viver é um milagre. E hoje em dia se faz tudo tão mecanicamente que nos é perfeitamente possível passar um dia inteiro sem pensar nisto. A rotina não deixa, a mídia não deixa: você não tem as medidas da mocinha ou do rapaz? Já morreu. Deite-se. E tudo tão bem feito, que tem gente se deitando, nem que seja na maca do hospital, para se transformar naquilo que não é, obedecendo a uma ordem que não sabe de onde veio. O importante é não ter cabelos brancos, não ter cabelos crespos, não ter rugas, não ter celulites nem estrias, não ter pelancas, não ser careca, não ter pintas, não ter barriga, e ter muita, muita bunda – e isto vale agora para os homens, também!

Ser quem não se é, para mim, é o mesmo que morrer. Uma fôrma entrega iguais os “bonequinhos” e “bonequinhas” na saída dos hospitais que enriquecem – ou das zilhões de academias que ploriferam! – e saem de lá os felizes Kens e Barbies prontos para serem aceitos nos grupos dos iguais. Eu, sinceramente, já ando com dificuldade de reconhecer alguns artistas da televisão: passam um tempo afastados e, quando retornam, aquelas bochechas reluzentes, aquelas bocas inchadas e as nádegas que eu podia jurar nunca havia visto antes estão lá, denunciando a ida ao tal do hospital da fôrma. E estão internando-se lá cada vez mais jovens... Meu Deus!

Bem, isto pra mim é optar por morrer. Morre-se em vida, porque já não se é mais quem se é de verdade. Gordos são agora magros, costelas são retiradas dando vez à cintura obrigatória, pretos são brancos, brancos são bronzeadíssimos mesmo no inverno, morenos são loiros e vice-versa. Ah, confesso que não entendo isto, não entendo...

Escolhi viver, então. Eis uma escolha simples, e muito feliz! Daí, fiz uma relação de coisas que quem escolhe ser feliz tem que fazer. Aprendi rapidinho, e tenho tentado praticar todas (embora de vez em quando um lobo mau me passe umas rasteiras). E a experiência tem sido excelente. Quem escolhe viver, escolhe ser como criança. Afinal, Deus nos dá a vida em forma de criança, não é mesmo? Quanto mais a gente cresce, mais começa a morrer...

1 – Para viver, basta estar no mundo. Recebê-lo de braços abertos, sem medos. As crianças fazem isto. Ouça-lhe os barulhos, aguce os seus ouvidos: os sons dos passarinhos nos ninhos das árvores, os sons das folhas secas sacudindo no vento... A música que toca na casa mais afastada da rua... O som da onda batendo quando chega à praia, o som da gargalhada de um amigo, o som dos passos das pessoas na rua... Basta fechar os olhos agora, e experimentar.

2 – Para viver, basta dizer a verdade. Sim, quando é sim. Não, quando é não. Com as duas palavras damos conta de nossos problemas, não é necessário usar qualquer outra. Crianças são verdadeiras, ainda não tiveram tempo de aprender a mentir. Diga quando gosta de algo, e quando não gostar, revele também. Não omita informações, não disfarce sentimentos. Seja verdadeiro. A verdade é bonita.

3 – Para viver, sorria. Ria das coisas, das pessoas, ria de você mesmo. Arranje motivos para sorrir, a vida já está cheia daquilo que nos faz chorar... Conte piadas, faça piadas das situações estranhas que aparecerem. Criança é ainda mais criança quando ri. Receba as pessoas com um sorriso verdadeiro no rosto. Despeça-se com o mesmo sorriso. Sorria para o dia que está do lado de fora da sua janela. Tenha alegria no seu coração.

4 – Para viver, questione. Tem dúvidas? Pergunte. Ficou com uma impressão diferente daquilo ou daquele a quem foi apresentado? Retire-a. Não entendeu perfeitamente aquilo que lhe foi dito? Peça a quem lhe disse que repita, infinitamente, até que a compreensão lhe chegue. Não aceite os nãos como resposta, se não era isto o que queria ouvir. Toda criança argumenta, experimenta a desobediência quando sua vontade lhe é negada.

5 – Para viver, brinque. Faça cócegas no seu colega, pule corda. Jogue bola – é delicioso! – com uma criança na rua. Corra na praia, jogue-se no mar. Mergulhe, levar uns caixotes das ondas faz parte da vida de qualquer criança. Tome banho de chuva, permita-se ser invadido por aquela água fria que vem do céu, a sensação é de bênção! Deixe seu corpo molhado, sinta o peso gostoso das roupas molhadas sobre o seu corpo.

6 – Para viver, abrace. As crianças gostam de dar e de receber abraços. Abraço é afeto físico. Abraços aproximam corações. Abraços perdoam. Abraços pedem perdão. Abraços dispensam palavras... Demonstre o carinho que sente pelo outro fisicamente, não hesite. Há gente que não entende olhares, precisam de toques. Não se detenha diante da vontade de abraçar alguém. Criança nenhuma faria isto.

7 – Para viver, chore. Chore no escuro. Experimente apagar todas as luzes de casa e chorar todo o seu cansaço, suas angústias. Molhe o travesseiro, as lágrimas são quentinhas, confortáveis. Chore embaixo do chuveiro. Mistura de sensação boa esta a da água morna do chuveiro com a lágrima morninha, também... Crianças choram, e não costumam olhar para ver se tem alguém em volta. Não se preocupe. Chore. Faz muito bem chorar, quando se tem vontade.

As regras são tantas quantas são as ideias das crianças. Essas sete aí, quem me ensinou foi Antônio, e ele me ensinou vivendo... Eu, venho pondo em prática, ainda que a rotina e a mídia me proponham exatamente o contrário. Assim eu consigo ter rugas, celulites, estrias, uma barriguinha protuberante, confessar meus quarenta e quatro anos, manter as costelas no lugar, testemunhar e respeitar a consequência da lei da gravidade no meu corpo e ser FELIZ, e dar a vez ao viço que vem logo atrás de mim, com seus dezesseis anos, pedindo licença para viver...

Todo mundo quer viver. Viver é uma opção. É opção dos corajosos. Eu escolhi viver. Está feito o convite!

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