segunda-feira, 22 de abril de 2013

Sobre um “não” que eu não disse

(É uma confissão. Mas talvez tenha chegado até aqui por não ser só minha.)



Amanheceu um dia de sol lindo assim, como hoje, em 22 de abril de 1995. A única diferença para o dia de hoje é que era um sábado.

Não me lembro bem por onde comecei a organizar-me para a noite, mas lembro que fiz uma oração, meio rápida, agradecendo a Deus pelo dia.

Acho que tomei sol. Naquela época eu era cismada com isto, gostava de estar bronzeada. Na cadeira de praia, ali mesmo no quintal, “peguei” uma corzinha, para não parecer pálida demais à noite.

Depois de tomar banho fui ao salão de beleza. Fiz as unhas e um coque no cabelo. Muito gel para ficar arrumadinho. Muito gel para receber, horas mais tarde, a grinalda de flores naturais. Naquele sábado, 22 de abril de 1995, eu me casaria.

Nada de passar o dia num SPA, nada de rotina especial. O salão ficava na esquina da minha rua. Em menos de duas horas voltava a casa para fazer o restante. Almoçamos e meu pai seguiu para a casa da costureira para buscar o vestido. A única prova eu havia feito no dia 19. Uma única vez havia experimentado o vestido que usaria na noite mais importante da minha vida.

Cerimônia marcada para as dezoito horas. Tentei cochilar depois do almoço, mas a ansiedade não deixou. Preocupada em ficar com olheiras (o resto dos meus defeitos eu já havia garantido esconder com o modelo escolhido para vestir), comecei uma luta diante do espelho com o pó compacto. Não, não houve maquiadora. Eu mesma tratei de dar conta disto. E enquanto esperei papai chegar com o vestido, pus pó compacto na área dos olhos.

Bem, meu pai chegou com aquela lindeza de vestido! Tendo sido eu a desenhá-lo, fiquei extremamente satisfeita. A costureira, Dª Custódia, ainda entrou com seus detalhes experientes. Eu queria tudo muito simples, então, ela sugeriu-me cetim brocado, porque eu não queria renda. Acabei comprando um cetim brocado maravilhoso, num tom de branco envelhecido – pérola, talvez – e nunca vi coisa mais linda do que aquela! Aplicações de guipir em todo o decote (grudado ao pescoço) e na cintura deram um tom bucólico e romântico àquela noiva de 1,68m de altura e 55kg. Usei luvas de cetim de três quartos. E, com a magreza escondida sob o tecido, e a tristeza sob o pó compacto, surgi de dentro do quarto pronta para o casamento.

O motorista, um velho amigo do meu pai, que na época tinha um automóvel Santana muito bem cuidado, conduziu-me à Igreja de São Lourenço. Acho que, pelo retrovisor, via além do trânsito, pois me perguntava de vez em quando se estava certa de minha decisão. Quando estacionou no pátio da Igreja, virou-se, olhou nos meus olhos e me perguntou, com a liberdade de quem me viu nascer, se era aquilo mesmo o que eu queria fazer. E ofereceu-se para me levar de volta para casa, caso eu decidisse desistir.

As palavras do Sr. Brasil, o motorista, acompanharam-me durante todas as minhas horas. Até hoje, às vezes, pareço ouvi-las. Mas as ouvi incessante e fortemente em todos os passos que dei dentro daquela Igreja.

Eu sou pontual demais, e acabei chegando primeiro. Ficamos no carro, aguardando os convidados. Mas eu sou ansiosa também, e não esperei muito. Quando entrei, a Igreja estava vazia – todos contam com o atraso da noiva! – e foi difícil passar por bancos que não me diziam nada, de tão vazios!

O interior da Igreja não estava enfeitado. Eu não tive dinheiro para pagar a ornamentação. Depois de mim, casaria-se uma dentista que, diante da minha impossibilidade de dividir com ela a despesa da decoração, optou por esperar o meu casamento acabar para arrumar os enfeites para o dela. Pouco me importei: a Igreja era, por si só, linda demais. Quase ninguém percebeu a falta das flores...

Então, eu atravessei o corredor, braços dados com papai, e fui entregue por ele àquele que seria a partir dali o meu esposo. Sr. Brasil comigo, o tempo todo, sussurrando-me que dissesse não, se não quisesse fazê-lo.

Não, eu não quebrei protocolo algum, eu não fui criada para isto. Não encheria meus pais de vergonha, não me submeteria ao escândalo, não decepcionaria meu noivo, não entristeceria minha sogra. Não jogaria por terra o dinheiro gasto com o vestido e os custos da Igreja (festa não, porque não houve). Não, eu não seria uma transgressora, uma rebelde, uma maluca. E, perdida entre tantos nãos, disse sim ao Padre, ao noivo, aos convidados e morri ali mesmo, arrependida.

Em 1995 eu tinha vinte e seis anos. Pela forma como fui criada, encorpava a lista das “mulheres encalhadas”, e minha mãe nunca se cansou de lembrar-me deste detalhe. E tudo o que desenhei de história quando conheci o então pretenso-futuro-marido foi um atropelo de ações impensadas, imaturas e, hoje, imperdoáveis: Conhecemos-nos em agosto, neste mesmo mês começamos a namorar. Em novembro ficamos noivos e começamos a construir a nossa casa. Em abril nos casamos. Uma oportunidade imperdível, para uma moça velha de vinte e seis anos, que só o que sabia fazer na vida era trabalhar, trabalhar, trabalhar, estudar e passar os fins de semana trancada (trancada, não, minha mãe jamais permitiu que nos trancássemos!) no quarto escrevendo, escrevendo, escrevendo e ouvindo músicas de um estilo que ninguém naquela idade ouvia.

Hoje não sei se meu sim foi um não, ou vice-versa. Meu casamento não deu certo, e quando estávamos completando um ano e meio de vida em comum, descobri que a vida “em comum” havia acabado. Uma vida “incomum”, que ninguém merece viver. Apesar disto, de chegar a esta conclusão, mantive-me casada por cinco anos com um estranho a quem eu não conhecia. Até hoje não sei se meu marido mudara, ou revelara-se.

Vivo hoje com essa dor no meu peito, que não me deixa. Ela se parece com a alegria momentânea que habitou meu coração quando o Sr. Brasil estendeu as mãos e quis me levar dali. Pensei tanto em ir-me embora!

Olhando para a foto escolhida para ilustrar o texto, invejo a moça. Nada mais há que eu faça. Fiquei com o estigma impresso. Fui julgada e condenada, do mesmo jeito, pelas pessoas que o fariam lá mesmo, ainda dentro da Igreja. E ainda daria tempo de eu recomeçar a vida. Que pena que não disse não!

8 comentários:

  1. Minha querida...que história!!!Esse Sr.Brasil devia ter uma sensibilidade daquelas!E como vc consegue ir desfiando,emocionantemente,sobre esse dia que é tão especial para muitas das mulheres e a oportunidade perdida!!Admiro-a muito mais!!

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    1. Cada um tem suas histórias, não é, Glorinha? Gosto de contar as minhas... Que bom que vc gostou! :)

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  2. Velha e encalhada com 26 anos.... os tempos não são mais os mesmos!!
    Amei o texto! Cheio de emoção, lembranças e experiência!
    :*
    Obrigada por dividir!

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    1. Não são mesmo, Livia... Hoje jamais aconselharia uma menina ou um menino a cometer uma loucura dessas, ainda que apaixonada ou apaixonado estivesse, ainda tão jovem!
      Muito feliz por ver você por aqui! Bjs. :)

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  3. nao se arrependa.
    tudo na vida e aprendizado.
    vc virou a pagina....
    vc recomeçou.
    Deus abençoe toda essa verdade.
    bjs

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    1. O sentimento não é bem arrependimento. Mas não saberia descrever para vc qual é. Obrigada, amiga!

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  4. K entre nós Karla....isso td foi um grande experiência de vida não é amiga!!! A minha vou resumir: 10 anos de namoro; casamento no cartório às 9h o noivo chegou atrasado; meu pai me levou para a padaria na esquina fomos tomar umas cervejas e ele me pedindo para não casar e minha sogra chorando para não fazer isso com o filho dela...rsrsr....casei e fomos passar a lua de mel em Iguaba Grande...rsrsrsr......daqui a alguns dias iremos completar 26 anos de casados no dia 13 de maio e 36 anos juntos! Na época tinha 27 anos e nunca pensei em ficar encalhada... rsrsrs..a vida é feita de escolha mesmo...não tinha outra saída...rsrssr...hoje estamos aqui...poderia ter sito diferente...e vamos que vamos..Bjks!!!

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  5. Esse Sr, Brasil foi enviado como anjo da guarda.Mas seria diferente,mesmo se não tivesse entrado na igreja?Não sei.Realmente escolhemos alguns caminhos que nos fazem refletir durante toda a nossa vida.

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