sábado, 29 de dezembro de 2012

Na estrada

(O abençoado ano de 2012 está chegando ao fim. Ontem foi o meu último dia de trabalho na Secretaria de Educação, experiência que seguirá comigo onde eu for. Nada a reclamar. Tudo a agradecer.)



Hoje fechei a porta pela última vez. Deixei as chaves lá. Não voltarei amanhã. Nem depois, nem depois de depois de amanhã.

Hoje fechei os olhos num abraço que não se dará mais diariamente, como foi há oito meses. Amanhã não haverá abraço, nem depois, nem depois de depois de amanhã.

Hoje abri a estrada para a caminhada. Quase cortei as fitas, que imagino verdes por conta da minha imensa esperança de que venham dias melhores. Melhor seriam fitas coloridas. Não disse eu mesma há uns textos atrás que a esperança é de todas as cores?

Estou na estrada. A vida me espera. Deus criou o mundo e nele pôs as ruas para caminharmos. Deus espera que nosso caminho seja longo, seja bonito, seja verdadeiro, seja perfumado (não vou nem repetir a história do meu rastro de rosas, para não cansar meus leitores)...

Há doze anos cheguei a Iguaba Grande. Aqui, entreguei o melhor de mim. Não vim para passar alguns dias e voltar pra São Gonçalo depois de cumprida a carga horária obrigatória. Não. Trouxe, na mochila de veludo cotelê vermelho, todos os meus sonhos. Todos os sonhos que carrega uma mulher de trinta anos com quinze de Magistério. Em minha mochila vieram todos os meus erros, meus acertos, minhas histórias. Trouxe nas costas todos os meus ex-alunos, que agora reencontro na velocidade da Internet e abraço virtualmente com tanta emoção que chego a sentir meu coração aquecido!

Hoje deixei “a janela da minha sala de trabalho”. Deixei a vista mais bonita – porque da minha cidade! – para novos olhos apreciarem. Hoje deixei lá meu coração acelerado de há oito meses, quando entrei naquele espaço meio sem saber o que fazer, por onde começar, o que dizer às pessoas. O tempo foi passando, Deus foi me abençoando, as coisas foram acontecendo, e tudo deu certo, graças a Deus!

Todos os sonhos da mochila de veludo cotelê vermelho que me acompanhou de São Gonçalo a Iguaba Grande estão aqui comigo, agora. Se eu fechar os olhos, como fechei no abraço de há pouco, os vejo, todos: são eles meninos e meninas felizes no momento do sinal de entrada na escola. Eu vejo pais tranquilos e confiantes afastando-se dos muros da escola depois de verem seus filhos caminhando para as salas de aula. Eu vejo professores satisfeitos conduzindo suas turmas. Vejo parceria.

Talvez um dia pás de cal sejam lançadas sobre o corpo de uma Karla Pontes que já não sonhe mais. Só mesmo pás de cal serão capazes de acabar com isto me traz lágrimas de emoção aos olhos: ver uma aluna formada, ver um aluno trabalhador, ver meus meninos conduzindo suas vidas para o bem. Tenho extremo orgulho de ter sido Professora. Agradeço a Deus pela oportunidade de ter vindo para Iguaba para experimentar a profissão de Inspetor Escolar. Agradeço, da mesma forma, por esses oito meses à frente da Secretaria de Educação da cidade onde decidi viver, ter e criar meu filho, ser feliz.

Todas as bênçãos. Todas! E eu, pequena, vazia, indigna, recebi de Deus a missão de estar por lá, pensando coisas, sonhando possibilidades... Mas jamais teria conseguido sozinha, e um Deus onisciente me colocou ao lado das pessoas certas. Trouxe-me a humildade, a caridade, o afeto, o perdão, a paciência, a amizade, a fé, a compaixão, a fidelidade, a persistência, a vergonha, a ética, o amor, a paixão, a responsabilidade, a honradez, a solicitude, a decência. Veio tudo isto num monte de gente que, aos poucos, foi cruzando o meu caminho. Deus permitiu crescer joio e trigo, crescer muito joio e muito trigo, crescer muito o joio e o trigo, e quando os oito meses estavam por findar, grande parte do joio foi ceifado.

O joio se foi, meio que disfarçado de ovelha, se é que isto é possível. E tendo limpado das minhas vistas o que me cegava, Deus apresentou-me o campo dos trigos, amarelinhos, poucos, sim, mas abençoados!

Confusa, já não sei se é blasfêmia dizer a Deus que não sou digna do presente que Ele me deu quando me entregou as chaves da SEMEC. Ora, se Ele me concedeu a graça, deveria eu estar duvidando?

Mas para além de poder olhar com carinho para as minhas crianças, foi durante o tempo em que estive lá que consegui a felicidade de poder olhar para mim mesma. E descobri amigos, descobri parceiros! Foi um tempo de descobertas impressionantes. Cada dia, um testemunho da presença VIVA de Deus na minha vida.

Obrigada, Senhor!

Estou na estrada. A vida segue, não para, é mais rápida que meus pensamentos. Estou mais firme, mais forte, mais resistente, mais completa, mais experiente, mais atenta, mais confiante, mais crédula, mais feliz. Estou na estrada sem vícios, sem resquícios, sem mágoas. Já sei em quem posso acreditar. Já sei como me defender.

Estou na estrada para viver o dia de amanhã, assim que a fresta da minha janela quebrada – hoje já maior que ontem – me avisar que o dia se rompeu num sol de cinquenta graus lá fora. Eu vou viver.

A estrada é tão longa que não dá para avistar o seu final. E isto é bom, dá-nos a impressão de que há muito ainda por caminhar. Se esticar os olhos vejo curvas, elas me anunciam as dificuldades, as mudanças que virão. E em vez de temor, tudo o que sinto é vontade de alcançar meus objetivos, superar obstáculos, romper fronteiras, desbravar rumos, descobrir novos caminhos.

Oito meses e amigos de verdade. Foi o que eu trouxe para casa depois de fechar as portas do lugar onde fui imensamente feliz. Nada a reclamar. Tudo para agradecer.

Eu não quero parar. O sol me excita, me dá energia. Já sei para quem posso dar as mãos. Minha corrente é grande, vou longe com os amigos que tenho. Vamos juntos, vamos longe, vamos além.

Fica o convite, porque não vejo o dia de hoje como um fim, e sim como começo: sou nova, sou renovada, sou outra, sou melhor. E quem caminhou junto comigo, na responsabilidade de fazer e de dar o seu melhor, está, tenho certeza, sentindo-se assim, no dia de hoje, como eu. Fica, então, o convite de seguir adiante, na estrada, sem temores. Fica o convite de apostar as fichas no sonho de ver tudo dar certo, ver as crianças, os jovens e os adultos com seus sonhos realizados, também.

Eu, sigo. Cheia de gás! Feliz da vida! Grata a Deus! Na estrada cabem todos. Se a gente der as mãos, envolve o mundo num abraço, alguém duvida? Meu abraço de hoje, especialmente em Marli, minha parceira, minha amiga, minha companheira, minha referência, envolveu o mundo, encheu de alegria o meu coração e, sei, o coração dela. Corações movem o mundo, o mundo gira no compasso das batidas dos nossos corações.

Meu coração está na estrada. Vou-me embora. Alguém quer vir?

Um comentário:

  1. ESSA MÚSICA É PARA VC MINHA AMIGA KARLA PONTES...RETRATA TODO O SEU TEXTO:
    GERALDO VANDRÉ
    Caminhando e cantando
    E seguindo a canção
    Somos todos iguais
    Braços dados ou não
    Nas escolas, nas ruas
    Campos, construções
    Caminhando e cantando
    E seguindo a canção

    Vem, vamos embora
    Que esperar não é saber
    Quem sabe faz a hora
    Não espera acontecer.......

    MIL BJS EM SEU CORAÇÃO
    NÍCIA GIFFONI

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